Os primeiros 1 000 dias de vida (período entre a concepção e o final do 2º ano de vida), são uma fase crucial para a programação da saúde futura do indivíduo. Correspondem à fase da vida de maior velocidade de crescimento e maturação de todos os órgãos e sistemas, sendo o ambiente, particularmente a nutrição, um factor determinante para que estes processos decorram de uma forma plena. Uma alimentação deficiente – em macro ou em micronutrientes – resulta em compromisso, que poderá ter repercussões para a vida do indivíduo e mesmo dos seus descendentes. Na verdade, sabe-se actualmente que existe uma persistência transgeracional destas “agressões” ambientais que ocorrem durante as fases precoces do crescimento.
Esta fase de elevada velocidade de crescimento e maturação (dois processos simultâneos, mas com dinâmicas próprias), ocorre num ser pequeno e com um estômago com capacidade para pequenos volumes. Torna-se, pois, importante garantir, nos 2 primeiros anos de vida, uma oferta alimentar de elevada qualidade nutricional, de forma a que pequenos volumes ofereçam a quantidade e a qualidade de nutrientes necessária para que o crescimento e desenvolvimento tenham a sua máxima expressão.
Uma inadequação da oferta alimentar com compromisso, por excesso ou por defeito, em energia e macronutrientes (hidratos de carbono, proteínas e gorduras) tem repercussões mensuráveis e visíveis no estado de nutrição, ao se refletirem no crescimento (peso e altura). Uma baixa oferta energética por um período curto de tempo resulta num compromisso do peso (malnutrição aguda/ magreza) mas se se prolonga no tempo condiciona um compromisso do crescimento em altura (malnutrição crónica/ baixa estatura). Já um excesso de oferta energética resulta em excesso de peso ou mesmo obesidade. Assim, um compromisso na oferta de energia (macronutrientes) é facilmente detetado, pois resulta num compromisso major (visível) do estado de nutrição.
O mesmo não se passa quando a inadequação da oferta alimentar ocorre relativamente aos micronutrientes (vitaminas e minerais). Efectivamente, esta inadequação (carência ou excesso) não se traduz directa e imediatamente no estado nutricional, mas tem repercussões a médio / longo prazo na saúde. Os micronutrientes não são fontes fornecedoras de energia (e por isso a sua inadequação não se traduz diretamente no estado nutricional visível), mas são fundamentais para que os processos de aproveitamento da energia se realizem da melhor forma (são cofatores das reações energéticas) bem como interferem na produção de numerosos compostos orgânicos (ex: hormonas) e em reações celulares (dos glóbulos vermelhos, dos neurónios, do músculo …). Torna-se, pois, fácil perceber que um compromisso na ingestão de micronutrientes resulta num compromisso da saúde e num estado de malnutrição minor (não mensurável) com compromisso funcional (cognitivo, neuro-muscular, imunológico, visual, endócrino …) e em última instância conduz a doença.
Os micronutrientes (vitaminas e minerais), assim denominados por existirem em menor quantidade relativa no organismo humano comparativamente aos macronutrientes, têm a particularidade de não serem sintetizados (produzidos) pelo organismo e necessitarem, para uma adequação dos seus níveis, de ser ingeridos regularmente na alimentação. Os alimentos que os fornecem são os hortofrutícolas (frutos, vegetais, legumes) e os produtos de origem animal.
As carências mais frequentes em micronutrientes incluem o ferro e a vitamina D nas sociedades desenvolvidas e, nas sociedades ou grupos sociais mais desfavorecidos, a estes acrescem a vitamina A, o zinco e o cálcio. A carência em ferro é a mais prevalente a nível mundial, particularmente nesta faixa etária, seguindo-se a carência em zinco, particularmente em crianças de grupos populacionais mais desfavorecidos. O défice em vitamina D tem adquirido uma importância crescente, nomeadamente na dependência da mudança do estilo de vida registada ao longo das últimas décadas.
Na realidade Portuguesa: 1) durante os primeiros 1 000 dias e considerando uma criança saudável, deverá ser dada particular atenção à carência em vitamina D e em ferro, sendo raras as outras situações; 2) em crianças com dietas particulares (ex: vegetarianos) outras considerações devem ser tidas em conta, nomeadamente no que se refere à vitamina B12, cuja carência, já durante a gravidez, pode comprometer irreversivelmente o desenvolvimento neuro-cognitivo; 3) em crianças com infecções recorrentes, doença crónica ou doenças que interferem com a absorção de nutrientes … ou seja, casos particulares e previamente identificados pelo pediatra/ médico assistente, poderá haver uma situação de carência em múltiplos micronutrientes, resultante de um baixo aporte ou de má absorção; 4) finalmente, em fases de perda de apetite e/ou dietas monótonas e/ou desaceleração de crescimento, que por vezes ocorrem nesta fase da vida, poderá haver também ambiente para uma situação carêncial múltipla em vitaminas e minerais.
Tendo em consideração apenas a criança saudável, existem 3 critérios distintos em que a suplementação em idade pediátrica, nos primeiros 2 anos de vida, deve ser equacionada:
1. Suplementação universal. Esta recomendação existe relativamente à vitamina D, durante o 1º ano de vida. Assim, todos (daí o ser denominada de “universal”) os lactentes devem realizar suplementação com 400 UI de vitamina D /dia desde o final da 1ª semana de vida até (pelo menos) completarem os 12 meses. Tendo em conta a sua importância no crescimento e provavelmente em outras
áreas da saúde, e atendendo à proscrição de exposição solar directa até pelo menos aos 2 anos de idade, há sociedades pediátricas de alguns países que recomendam manter a suplementação até pelo menos ao final do inverno seguinte ao 1º ano, e outros até serem completados os 2 anos de idade. A vitamina D é uma vitamina / pro-hormona com características muito particulares, nomeadamente: 1) apenas conseguimos ingerir 10% da vitamina D que o nosso organismo necessita, sendo os restantes 90% provenientes da síntese cutânea resultante da exposição solar da pele (“vitamina do sol”); 2) existem receptores de vitamina D em todos os órgãos de todos os sistemas orgânicos, o que faz pressupor uma intervenção importante na sua função; 3) a vitamina D interfere na expressão de mais de 400 genes … Muito embora em pediatria a sua função primordial esteja associada ao crescimento / formação de massa óssea (em associação com o cálcio), a literatura vem demonstrando, com cada vez maior robustez, uma associação entre carência em vitamina D e doença alérgica, imunológica (maior risco de infecção), neuro-endócrina … etc. Finalmente importa referir que os níveis de vitamina D da gestante interferem nos níveis do feto, pelo que deve ser dada especial atenção a este aspecto durante a vigilância da gravidez. Em resumo, é imprescindível que o lactente (0-12 meses de vida) suplemente diariamente com 400 UI de vitamina D, havendo suporte para que esta recomendação se prolongue pelo menos até ao final do 2º ano de vida!
2. Suplementação em recém-nascido pretermo ou baixo peso ou retardo de crescimento intrauterino (pequenos para a idade gestacional). Estes 3 grupos de recém-nascidos têm em comum a particularidade de terem reservas baixas de nutrientes, nomeadamente de vitaminas e minerais. O prematuro tem ainda a característica de fazer um crescimento de recuperação, para o qual tem elevadas necessidades de nutrientes. Assim, estes 3 grupos particulares de recém-nascidos apresentam um risco carêncial elevado em micronutrientes, pelo que se recomenda (ESPGHAN, AAP): a) a suplementação com vitaminas A e D e com zinco após a 2ª semana, e até atingir a dieta plena; b) a suplementação com vitamina C e ácido fólico é opcional; c) a suplementação com ferro é recomendada desde o final do 1º mês (4ª-6ª semana), devendo a dose ser individualizada de acordo com critérios bioquímicos (analíticos). Tendo em conta o risco de carências múltiplas é frequente, nestes casos, usar-se um multivitamínico com minerais;
3. Suplementação em situação de carência comprovada. Esta situação deve ser equacionada em crianças saudáveis (sem doença de base), que transitoriamente apresentam perda de apetite e desaceleração do crescimento estaturo-ponderal ou que praticam uma dieta monótona (pouco variada e pobre em hortofrutícolas). Deverá ser ponderada, caso-a-caso, a suplementação com multivitamínicos /minerais após a avaliação, por inquérito alimentar, de uma deficiente ingesta regular. Neste caso a suplementação por um período de tempo que dependerá da situação (mais longo em dietas monótonas e mais curto em situações transitórias de perda de apetite), poderá
reduzir o risco de carências marginais agudas e compromisso futuro da saúde, bem como poderá melhorar o padrão de crescimento (zinco).
Importa ter em atenção as situações que mais frequentemente cursam com estas carências múltiplas. No nosso contexto, poderão apontar-se as seguintes: dieta monótona (baixa ingestão de micronutrientes e baixa biodisponibilidade, especialmente de minerais); baixa ingestão de alimentos de origem animal (lacticínios, carne, peixe, ovos); infecções agudas recorrentes (resultam em aumento das necessidades por um consumo elevado das reservas); doença crónica (cancro) ou infecção crónica (HIV/SIDA, tuberculose); situação económica de pobreza (falta de acesso a alimentos e cuidados). Importa referir que em qualquer situação a atitude base deverá ser a educação alimentar baseada na promoção de uma oferta / aceitação de uma dieta variada e equilibrada, onde as hortofrutícolas e os alimentos de origem animal ocupem o espaço diário recomendado.
Importa referir que a suplementação em vitaminas e minerais deverá ser sempre uma recomendação médica, adequada a cada criança, uma vez que o uso indevido poderá resultar em danos para a saúde, alguns dos quais apenas observados a longo prazo