Depois do vestido azul, do ar sacrificado e da gafe do discurso plagiado, Melania voltou para Nova Iorque com uma desculpa esfarrapada e tornou-se óbvio que o lugar de Primeira Dama estava à disposição. E para a ribalta passou a filha mais velha de Trump, Ivanka. Manteve-se ponderada enquanto o pai discursava sobre imigrantes mexicanos, insultava as mulheres em geral e a Humanidade em particular. A filha foi uma mais-valia para o presidencial pai: ainda mal tinham passado algumas semanas de presidência Trump e já ela tinha ido a uma mesa-redonda com Angela Merkel, conhecido Justin Trudeau, discursado no museu Smithsonian e participado num jantar oficial com o presidente chinês (a quem conseguiu ‘vender’ a sua marca de roupa).
Nada disto foi uma surpresa. Uma década de administração Trump e 35 anos como sua filha tornaram Ivanka na primeira-dama perfeita e Trump nunca escondeu que era a sua filha preferida. Aliás, uma das suas gafes passou por dizer que se Ivanka não fosse sua filha seria sua namorada.
Crescer como uma princesa
Ivanka cresceu numa torre, como uma princesa encantada, no seu quarto da Trump Tower com vista para Central Park. Tinha dois irmãos, Donald Junior e Eric (mais tarde, mais dois meios-irmãos, Tiffany, de Marla Maples, e Barron, de Melania). Os três são filhos da primeira mulher de Trump, a modelo checa Ivana, de quem herdou o nome próprio (Ivanka é o diminutivo de Ivana) e o jeito para o negócio. A vida entre dois magnatas com personalidades explosivas e profissões absorventes não deve ter sido fácil. Ambos eram pais ausentes. Ivana trabalhava tanto como o marido: começou como modelo, mas depois do casamento envolveu-se cada vez mais nos negócios de Trump, que, entretanto, se envolvia com outra manequim mais nova e menos empreendedora, com quem acabou por casar.
Quando os pais se divorciaram, Ivanka tinha 9 anos. Leal como sempre, nunca falou da ausência do pai, mas da presença: contou que aprendera tudo sobre negócios com o pai, e tudo sobre etiqueta com a mãe. De qualquer maneira, teve uma adolescência dourada como ‘princesa americana’, que viajava do colégio interno para a mansão Mar-a-Lago de avião privado, que convivia com estrelas como Michael Jackson ou Elizabeth Taylor, que vivia rodeada de criados, cozinheiros, motoristas, jardineiros. Durante uns tempos seguiu as pisadas da mãe e foi manequim, mas cedo percebeu que o seu lugar, como o dos irmãos, era no ‘Império’ paterno, e licenciou-se em economia na Universidade da Pensilvânia. Alguns anos depois, criou a sua linha de joias e roupa. E cedo se tornou vice-presidente do Império Trump, onde ganhou rapidamente o respeito de quem trabalhava com ela.
‘O papá é o meu herói’
Foi o que admitiu candidamente numa entrevista, aos 15 anos. Permanece até hoje fiel a um ‘papá’ milionário, obstinado, prepotente, megalómano e rico em tudo, sobretudo escândalos. Isso não a impediu de o apoiar. Também não a impediu de apoiar a democrata Hillary Clinton em 2007 – e mais do que apoiá-la, doar-lhe mil dólares para a campanha contra Obama. Na campanha seguinte, já apoiou o republicano Mitt Romney, e defende que é ‘fluida’ em termos políticos.
Em termos religiosos, não: é judia desde que se converteu para casar com Jared Kushner, outro magnata do imobiliário, quase tão rico como ela.
A riqueza não os impediu de serem vistos pelos republicanos como ‘demasiado liberais’. Até os acusaram de homenagear o clã Kennedy no nome dos filhos (Arabella Rose era o nome da primeira filha de Jackie Onassis, as iniciais de John Frederick Kushner são JFK, e o terceiro filho chama-se Theodore, como o senador Ted Kennedy). De qualquer maneira, há poucas provas concretas desta ‘liberalidade’ tão apregoada. É verdade que Ivanka escreveu dois livros: ‘The Trump Card’, onde relata a sua experiência nas empresas Trump, e ‘Women who Work’ – um encorajamento às mulheres trabalhadoras. Mas não se livrou de ouvir coisas como ‘é fácil falar quando se é vice-presidente das empresas do papá sem se ter feito nada para isso’ e ‘podia pedir ao seu pai que deixe de fazer coisas como destruir o fundo de Planeamento Familiar ou retirar direitos básicos às mulheres’, como lhe responderam no seu Facebook.
Uma filha ou um clone?
Nunca se considerou uma seguidora cega do pai. “Sou uma filha, não um clone”, defendeu-se quando a acusaram de não se ter filiado no partido republicano. Mas será que a fama de ser uma ‘boa influência’ sobre o pai é mesmo verdadeira? Segundo se tem averiguado… não. Ou melhor, nim. Pode-se adivinhar que talvez discorde do pai em assuntos como planeamento familiar, clima ou direitos ‘gay’, mas a verdade é que… ninguém sabe.
Recentemente, tirou uma ‘licença’ temporária do império Trump para exercer o cargo de assistente do pai. O marido foi nomeado conselheiro principal da Casa Branca, o que também gerou críticas: afinal, Jared não é um ‘crânio’ habilitado para lidar com a reforma do governo ou a crise do Médio Oriente. Entrou em Harvard porque o pai milionário doou 2,5 milhões de dólares à Universidade, é dono de um jornal mas os próprios jornalistas dizem que ‘nem sequer gosta de ler’, e a maior qualidade que lhe apontam é ser ‘muito calado’.
Ivanka fala – mas não diz nada. “Ela foi treinada para ser o mais vaga e vazia possível”, afirma o comediante John Oliver. “Uma das citações de um livro seu é ‘a perceção é mais importante que a realidade’. Isto diz tudo.”
Há quem diga que ela representa a típica filha de um narcisista, que aprendeu a prever as mudanças de humor do pai. “Os filhos dos narcisistas aprendem muito cedo que tudo o que fazem é um reflexo do pai, e a criança tem de encaixar-se naquilo que esperam dela”, explica o psicólogo Seth Meyers. “Estas crianças sofrem uma pressão brutal desde muito cedo, porque têm de negar a sua personalidade para agradar ao pai e espelhá-lo a ele.”
A inclusão da família em sessões presidenciais tem levantado muitas críticas. Esta é a primeira vez que um ‘primeiro filho’
tem tal importância. O mais perto que alguém chegou foi George Bush filho, que trabalhou na campanha de Bush pai. “Mas nem ele estava presente em importantes reuniões políticas”, nota Kate Andersen Brower, autora do livro ‘First Ladies’. Sim, Trump talvez valorize a opinião da filha (que é o mesmo que valorizar a sua própria opinião). Mas a verdade é que, por muito que a valorize, temos visto muito poucos sinais disso – pelo menos na prática.
SABIA QUE…
• Assim que o pai foi eleito, Ivanka mudou-se com toda a família de Nova Iorque para Washington, onde vai ser vizinha dos Obama.
• A visita do presidente chinês foi um tal sucesso que já
há mulheres chineses a submeterem-se a cirurgia para ficarem parecidas com Ivanka.
• Foi acusada de plágio, não por causa de um discurso, mas por causa da sua marca de sapatos.