Não nos venham com estórias! Para as mulheres que nunca tiveram filhos, o parto é um momento assustador, semelhante a um mundo novo rodeado de perigos, qual Cabo das Tormentas que, como navegadora arrojada, irá ter de transpor. Trata-se, no mínimo, e mesmo para as grávidas de temperamento mais calmo e positivo, de uma viagem a um universo desconhecido, num espaço estranho, em que técnicos de saúde e aparelhómetros obscuros tecem um cenário digno de um filme de ficção científica. A noção de que a dor é um elemento indissociável deste momento, os mitos criados em redor da epidural, o tempo infindável que acreditamos ser possível permanecer em trabalho de parto e a possibilidade do recurso aos fórceps são alguns dos muitos pesadelos que criam na parturiente ansiedades e receios, na maior parte dos casos absolutamente infundados. Para que não restem dúvidas no seu espírito, deixamos a palavra a um especialista no assunto.
– “Como sei que estou em trabalho de parto?”
Muitas gestantes receiam ser apanhadas desprevenidas: ou têm medo de se amedrontar sem fundamento, atrevendo-se assim a ser recambiadas para casa, ou de subvalorizar os sinais e arriscar-se a ter o bebé a caminho da maternidade. Mas não é uma questão assim tão complexa, como explica o obstreta José Martinez de Oliveira: “O trabalho de parto caracteriza-se pela existência de contracções uterinas intensas e a intervalos regulares que levam, numa primeira fase, à abertura do colo do útero e, posteriormente, à expulsão do feto e restantes estruturas. Assim, o início do trabalho de parto identifica-se pela intensidade das contracções (a barriga fica dura), que são inicialmente apenas incómodas, mas cuja intensidade, em crescendo, as vai tornar dolorosas (“dores”), e que surgem a intervalos regulares, inicialmente a cada 15 minutos, e, depois, se tornam cada vez mais frequentes. Convém lembrar que, no termo da gravidez, e mesmo antes dele, existem contracções uterinas (como se de treino), as quais têm menor intensidade e, por isso, apenas são perceptíveis apalpando a barriga, mas não provocam outros sintomas.”
– “Quando devo ir para o hospital?”
Ao longo da gestação, principalmente no estádio final, são muitas as hesitações que se instalam, quais inquilinos indesejados, na mente da futura mamã, todas relativas a situações que merecem, ou não, uma ida ao hospital. “Quando se apercebe que está em trabalho de parto, quando existem sinais de aviso, como expulsão evidente de muco espesso, particularmente se rosado/ensanguentado, ou perda abundante de liquido pela vagina (rotura da bolsa d’águas) e sempre que surjam sintomas ou sinais anómalos (hemorragia significativa pela vagina, dores de cabeça intensas, vómitos, entre outros), a grávida deve ir para o hospital”, esclarece o obstreta.
– “O que me fazem na sala de partos?”
O desconhecimento sobre este assunto é geral e, por isso, é normal que a entrada na sala de partos se encontre congregada a ansiedades e temores. O que sucede exactamente quando se entra nesta etapa? “Procede-se a exame básico para detectar quaisquer problemas coexistentes (tensão arterial, exame de urina); faz-se um exame específico para avaliar das condições obstétricas (exame abdominal e genital); procede-se à confirmação de que a grávida está em trabalho de parto, quando em início objectivável pelo estudo das contracções uterinas, frequentemente realizado com equipamento especial (cardiotocografia).” Parece complicado? Não se preocupe, que a equipa de médicos e enfermeiras toma bem conta de si.
– “Dão-me epidural ou só se eu pedir?”
A questão da anestesia preocupa muitas mulheres. Algumas mostram-se peremptoriamente contra, mas receiam que não lhes seja concedido o direito a optar. Outras, situam-se nos antípodas e vivem acossadas pelo medo que não lhes seja oferecida essa oportunidade “mágica” de aliviar as dores. Afinal, o que acontece quando a questão se reporta à anestesia? José Martinez de Oliveira esclarece as grávidas ansiosas: “Por princípio, nada é feito sem o desejo e o consentimento da própria, pelo que deve ser a parturiente a solicitar a epidural. Convém lembrar que a segurança e a eficácia da analgesia epidural é grande. Contudo, outras alternativas existem, como o chamado “parto sem dor”, que se baseia no auto-controle, ou o uso de medicamentos ou mesmo a eletrostimulação e a acupunctura. Essencial é que não se tenha a ideia de que a epidural é obrigatória: nos países europeus apenas cinquenta por cento das mulheres que a ela têm acesso a solicitam. Recomenda-se que as grávidas visitem a unidade de saúde onde pretendem vir a ter o parto e conheçam as suas instalações, organização e pessoal, aproveitando para inquirir sobre o que lhes será disponibilizado.”
– “Quanto tempo pode durar um parto?”
“E se estiver horas e horas em sofrimento?” – é comum as grávidas temerem este cenário, alimentado pelas conversas quotidianas, que se sucedem na sala de espera do consultório médico ou no local de trabalho, e que começam sempre “tenho uma amiga que passou dois dias em trabalho de parto!”. Porém, como realça o obstreta, “a intervenção médica actual consegue controlar com segurança a evolução do processo, sendo hoje pouco frequente o trabalho de parto efectivo superior a 24 horas.”
– “As dores são suportáveis ou posso desmaiar?”
Os mitos relativos ao sofrimento no momento do nascimento do bebé são numerosos e intemporais, esquecendo-se as mulheres que o parto é algo que muda consoante a parturiente. Em termos gerais, “o parto é um fenómeno normal e, ainda que doloroso, é naturalmente suportável, caso contrário a espécie teria já desaparecido. Por posturas naturistas, ou outras, algumas mulheres recusam qualquer tipo de alívio e, nalgumas sociedades, a sensibilidade à dor parece estar perfeitamente controlada. Nas sociedades ocidentais, os fármacos permitem diminuir, de forma significativa ou mesmo total (anestesia), a sensação de dor.”
– “E se não faço a dilatação?”
Medo sem fundamento ou risco real? “Para que o parto se dê é necessário que o colo se abra. Assim, nos casos em que, por qualquer razão, tal não acontece, há que recorrer à extracção por cesariana: ‘se a porta encrava, sai-se pela janela'”, comenta José Martinez de Oliveira.
– “O que significa o facto do bebé não chorar ao nascer?”
Muitas gestantes tornam-se cativas desta ansiedade, porque é usual acreditar-se que um bebé que não chora nos segundos imediatos ao parto apresenta problemas graves de saúde. Quisemos averiguar se isso correspondia à verdade. “O choro logo à nascença é considerado sinal de bem-estar do recém-nascido, o que é, em princípio, verdade, mas não necessariamente. O bebé pode não chorar por se encontrar sob o efeito de medicação (“a dormir”) ou, em algumas situações, é mesmo conveniente que não chore sem ser rapidamente avaliado, pois algumas secreções que traz na boca podem originar pneumonia ao serem aspiradas. Nestes casos, põe-se muito cuidado para não estimular o bebé enquanto é aspirado. De todo o modo, e ainda que importante, o choro é apenas um dos parâmetros objectivos de bem-estar e não o único.” Esclarecida?
– “Os forceps e a ventosa prejudicam o bebé?”
O obstreta é objectivo na resposta: “Por princípio, não.” Não nos podemos esquecer que o parto instrumentado, como toda a intervenção médica, tem por finalidade aumentar a segurança e diminuir os riscos, sendo que, no final, tudo isto é relativo. “Todos os dias usamos facas, mas, por distracção ou acidente, podemos cortar-nos… O problema não está no equipamento, mas nas circunstâncias envolventes ao seu uso.”