A esta altura boa parte das pessoas que chegaram a este artigo já deve ter ido espreitar o terceiro episódio da primeira temporada de “Sex Life”, nova série romântica/erótica da Netflix. Mais especificamente o minuto 19. Se ainda não assistiu, o que posso dizer é que a cena fez a produção norte-americana criada por Stacy Rukeyser ficar entre os conteúdos mais assistidos no mundo todo. E se não quiser spoilers, volte aqui quando terminar a série…
A partir daqui este artigo contém spoilers
A série conta a história de Billie, personagem da atriz Sarah Shahi, que é casada com Cooper, vivido por Mike Vogel. A determinado momento da vida, Billie começa a escrever um diário no qual relata momentos íntimos e picantes vividos com o ex-namorado, Brad, interpretado pelo ator australiano Adam Demos. O marido descobre o diário e a partir daqui a trama mistura a crise no casamento com flashbacks de momentos eróticos entre Billie e o ex-namorado. Mas para além da cena polémica de nu frontal protagonizada por Adam Demos (que também precisa urgentemente de um batom do cieiro), o que mais vemos em Brad? Um namorado tóxico.
É disso que elas gostam?
No diário, Billie recorda momentos eróticos com o ex-namorado, um produtor musical que vive num apartamento de luxo em Nova Iorque, com piscina privativa num terraço com uma vista privilegiada de Manhattan. E toda esta narrativa já começa num lugar comum extremamente estereotipado – o de que as mulheres encantam-se por homens ricos. Foi assim em “50 Sombras de Grey”, em “365 DNI” e até em comédias românticas como “O Sexo e a Cidade” ou “The Bold Type”. Parece que é difícil viver um romance arrebatador quando se anda de transportes públicos ou vive-se num apartamento alugado no subúrbio.
As cenas de sexo entre Billie e Brad são outro retrato estereotipado. De novo, com exceção da cena de nu frontal que gerou o buzz em cima da série, as mamas de Sarah Shahi estão por todo lado. Grandes planos dela a contorcer-se e gritar a qualquer toque dele. Mais do mesmo – o que já foi visto em outras produções consideradas eróticas e que parecem basear-se em filmes pornôs essencialmente criados para homens.
Romantizar relacionamentos tóxicos
Mas ok, sexo é sexo e cada um gosta de um jeito. O que faz de Brad um namorado tóxico está em todo o resto. Por exemplo: Depois de um encontro explosivo com o padrasto, Brad discute com Billie e dirige-lhe críticas por ter feito sexo no primeiro encontro entre os dois. Na mesma discussão, diminui a profissão dela, que é professora e doutoranda em Psicologia. Quando Billie engravida sem planear, Brad age como se “o problema” fosse só dela, soltando o clássico “o que vais fazer sobre isto?”. Depois, quando ela perde o bebé, ele decide traí-la numa festa de família. O relacionamento finalmente termina porque ele a expulsa de casa e a chama de maluca (claro que sim, nós mulheres sempre somos malucas).
Triste com o fim do relacionamento, Billie conheceu Cooper, o marido perfeito. Outro estereótipo. Em busca da felicidade, ela casa-se com um homem rico e musculado (sério?), os dois vão viver numa casa nos arredores de Nova Iorque e têm dois filhos. Segundo Billie, ela tem 85%, mas falta-lhe os 15%. Falta-lhe o sexo.
Casamento não é fácil e a rotina pode matar a vida sexual de um casal, é verdade. Mas na série, simplesmente não se vê os 85% que Billie alega fazer com que o casamento seja feliz. Os dois não conversam, não interagem e sempre que tentam ter um momento a sós algo dá errado. Billie chega a dizer que Brad é a faísca e Cooper o companheiro de vida – mas por que o companheiro de vida não pode gerar faísca? Fica bem claro que Billie não quer faísca com Cooper.
Entretanto, Brad volta para a vida de Billie depois de 8 anos de uma forma muito convencional – Ele começa um romance com Sasha, a melhor amiga dela! E assim a trajetória do macho tóxico continua. Brad faz uma videochamada para Billie na qual transmite uma relação sexual com Sasha sem que ela soubesse que estava a ser gravada. Depois ele passa a perseguir Billie, apesar de ela insistir que não quer nada com ele. Num jantar extremamente constrangedor entre Billie, Cooper, Sasha e Brad, o produtor musical desmoraliza a decisão de Billie de se afastar do trabalho para cuidar dos filhos. É bom lembrar que não é vergonha nenhuma assumir o trabalho não remunerado de casa a tempo inteiro se assim a mulher desejar. E Brad com a sua vida de solteirão em Nova Iorque definitivamente não é a pessoa que tem direito a julgar a decisão de Billie.
Por fim Brad chega 8 anos atrasado com o seu anel de noivado a pedir Billie em casamento. Na frente da casa onde ela vive com o marido e os dois filhos. Com o marido e os dois filhos lá dentro. Depois de Billie ter negado querer falar com ele por duas vezes ao telefone.
Crise no casamento e relacionamentos monogâmicos
Apesar de Billie dizer a Cooper que o ama e que quer ficar com ele, o marido decide ir até o apartamento de Brad basicamente para “entregar a mão” da mulher ao rival. É quando fica a saber pela boca de Brad que Billie esteve o tempo todo a negar as suas investidas. Porque sempre precisamos de um homem para confirmar aquilo que dizemos, obrigada. A série segue o seu rumo, Billie e Cooper têm uma conversa definitiva e tudo fica bem: Cooper instala um rastreador no telemóvel da mulher sem ela saber e Billie decide finalmente trair o marido com sexo sem compromisso com o ex-namorado.
Talvez o melhor da série seja a crítica implícita à ideia de que devemos ser felizes com um único parceiro para o resto da vida. Quando namorava Brad, Billie escreveu um artigo científico sobre a monogamia, no qual defendia o relacionamento sexual com uma única pessoa. Ao final da série, ironicamente, ela chega à conclusão que não pode ser 100% feliz só com o marido – e que precisa buscar os tais 15% no ex-namorado. Porém ela esqueceu-se de combinar esta nova relação poliafetiva com Cooper, que fica em casa a cuidar dos filhos.
Sobre a cena que fez “Sex Life” tornar-se popular, parece estar lá para isso mesmo. Billie nunca fala em tamanhos quando recorda as experiências sexuais com Brad nem faz comparações. É o tipo de coisa que, mais uma vez, parece existir por causa dos homens. Ninguém da produção e nem mesmo o ator confirmaram se aquele é mesmo Adam Demos ou uma prótese. Mas uma coisa está a faltar: a tatuagem de abelhas na virilha, que Brad fez quando ainda namorava Billie (E pode assistir várias vezes a cena se quiser confirmar).