Cansada, exausta, esgotada, derreada, estafada, tudo sinónimos entre si e sinónimo de como, muitas vezes, nos sentimos dia após dia. Parece uma epidemia, aposto que conhece alguém que se diz exausta (se calhar a própria leitora), ou alguém que entrou em burnout, kaput, não dá mais, o fusível estourou. As horas de trabalho cada vez mais tomam conta do nosso dia inteiro como um polvo que nos aperta com os seus tentáculos. Mal temos tempo para dormir, quanto mais tempo livre. Do elogio ao ócio passámos a considerá-lo quase um palavrão, um sinónimo de calão, de preguiça, quando é o que nos alimenta física e mentalmente. É verdade que há uma imensidão de pessoas que relega o sono para segundo plano, um erro que vamos pagar caro, mais cedo ou mais tarde. Mas há também muita gente que se esforça por dormir as 8h da praxe e acorda tão esgotada como quando foi para a cama. É aqui que entra Saundra Dalton-Smith, médica americana, especialista em Medicina Interna, e ela própria vítima de um burnout. Foi através da sua experiência pessoal (e de muita pesquisa) que chegou à conclusão que nós, seres humanos, para nos sentirmos bem a 100% precisamos de 7 tipos diferentes de descanso. “Isto porque somos pessoas com personalidades, ritmos e gostos diferentes, além de termos profissões que exigem de nós aptidões diversas. O sono é absolutamente essencial para o nosso equilíbrio, mas quando temos rituais de sono saudáveis e acordamos a sentir-nos esgotados, é porque não é só de uma boa higiene do sono que precisamos”, escreve no seu livro ‘Sacred Rest’.
“Quando pensamos em descanso achamos que basta dormir ou fazer a sesta, mas não, vai além disso. O sono é uma função biológica, é um descanso físico, mas sabe-se que a maioria das pessoas não consegue entrar nas fases de sono profundo, não consegue descansar verdadeiramente, e fica nas fases de sono menos profundas e menos reparadoras. É por isso que eu tentei estudar este fenómeno e cheguei à conclusão que nós precisamos de 7 tipos de descanso: físico, criativo, social, mental, emocional, espiritual e sensorial. As pessoas têm trabalhos exigentes em diferentes áreas por isso ficam extenuadas de forma diferente, um médico, um enfermeiro ou um professor, uma pessoa cujo trabalho envolve o contato permanente com outras pessoas, que prestam um serviço, cansam-se de forma diversa de quem passa o tempo todo a um computador, ou de um engenheiro, um arquiteto ou um músico.” Para saber que ‘área’ de descanso precisa de apostar mais, vá até ao site www.restquiz.com (infelizmente só está em inglês, pode pedir ajuda ou ir ao google tradutor, e fazê-lo com calma). A seguir, resumimos as palavras de Saundra Daulton-Smith, que nos explica cada tipo de descanso, assim como sugere algumas soluções.
1 – DESCANSO FÍSICO
“Pode precisar de descanso físico se sentir dores e rigidez no pescoço, ou tensão nos ombros, pernas ou pés inchados; ou se ficar doente mais vezes que as outras pessoas, isso significa que o seu sistema imunitário está enfraquecido. O descanso físico tem uma componente passiva – que é dormir as 7-8h por noite e fazer pequenas sestas, que todos nós precisamos – e uma componente ativa, em que é suposto fazer algo, ativamente, para ter um efeito reparador. Passo a exemplificar: se uma pessoa tem uma profissão sedentária, como estar ao computador o dia inteiro, fazer uma sesta pode não ser a solução ideal para ter um descanso físico, porque parada está ela o dia inteiro. O que esta pessoa deve fazer é intervalos com frequência, levantar-se e andar um pouco, alongar os músculos, fazer uma massagem a si própria nos pontos do corpo onde sente mais tensão – por exemplo, ombros e pescoço –, praticar ioga ao fim do dia ou fazer uma caminhada leve. Deste modo, está a ativar a circulação sanguínea e linfática, o que vai ajudar o corpo a recompor-se e a recuperar.
Para ter melhor descanso físico efetivo, não é chegar à cama e esperar que o sono venha, muitas vezes é nessa altura que nos apercebemos que nos dói os ombros, o pescoço, as costas, ou o maxilar, porque são as zonas onde acumulamos tensão, por isso é tão importante termos consciência do que sentimos ao longo do dia e tratar logo do assunto com as tais pausas.”
2 – DESCANSO CRIATIVO
“As pessoas que têm um trabalho mais técnico dizem-me com frequência que não são criativas, nada mais errado. Não são só os músicos ou artistas plásticos que têm de ser criativos, todos nós temos de recorrer à criatividade, de alguma forma, no nosso dia a dia e muitas vezes nem sequer temos noção disso. Recorremos sempre à energia criativa quando temos de arranjar soluções para problemas, quando temos de ser inovadores, quando tentamos pensar fora da caixa. O problema está se não houver reposição dessa energia criativa, porque há de chegar uma altura em que vamos precisar dela e o nosso ‘depósito’ está vazio, esgotado. É por isso que, tantas vezes, nos sentimos desmotivados, sem paixão, sem garra. E muitas vezes nem associamos essa apatia à falta de descanso criativo, pensamos sempre que a causa tem origem noutro qualquer fator.” Para recarregar a bateria da criatividade temos de ter tempo para atividades que nos alimentem a alma, que nos deem prazer. Pode ser ouvir música, ler um livro, ir a uma exposição, passear à beira mar, no meio da montanha, abraçar árvores, tirar fotografias a flores, pintar… Às vezes basta parar e “absorver a beleza que nos rodeia. Prestar atenção àquilo que temos por perto e que, com o stresse, nem ligamos, como apreciar o belo pôr do Sol quando regressamos a casa. Outra forma de estimular a criatividade passa por tornar o seu ambiente de trabalho mais ao seu gosto. Pode até nem ter um escritório onde possa pendurar um quadro ou uma foto que adore, mas basta imprimir uma citação que seja inspiradora e emodurá-la…”
“Alimente a sua energia criativa. Vá a concertos, exposições, dê passeios à beira mar. Pare e observe o que de belo tem ao redor.”
3 – DESCANSO SOCIAL
“Este descanso tem a ver com a capacidade de percebermos quais são os relacionamentos que nos revigoram e quais os que nos esgotam a energia. Há sempre pessoas na nossa vida que nos retiram alguma energia, como os nossos filhos e os nossos parceiros, mas estes também nos revigoram. Tem de haver equilíbrio. Tente perceber quais os relacionamentos que nos sugam a energia e evite-os a todo o custo. Muitos de nós não podemos evitar um ambiente de trabalho tóxico, um colega ou um chefe que nos sabota, mas saiba que toda a frustração e raiva que sentimos vai acumular-se ou ser canalizada para quem não tem ‘culpa’. Temos de evitar isso. Tive um paciente que dizia não perceber porque implicava tanto com a mulher e os filhos, amava-os muito mas tinha a sensação de que, quando chegava a casa, passava o tempo a discutir com eles. Através de algumas perguntas fiquei a perceber que todo aquele stresse vinha do mau ambiente no trabalho. Tentar solucionar o problema de base é o ideal, ou arranjar forma de libertar toda aquela toxicidade até chegar a casa. Tente apoiar-se em relações que lhe deem energia positiva, revitalizante.”
4 – DESCANSO MENTAL
“Tem a ver com a nossa capacidade de desligar, ou acalmar a atividade cerebral na hora de dormir, aquela conversa connosco próprios quando pousamos a cabeça na almofada e que não nos deixa adormecer ou dormir profundamente. O meu marido, por exemplo, tem um trabalho muito exigente na área da tecnologia, e a forma que ele arranjou (e que funciona com ele) para não ficar com os problemas a martelar na cabeça é fazendo exercício físico intenso, como correr ou andar de bicicleta. Consegue desligar-se de tudo o resto porque as únicas preocupações dele naquele momento são respirar e manter a cadência do exercício. É como estar a fazer meditação e mindfulness mas não em repouso, assim desliga-se de tudo o que o preocupa.
Para outras pessoas, resulta bem escrever um diário, por exemplo. O facto de nos expressarmos em papel é catártico. É um método tão simples que se duvida dele, mas tem excelentes resultados. Por vezes, ocupamos a nossa mente com tarefas simples mas que nos moem. Se as escrever numa agenda, passo essa preocupação para o papel, pronto, sei que tratarei do assunto, e libertei a minha cabeça para outras atividades.” Cada um de nós tem de encontrar a forma de desligar que mais se adequa à vida e personalidade. Pode ser ler um livro, ouvir uma música calma, tricotar.
“Ruído, luzes intensas e ecrãs causam uma sobrecarga sensorial. É importante desligá-los, por uns minutos, todos os dias.”
5 – DESCANSO EMOCIONAL
“Quem tem cargos de responsabilidade ou uma profissão em que tenha de contactar com pessoas sabe que há muitas emoções que têm de ser controladas, retraídas. Como médica, tenho de saber gerir as minhas emoções com os meus pacientes. Às vezes temos de lidar com agressividade, outras vezes com a tristeza, quando damos más notícias, quando sabemos que o adeus está próximo, a reação normal seria chorar, mas não estaria a ter uma atitude profissional. Os pais fazem muitas vezes este controlo das emoções no seu dia a dia. Durante a pandemia e agora com esta crise económica foi bastante comum. É natural que tenham preocupações, será que o dinheiro chega até ao fim do mês? Será que continuarei a ter emprego? Será que conseguiremos pagar a renda? Os pais não querem mostrar essa ansiedade aos filhos, não os querem sobrecarregar, por isso guardam estas emoções, que são prejudiciais para o bem estar. Ter descanso emocional é poder ser autêntico, é poder expressar o que sente num espaço seguro, onde possa ser vulnerável. Pode ser com a melhor amiga, uma irmã, uma terapeuta, para não andarmos sobrecarregados com emoções negativas. Não é à toa que as pessoas, por vezes, explodem do nada, só que não é do nada, é porque chegaram ao seu limite. Não se deixe chegar a esse ponto. Se tem alguém da sua inteira confiança, desabafe, quando alguém lhe pergunta ‘como foi o teu dia?’, não conte o que fez ou deixou de fazer, diga o que sentiu, ou peça apenas um abraço, por vezes basta isso para nos apaziguar. É isso que faço com o meu marido, não quero descarregar a minha angústia nele, sobretudo quando nos meus dias há muitas mortes, muitos acidentes, muitas famílias destruídas. Se fizer terapia, ótimo, se não tiver dinheiro para isso, aconselho o bom e velho do diário novamente, escrever o que nos atormenta ou simplesmente o que sentimos é sempre um bom remédio.”
6 – DESCANSO ESPIRITUAL
“Tem a ver mais com espiritualidade que com religiosidade. Perceber que somos parte da Humanidade, ver para além de nós próprios. Eu tenho a minha religiosidade e o meu sistema de crenças, mas há muita gente que não pensa da mesma maneira. Ainda assim, todos partilhamos um desejo de pertença, de compaixão, de empatia para com os outros. Queremos que a nossa vida tenha uma intenção, um propósito, um significado. Há quem se sinta bem numa congregação religiosa, como eu, outros numa comunidade que tenha uma causa em comum, porque isso é o que nos faz sentir humanos, esse espírito de comunidade. Encontre a sua.”
7 – DESCANSO SENSORIAL
“Vivemos num mundo em que somos bombardeados por dezenas de estímulos e sensações a todo o instante. Há momentos, com certeza, em que gostaria de ter um botão para desligar o imenso ruído à sua volta, para descansar… sobretudo se é introvertida. Tanto em casa como no trabalho é muito difícil ter momentos de silêncio, não haver luzes intensas, os ecrãs de computador ou telemóvel estão sempre ligados, e toda a gente tem as notificações a tocar. É por haver tanta solicitação sensorial que estamos a ficar com mais dificuldade em nos concentrarmos.” Uns auscultadores com cancelamento de ruído pode ser uma boa ajuda para isolar o ruído de fundo no ambiente de trabalho, mas como não são baratos, pode optar por tampões para os ouvidos, também resultam bem. “Muitas vezes o que faço, no trabalho, como estou muitas horas ao computador, é desligar o telemóvel, o computador, baixar as luzes e fecho os olhos, e estou assim concentrada no silêncio e na escuridão, a respirar fundo e a descontrair.”