Uma especialista explica o que são os cosméticos probióticos e o que podem realmente fazer pela sua pele.
Dada a importância do microbioma da nossa pele, ele está na mira da cosmética. Mas ainda há muita confusão nesta área, por isso pedimos a Joana Nobre, farmacêutica, cosmetologista e especialista em dermocosmética, que nos ajudasse a separar as ideias falsas das verdades científicas.
Para percebermos a ação destes cosméticos, temos de perceber primeiro o que é o microbioma. Este termo abrange a microbiota (a flora que vive na nossa pele, composta por biliões de micro-organismos como bactérias, leveduras, fungos e vírus), os seus genomas e as suas condições de vida. Fomos educados a acreditar que todos os micróbios eram maus e deviam ser exterminados, mas os que colonizam naturalmente o nosso corpo e a nossa pele, e fazem parte dos nossos microbiomas, são um trunfo para a saúde. “Desequilíbrios na composição da microbiota cutânea estão associados a várias condições da pele, sejam patológicas, como eczema, acne, alergias ou caspa, ou não patológicas, como pele sensível, irritada, ou seca”, explica Joana Nobre. “Portanto, o desenvolvimento de abordagens que preservem ou restaurem o equilíbrio natural e individual da microbiota representa um novo alvo não apenas para dermatologistas, mas também para aplicações de cuidados com a pele.” Sabendo como os probióticos ajudam a manter a flora intestinal equilibrada e a reconstituí-la depois de um tratamento com antibióticos, é tentador pensar que podemos fazer o mesmo na flora cutânea e há cada vez mais cosméticos que se propõem fazê-lo. Mas como funcionam exatamente? Pedimos a Joana Nobre que esclarecesse as principais dúvidas nesta área.
PRÉ, PRÓ E POSBIÓTICOS SÃO A MESMA COISA?
“Do ponto de vista científico são 3 coisas completamente diferentes. Prebióticos são o alimento da nossa microbiota. A maioria são açúcares que encontramos nas frutas e nos vegetais, mas também o mel ou o leite, extratos de plantas e algumas águas termais ricas em minerais. Podem ter a capacidade de alterar a nossa microbiota, promovendo crescimento e atividade de determinados micro-organismos, evitando o desenvolvimento de outros, embora isto não esteja ainda cientificamente validado. Os probióticos são micro-organismos vivos, bactérias, fungos, capazes de repovoar a nossa microbiota. Os posbióticos são as moléculas segregadas pelos probióticos que os imitam e têm efeitos benéficos sobre eles. Um deles é o ácido lático.” Nos cosméticos, os pré e posbióticos podem ajudar a manter um microbioma equilibrado e saudável, mas em relação aos probióticos, como veremos mais à frente, a sua utilização não é tão linear.
UM MICROBIOMA DESEQUILIBRADO GERA PROBLEMAS DE PELE?
“Isto hoje é incontestável”, diz Joana Nobre. “E em várias patologias: acne, psoríase, eczema, caspa… E até o envelhecimento cutâneo. Atualmente está-se a tentar arranjar uma forma de se acompanhar, com um aparelho, por exemplo, a microbiota que a pessoa tem em determinadas partes do rosto, do corpo ou do couro cabeludo para, consoante essa avaliação, conseguir antecipar a probabilidade de ela desenvolver determinadas patologias. Isto ainda não é possível, mas é um caminho de investigação muito interessante que encaixa naquela tendência da personalização. Algumas linhas de investigação apontam para podermos passar de cosméticos baseados em ingredientes ativos, que representam cerca de 3% das fórmulas, para cosméticos ecossistémicos, um conceito muito interessante. Está provado que pessoas com acne e psoríase têm uma alteração do microbioma da pele.”
OS COSMÉTICOS COM PROBIÓTICOS TÊM BACTÉRIAS VIVAS?
Não. “Os probióticos são micro-organismos vivos e não é legalmente possível incorporar organismos vivos inteiros num creme, como se faz no iogurte que mantemos no frigorífico. Devido a preocupações de segurança, espera-se que os produtos cosméticos tenham um baixo teor de micro-organismos”, explica a especialista. “Não é uma opção viável que contenham bactérias vivas, o que significa que não pode haver um cosmético que seja um verdadeiro probiótico. No entanto, podem conter componentes provenientes de probióticos que podem ser benéficos, frações como os lisados, fermentos ou extratos bacterianos, às vezes chamados de posbióticos. E são seguros, podem constituir uma fonte de prebióticos para a nossa pele que pode até ser interessante, mas não são verdadeiros probióticos porque não têm essa capacidade de colonizar a nossa pele, como acontece no caso do intestino. O que as marcas na realidade utilizam são pré ou posbióticos. Os tais lisados e fermentos, a que as marcas chamam probióticos, não o são.”
SÓ COM COSMÉTICOSPROBIÓTICOS PODEMOS PRESERVAR O MICROBIOMA DA PELE?
Não. Para Joana Nobre, o que devemos fazer é procurar usar cosméticos que respeitam a nossa microbiota, o nosso microbioma, e não forçosamente usar cosméticos que contenham estes pré ou posbióticos. “Até porque o real valor destes ingredientes não está absolutamente definido. E há muitas coisas que podemos fazer para preservar a nossa microbiota, como usar produtos de limpeza do rosto e lavagem do corpo que não sejam muito alcalinos, porque precisamos de ter um pH ácido na nossa pele para que a microbiota esteja bem, e evitar produtos que sejam demasiado detergentes, que lavem em demasia, porque isso também é nocivo. A temperatura da água também é muito importante, a água muito quente perturba verdadeiramente a flora da pele, isso também já está provado. Eu acredito mais nas ações de preservação da microbiota do que propriamente na utilização de cosméticos que tenham as moléculas na esperança de que vão ajudar, porque isso hoje em dia ainda não é assim tão evidente cientificamente. Ainda não se conseguiu provar com total certeza que a presença de pré ou probióticos sirva para repovoar uma população benéfica na pele. Por isso é tão importante a prevenção, as pessoas estarem conscientes do que não devem fazer para não alterar o que têm já de bom na pele, a flora comensal.”
ESTES INGREDIENTES ESTÃO INDICADOS NA EMBALAGEM?
Depende. “Geralmente sim, porque é um atrativo de marketing muito relevante hoje em dia. Mas também conseguimos identificá-los na lista de ingredientes, onde aparecem como lisados, fermentos ou culturas sob designações como lysate, sphingomyelinase, lipotechoinsyre, peptidoglycan, lactic acid, acetic acid diacetyl, lactose, lactis proteinum, inulin, fructooligosaccharides, galactooligosaccharides, alpha-glucan oligosaccharide, lactulose, hyaluronic acid, sodium hyaluronate… entre outras.”
AS FÓRMULAS TÓPICAS SÃOMAIS EFICAZES PARA A PELE DO QUE OS SUPLEMENTOS?
“Não necessariamente”, diz Joana Nobre. “Claro que se a flora intestinal estiver saudável e equilibrada isso também acaba por se refletir na pele, está tudo ligado. Mas na cosmética ainda há muita coisa para validar, nomeadamente se estes produtos são absolutamente eficazes, se os suplementos alimentares que nós ingerimos, com pré, pró e posbióticos têm efeito na pele… Porque também há a questão dos ‘nutricosméticos’, que aliás é um conceito que não existe do ponto de vista regulamentar: ou é suplemento alimentar ou é cosmético, as marcas é que chamam a estes suplementos nutricosméticos…”
A COSMÉTICA PROBIÓTICA É SÓ UMA MODA?
“Não acho que seja“, diz a especialista. “É um tema que tem estado a ser muito estudado na cosmética nos últimos anos, para além da indústria alimentar que já há décadas que estuda este assunto. Nos EUA, o mercado dos probióticos na cosmética está projetado para crescer numa taxa anual de 12% nos próximos 10 anos, é bastante e prova que não é uma moda. É um eixo de investigação muito importante. O nosso microbioma é como se fosse um segundo código genético que nós temos, porque cada um de nós tem uma microbiota diferente, inclusive nas várias zonas da pele e variando também ao longo da vida.”