Falávamos de IRS quando um amigo me disse, “passamos o ano a cavar o buraco para depois o tapar com o reembolso. E depois começamos tudo outra vez”. A declaração era feita com mais resignação do que amargura. Era apenas a constatação de uma realidade instalada há tantos anos que se tornara sordidamente confortável.
Buraco das finanças à parte, lembrei-me desta frase quando pensava nas férias – que, nas contas da nossa saúde mental, funcionam como uma espécie de reembolso de IRS. Foi depois de entrevistar a psicóloga Tânia Gaspar e esta me alertar para a nossa postura perante a vida e da mensagem que estamos a passar aos nossos filhos: estamos sempre a dizer-lhes que têm de estudar para garantir o futuro para depois o futuro se refletir em nós na forma de queixumes constantes. Ou seja, o futuro é tão bom tão bom que passamos o ano inteiro a queixar-nos da travessia no deserto que é até alcançarmos o oásis das férias.
Eu sei que falar de garantir um emprego torna-se difícil quando eles nem sequer estão certos de que terão um Planeta para habitar. Mas o que mais me aflige é que lhes estejamos a roubar o melhor da infância e juventude.
No outro dia, a minha filha anunciou que aos 18 anos ia comprar uma casa (podia partilhar a renda com uma amiga!) e eu desatei-me a rir na cara dela ao mesmo tempo que por dentro chorava perante a imagem de uma Lagarde, por essa altura (2028) com o cabelo pelo rabo, a sentenciar-nos a mais uma subida de juros. E nem a emigração a safa, pois não podemos depender do plano imobiliário que o senhorio Elon Musk tem para Marte, que certamente fará a Comporta parecer a Mexilhoeira Grande (nada contra, atenção).
O pior efeito secundário de envelhecer, e que acontece a 95 por cada 100 habitantes – os 5 restantes andam a psicotrópicos fortes – é perder a ingenuidade e sensação de imortalidade que nos faz acreditar que tudo vai ficar bem, o que antes dos 30 ainda não é considerada positividade tóxica.
Lembro-me perfeitamente de estar com uma amiga holandesa (estávamos em 1989, ainda era holandesa) a fazer planos para o futuro: aos 30 anos estaríamos no auge da carreira – somos da geração X, havia toda um escalada com topos a conquistar pela frente. Felizmente, ninguém me antecipou de que ia movimentar-me numa espécie de Cenário Inclinado do Vale Tudo, ou seja, o esforço extra esteve sempre lá mas para todos os efeitos eu continuei numa planície – bonita, sim, mas sem cume para hastear a bandeira do prometido sucesso. (Já a holandesa, continua lá em cima, e quero acreditar que não é efeito da canábis.) Enfim, ao menos fortaleci os glúteos.
Por fim, decidi não revelar à minha filha que o mais certo seria ela continuar a partilhar casa com mãe, pai, irmão e cão até as galinhas terem dentes. O que, com as alterações morfológicas das espécies que resultam das mudanças climáticas, não será de todo impossível. A vida é bela!