“Desde que o meu filho nasceu que eu incentivo nele a curiosidade e o gosto por coisas novas. Quando junho chegou, o Thomas disse: ‘Não vamos ficar aqui fechados durante o verão, pois não?’ Então pegámos em nós e rumámos à ilha das Flores, nos Açores. A ideia era passar um mês e meio em contacto com a natureza. O Thomas tem 14 anos, quer ser biólogo e eu teria finalmente tempo para ler e escrever. Viemos. Até agora tive anos muito intensos, sempre atenta ao Thomas, e reuni condições para dedicar este ano à escrita. Mas temos um cão e um gato, e achámos que estar afastados deles um mês e meio era demais. Então no fim de junho viemos todos para as Flores: eu, o Thomas, o cão e o gato. Ao terceiro dia de cá estarmos, o Thomas olha para mim e diz: ‘Eu gostava de ficar aqui a viver’. E respondi: ‘Também eu’. E nunca mais voltámos a Lisboa, nem para trazer roupa.
O Thomas tem Asperger e alguma perda de audição, e o silêncio da ilha é ideal para ele. Saiu do Liceu Pedro Nunes para a minúscula escola das Flores, e adorou, parece que recebeu um presente prometido há anos. Desde cedo percebi que ele tinha características pouco comuns – era fechado, não comunicava facilmente –, mas arranjei estratagemas para nos encontrarmos a meio caminho. Sempre lhe passei a paixão pela vida, e hoje posso dizer que ele conseguiu subverter o diagnóstico e tirar partido dele.
A ilha tem 2000 pessoas, o mesmo número de alunos que tinha a escola onde eu andei (risos). E eu percebi que tinha vindo aqui para ver o mundo mais de perto. Aqui toda a gente está exposta. Cada passo que damos, o vizinho sabe, e isso pode ser aterrador. A solidão faz-nos pensar mais, estar mais em contacto connosco. Claro que nem todos os dias são fáceis. Pode ser um barco que não chega e já não há legumes, por exemplo. E a grande aprendizagem é saber lidar com isso. Já me aconteceu pegar no carro, dar duas voltas à ilha e pensar: ‘Não consigo sair daqui!’
Sempre procurei ter tempo para o Thomas. Mas aqui sinto mais tranquilidade, menos angústia e cansaço. Temos tempo para nos aborrecermos, por exemplo. Claro que há pessoas aqui que vivem de forma totalmente alheada, numa espécie de retorno à vida hippie. Este também pode ser um desafio: não ficar uma ilha dentro de uma ilha, continuar a pessoa que sempre fui. O paraíso não existe, só na nossa cabeça.
Sim, sinto-me vista como uma estrangeira. Os açorianos rivalizam entre as ilhas, mas isso nos bairros de Lisboa também acontece. Só que aqui nota-se mais. Mesmo na ilha há muitas divisões, e as pessoas dão-se pouco. Mas aprendi o que era mais importante: viver apenas com um casaco que seja quente, mais que bonito, reforçar a ligação com o meu filho, dizer aquilo que penso num meio pequeno. Até quando vamos ficar? É como perguntar até quando vai durar uma história de amor. Não sabemos. E está tudo bem.”