Desde que foi anunciada, a entrevista de Harry e Meghan a Oprah tinha tudo para ser um escândalo. Ao longo da semana passada, a CBS, que emitiu a conversa, partilhou alguns trechos que deixavam antever que os duques de Sussex iriam falar com a apresentadora de vários aspetos da sua vida, sem tabus, o que poderia pôr a descoberto alguns aspetos da família real que os seus elementos preferiam que fossem deixados longe do conhecimento do público. Foi um escândalo? Foi. Foi um choque? Parece-me que não.
Harry sempre deixou claro que faria o que estivesse ao seu alcance para impedir que a história da mãe, a princesa Diana, se repetisse. Sabemos como os tabloides britânicos a tratavam, o que escreviam sobre ela e a desgraça que foi aquele fatídico 31 de agosto de 1997, que deixou os jovens William e Harry órfãos de mãe.
É, portanto, mais do que natural que o príncipe tenha decidido agir ao ver que Meghan recebia da imprensa sensacionalista britânica um tratamento semelhante ao de Diana. A família real, como manda a tradição, não tem por hábito pronunciar-se além dos seus deveres reais, pelo que nunca comenta as notícias que saem nos jornais, sejam elas positivas ou difamatórias, procurando não se envolver em polémicas.
Perante este cenário, com os ataques frequentes de que Meghan é alvo, as comparações constantes – e na maioria das vezes desprovidas de sentido – com Kate, onde parece existir muitas vezes uma busca pelo herói e o vilão, e a impassividade da monarquia, não é de estranhar que o príncipe tenha querido proteger a família e retirá-la dos holofotes.
Na entrevista, Meghan referiu que não tinha feito qualquer pesquisa na Internet sobre o marido, dando a entender que quando entrou para a família real não tinha ideia do que a esperava. Não querendo pôr as palavras da duquesa de Sussex em causa, é difícil que não soubesse algumas coisas sobre o então namorado e a sua família, mas acredito que como americana que cresceu nos Estados Unidos, a perceção que tivesse sobre o que representa a família real para os britânicos estivesse realmente um pouco desfasada da realidade e não tivesse total noção da dimensão daquilo que a esperava.
A mudança para a Califórnia prometia uma nova fase na vida do casal e do filho, Archie, pelo que parece estranho que tenham tomado a decisão de darem esta entrevista a Oprah Winfrey, contando uma série de episódios pessoais, que envolvem não só a sua vida, como também revelam situações que aconteceram com diversos elementos da família real. Meghan partilhou que alguém – não mencionou quem – se preocupou com o tom de pele que Archie teria, contou que o facto de o filho não ter título de príncipe não foi um pedido seu, e falou abertamente sobre um período difícil que atravessou, durante o qual pensou pôr termo à vida. Harry revelou que o pai não lhe atendia as chamadas e que está mais afastado do irmão. Durante quase duas horas de conversa ficou a faltar uma pergunta importante: qual o motivo que os levou a darem esta entrevista?
Seguramente houve uma razão para terem decidido contar agora a sua versão dos factos, algo que, como se pôde comprovar pela onda de comentários que surgiram após a exibição, desagradou a muita gente. E se é verdade que muitas são as vozes que dizem que o que acontece no seio familiar não precisa de ser explanado em praça pública, também é verdade que a esmagadora maioria das famílias não tem esta projeção mediática, pelo que o ‘mal-amado’ não estampa constantemente capas de revistas e jornais, normalmente com títulos escandalosos. Assim deixo a questão: não temos todos o direito de mostrar a nossa perspetiva sobre o que aconteceu, de nos defendermos, de pelo menos tentar limpar o nosso nome?
No dia seguinte à exibição da entrevista, muitos foram os que saíram em defesa dos duques de Sussex, mas foram também muitos os que lhes apontaram o dedo, que os acusaram de ataque à monarquia e de um tremendo desrespeito para com a rainha. Entre grande parte dos britânicos existe uma certa ideia de que a família real está acima dos comuns mortais, talvez pelo papel que desempenham ou pelo mistério em torno de algumas das suas figuras. Diana já tinha dado, em 1995, uma entrevista bastante polémica à BBC que ficará para sempre lembrada pela icónica frase “Éramos três neste casamento”, referindo-se a Carlos e Camilla, hoje marido e mulher. Mais de 25 anos depois, talvez tenha sido a vez de o filho mais novo fazer ver que não existem intocáveis.