Chegamos atrasadas porque o despertador não tocou. O chefe está de mau humor e temos medo que o emprego vá à vida. O carro anda enviesado quando devia andar direito. O Zé Manel diz que vem tarde porque fica a trabalhar, não há nada que se possa fazer para que ele mude de ideias e é melhor não pensar na loira do marketing que de certeza que também vai ficar a trabalhar até tarde. As crianças estão… bem, incontroláveis. Rezamos para que o frigorífico não avarie porque não temos dinheiro para um novo. Devoramos todas as calorias que existem em casa, mortas ou vivas, dentro ou fora do frigorífico, porque no caso de avariar, mais vale que a comida não se estrague. Suprema humilhação: até o cão faz o que quer (inda se fosse um gato…)
Conclusão: há dias em que a nossa vida parece ter vida própria, e que anda alguém a mexer os cordelinhos por nós. E pelos vistos, não é alguém que nos ama. Por que é que este descontrolo, real ou imaginário, nos afecta tanto? “Temos algum controlo sobre a nossa vida mas o lado incontrolável assusta-nos muito, porque se prende com o fantasma da morte e a possibilidade de ficarmos perdidas”, explica a psicoterapeuta Ana Luísa Botas.
Curiosamente, o descontrolo assusta-nos porque estamos habituadas a ter tudo… sob controlo. “A Humanidade progride no sentido de dominar a morte, e estes progressos dão-nos a ilusão de invencibilidade. Quando não conseguimos controlar tudo como achamos que devíamos, ficamos muito assustadas.”
Como é que deixamos de nos querer controlar a nós e ao mundo? ” Passa por uma aceitação de que temos competência mas não temos omnipotência”, explica Ana Luísa. “Uma coisa é o nosso poder de intervir e a nossa capacidade para agir, outra coisa é a tendência para controlar tudo. Às vezes, a diferença entre as duas é subtil: podemos passar facilmente de uma para a outra. Sobretudo hoje em dia, que somos bombardeadas com uma grande pressão para fazer tudo e mais alguma coisa.”
Vire a crise a seu favor
E como se não bastassem os nossos problemas reais, ainda nos martirizam com ‘problemas-fantasma’. Por exemplo, se conseguirmos não ser despedidas, se calhar a crise até nem nos afecta assim tanto, mas as notícias com que somos bombardeadas fazem-nos crer que o mundo vai acabar…”Além disso, eu acredito no poder positivo das coisas más”, nota a psicoterapeuta. “A crise também tem potencial para nos melhorar a vida: se estivéssemos sempre confortavelmente instaladas na nossa rotina, nunca saíamos do nosso mundo, não descobríamos coisas novas e maneiras novas de funcionar. As coisas más podem alertar-nos e despertar a nossa criatividade.”
Que é que podemos fazer para nos controlarmos quando nos surge um problema? “Primeiro, não ter medo do pânico, que é apenas um sinal de alarme. Repare: actualmente, na nossa vida de todos os dias, não temos efectivamente perigos reais, ou já não temos os perigos para os quais o pânico nos alertava na Pré-História.”
Pois: quem avistar um bisonte a descer a avenida que atire o primeiro calhau. “E no entanto, o cérebro ainda nos ordena para reagir como se estivéssemos na savana. Se racionalizarmos sobre isto, é mais fácil controlar o pânico e utilizá-lo a nosso favor: ele dá-nos uma descarga de adrenalina que nos prepara para a acção, e que podemos utilizar para resolver a situação.”
Outro conselho típico é pegar num problema grande e parti-lo aos bocados, mais fáceis de resolver. “Isso é o que fazemos depois do impacto do pânico: analisamos o problema e depois tomamos decisões”, em vez de serem as decisões a tomar-nos a nós…
O que é fundamental para nos sentirmos seguras? “A segurança tem muito a ver com a sobrevivência, com qualquer coisa básica”, nota a psicoterapeuta. “Se tivermos uma relação sólida com os pais, essa segurança mantém-se ao longo da vida. Obviamente, isso é um ideal que nem toda a gente teve. Mas podemos sempre recuperar essa segurança, se olharmos para nós próprias, para os nossos limites, e nos aceitarmos com as nossas limitações, sem querermos controlar tudo.”
Torne-se financeiramente sólida
As áreas em que as pessoas têm mais dificuldade em assumir o controlo são as finanças, a comida e o tempo. Porquê? “Porque são as áreas mais ligadas à nossa sobrevivência”, nota Ana Luísa. “Mexem com questões e medos muito primitivos.” Então o que é que podemos fazer? Comecemos com as finanças:
– Viva com aquilo que tem – É básico, mas não tão fácil assim… “A geração dos nossos pais vivia bem com metade daquilo que nós temos… Porque tudo depende das nossas expectativas e de processos sociais que nos confundem e nos enredam sem que nos apercebamos disso.”
– Perceba o que é importante para si – Ou seja, aprenda com a crise aquilo que lhe faz mesmo falta. E isto é diferente de pessoa para pessoa.
– Evite o cartão de crédito – Aconselha o site http://www.financialfreedomtrail.com/. Pode parecer uma facilidade, mas medite no seguinte: o dinheiro é como o nosso ex- estamos plenamente convencidas de que um dia se vai arrepender e voltar para os nossos braços, mas esse dia nunca acontece.
– Faça um diário daquilo que gastou – Ok, se calhar ninguém tem paciência para isto, mas basta experimentar durante um dia: vai ver que gasta imenso sem se aperceber.
– Evite as tentações – Se não pode gastar muito, não vá passear ao Centro Comercial. Vá ao parque jogar à bola com os miúdos. É de graça e ainda se farta de gastar… calorias.
Aprenda a esquecer o tempo
Por que é que há tantas pessoas que dizem que não têm tempo para nada? E como é que dominamos o tempo e os seus caprichos?
– Perceba as suas razões – “Às vezes, as pessoas querem fazer muito para se protegerem”, explica Ana Luísa Botas. “Para não pensarem, para fugirem, têm essa compulsão de fazer fazer fazer, e não conseguem pôr limites. Pode ser para que os outros gostem delas, porque têm medo do conflito, porque querem ser os ‘bonzinhos’, e porque não conseguem admitir as suas limitações, e dizer ‘não’ seria admiti-las.”
– Saia fora do tempo – Ioga, tai-chi, meditação, são tudo tentativas de a pessoa entrar em contacto com ela própria. “E aí, curiosamente, percebemos que afinal o equilíbrio se recupera quando paramos tudo e olhamos para nós”, explica Ana Luísa. “Quando paramos, descobrimos que afinal não éramos imprescindíveis, que o mundo continua a rodar sem nós. Podemos olhar para nós e concentrarmo-nos naquilo que é essencial. Quando perdemos tempo, ganhamos tempo.”
– Não tenha medo de… se descontrolar – “As pessoas têm muito medo do descontrolo, medo de sentir, porque quando paramos e ficamos em contacto connosco, sentimos. E sentir faz-nos sofrer. E depois, isto leva a um paradoxo: quanto mais evitamos, mais sofremos. Quando corremos o risco de nos descontrolarmos, percebemos que se calhar até nem precisávamos de controlar nada…”
NUNCA ESTIVEMOS TÃO SEGURAS
Temos imensos medos hoje, e no entanto nunca tivemos tanta segurança, mesmo com a crise. Porquê? “Porque o ser humano é viciado em segurança” defende Ana Luísa Botas. “Queremos sempre mais. O excesso de controlo pode resultar em ansiedades e ataques de pânico, as perturbações típicas da nossa época. Dantes, não havia tanto esse tipo de perturbação porque as pessoas estavam preocupadas acima de tudo com a sobrevivência, e essa preocupação apaga todas as outras. Se estamos ocupadas a tentar chegar vivas ao fim do dia, não temos tempo para depressões.”
AMIGOS CONTRA O DESCONTROLO
Tenha amigos em vez de pessoas a quem inveja: esta é uma das regras para bem viver. “Temos a mania de nos compararmos com os outros e de vermos neles o que nós não temos, em vez de olharmos para os outros como fontes de recursos, como ajudantes, como exemplos, como pessoas com quem podemos aprender”, nota Ana Luísa. “Nós não estamos sozinhos no mundo, o ser humano é gregário, está escrito nos nossos genes que precisamos dos outros.” Ter amigos é uma fonte de auto-estima, porque nos vemos reflectidos neles. “Perceber que as outras pessoas têm os mesmos problemas que eu ajuda a evitar depressões. De repente, já não estamos sozinhos, e isso faz uma diferença enorme.”