Em 2020, a frase que mais ouvi e li nas mensagens que me mandaram foi “não imaginava nada a Gracinha assim!”. É engraçado como facilmente categorizamos os outros, como o nosso cérebro tem a necessidade de dar rótulos a tudo o que vê. Gostamos do que vestem, gostamos deles. Gostamos do que põem no feed, gostamos deles. Não gostamos dum projeto ou texto que lemos, não gostamos deles. Não nos identificamos por alguma razão, não gostamos deles. É difícil o humano às vezes pensar na perspectiva do outro. Sabia que tudo o que vê é um reflexo de si mesmo? Portanto, tudo o que julga está distorcido em relação às suas próprias experiências. É interessante quando nos apercebemos disso. Pomos barreiras tão facilmente, não é? E depois chegou 2020, veio quebrar tantas barreiras. Fechou-nos em casa mas foi de longe o ano mais libertador das últimas décadas. Veio revelar que afinal não nos definimos por rótulos, que somos multifacetadas, ou ‘multi-hifenadas’. Sim, hoje já não há um caminho, há vários, já não temos de ser só uma coisa e ao acrescentar um hífen entre tudo o que fazemos e somos tornamo-nos ‘multi-hifenadas’. É isso que eu sou. Não me rotulo pela minha profissão, nem pela maternidade, nem pela minha formação. Somos tanto mais que isso! Já vos aconteceu ter uma ideia duma pessoa e de repente ela expõe um lado dela que não conheciam e de repente faz-se luz, ficamos surpreendidos e vamos descobrir todo um universo sobre ela. Quando não há barreiras é assim.
Não sei como quem me escreveu mensagens a dizer “que não me imaginava assim” me vê hoje. Não sei como me imaginavam. Mas puseram-me a pensar como, por vezes, não são os outros que não veem quem somos, somos nós que não mostrámos tudo. Aceitar quem somos é um caminho às curvas. Sei que em 2020 celebrei 20 anos de carreira de uma profissão da qual sou apaixonada e à qual dei tudo nas últimas duas décadas, mas não sou só isso. Sou multi-hifenada: sou arquiteta de interiores – designer de interiores – mãe – diretora criativa – empresária – educadora – criadora – criativa – esteta – líder de uma equipa criativa – formadora de pessoas – colaboradora de marcas – embaixadora do meu país em várias frentes – designer de tecidos, tapetes, móveis… Foi preciso uma pandemia mundial para eu parar em casa e começar a dar aos outros tudo o que sou, para pensar e admitir tudo o que sou. 2020 em scroll mostrou-me mulheres fortes, criativas, a reinventar-se sem pestanejar, ou a pôr luz em tudo o que já eram mas não tinham parado para partilhar; mostrou-me toda uma comunidade de pessoas multifacetadas a completar o puzzle de si mesmas e a adaptar-se a um mundo novo. ‘Multi-hifenado’ (multi-hyphenate) já é um termo no dicionário, já é uma profissão e será o termo que a maior parte dos nossos filhos vai usar para se descrever. Quem é ‘multi-hifenada’, agora que sabe que existe, levante as mãos e dê um abraço a si mesma para o celebrar. Somos muitas. Já me chamaram várias vezes camaleão, perguntaram “como consegues fazer tanta coisa?”, como se cada coisa fosse um peso, quando não é. 2020 não foi um travão, foi uma porta que se fechou para muitas outras se abrirem. Faço um scroll em 2020 e vejo mulheres empoderadoras e empoderadas a mostrar mais facetas de si, sem ser só o que fazem ou o que os outros pensam que elas são. 2020 mostrou-nos que o futuro vai ser ‘multi-hifenado’, terreno livre para sermos quem quisermos se acrescentarmos um hífen. Não nos definimos por uma profissão, mas sim pela vontade insaciável de crescer e a partilhar com os outros. Quando pergunto aos meus filhos o que querem ser quando forem grandes, digo-lhes que não me podem dizer menos de três coisas.
Estou aqui para vos provocar e pôr a pensar em temas que podem ser pensados de outra forma. Com o meu trabalho na decoração de interiores aprendi como há sempre bem mais que uma perspectiva para um mesmo lugar. Deem-se autorização para crescer, para acrescentar um hífen. Aceitei este desafio da revista ACTIVA e vou acrescentar mais um hífen à minha vida, com gratidão e alegria: – cronista… Deixo as reticências para o que ainda estiver para vir, para desafiar todas as mulheres que lerem a descobrir e aceitar a possibilidade de se abraçarem como multi-hifenadas porque o podem ser, porque é libertador e porque dá esperança para sermos aquilo que sempre quisemos mas não éramos porque nos puseram na cabeça que só podíamos ser uma coisa. Eu sou multi-hifenada, não somos todas?