Já havíamos tocado terra há 10 minutos quando um miúdo, com os seus quatro anos, exclamou “mãe, o avião aterrou!”. Era a sua primeira vez a voar, mas a emoção limitou-se a uma dor de ouvidos causada pela pressão atmosférica. Voar não é, realmente, assim tão emocionante – e ainda bem! Digo eu, que não faço parte do grupo que devora programas sobre desastres aéreos. Evito mesmo prestar atenção às instruções de segurança no início do voo, tal é a minha não fé de que é possível sobreviver a uma catástrofe.
Ainda assim, estar dentro de um avião contém o seu quê de emoção – bater palmas depois da aterragem caiu em desuso ou sou eu que tenho viajado pouco? Sabem quando estão 20 graus com um ‘real feel’ de 12 por causa do vento? Uma viagem de avião pode ter um ‘real feel’ de uma viagem no 735 da Carris. Por enquanto ainda ninguém viaja em pé, mas para lá caminhamos.
Sou superfã e grande beneficiária da democratização das viagens, mesmo com o cheiro a frango assado que finta as sandes de queijo ressequidas pela altitude vendidas a 6 euros. E aguento bem os pontapés na lombar de uma das 4 crianças do casal que finalmente vai à Disney em família – também sou mãe e com certeza ainda tenho muitas joelhadas a haver. Presumo que o senhor sentado ao meu lado tenha pago todos os seus calotes, já que decidiu dar umas bordoadas aleatórias noutra criança da mesma família, através do espaço que existe entre a janela e o banco. Era quase ali uma cena, como se diz, à Cais do Sodré, entre o pai e o ‘Gru – o Maldisposto’, o que fez voltar aquela sensação tão familiar de transporte urbano.
Mas tenho saudades dos amendoins outrora servidos a bordo e que sabem tão melhor a 10 mil metros de altitude. E por isso fartei-me de rir com a piada de Ricky Gervais sobre alergias alimentares que vi precisamente durante uma viagem de avião. O humorista viajava em executiva e não lhe serviram os amendoins do costume porque alguém a bordo tinha alergia àquele fruto seco e podia morrer. Seguem-se largos minutos de puro entretenimento em que Gervais questiona humoristicamente a legitimidade de uma potencial morte interferir com as suas liberdades individuais. (Por uma enorme coincidência, no voo em que via esse programa de stand up disponível na Netflix fomos avisados por altifalante de que, pela mesma exata razão, também nós não poderíamos comer amendoins – spooky!)
Essa mesma piada levantou há uns anos uma enorme polémica nas redes sociais, enfurecendo muita gente, em especial pais de crianças com alergias alimentares. Gervais chegou mesmo a recuperá-la noutro número em que abordava a liberdade de expressão no contexto da comédia. (Bem, a minha lombar também não se está a rir e os pontapés, esses sim, foram bem reais e não só um exercício criativo.)
Em tempo de Natal, não podia deixar de desejar a todas as famílias umas excelentes férias, quer viajem de avião ou de camioneta – a turbulência é a mesma. E cuidado com os frutos secos…