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Getty Images/iStockphoto

Em primeiro lugar, o que é uma pessoa bem-sucedida? Há quem pense num bom emprego, casa e carro. Há quem queira ser famoso. E há quem não pense em nada disto…

“Hoje em dia, recebemos por todo o lado a mensagem de que o ser humano bem-sucedido é rico, bem-parecido e prestigiado”, nota o psicólogo Vítor Rodrigues. “É valorizado por roubar e corromper. Basicamente, hoje um ser humano bem-sucedido é um psicopata bem-sucedido.”

Ui… Começamos bem… Então não posso ser bem-sucedida sem ser psicopata? “Educar uma criança para o sucesso depende daquilo que achamos que é o sucesso e daquilo que achamos que é uma criança”, explica Vítor. “O que é que distingue um ser humano? A consciência. Ele sabe que existe e que é ele. E isto implica arbítrio: posso escolher existir para um lado ou existir para o outro, ter esta ou aquela experiência.”

Mas a sociedade não valoriza isso… “Pois não, porque aquilo que interessa à sociedade de consumo é que sejamos carneiros previsíveis e controlados. O que a sociedade valoriza é o processamento de informação a que chamamos inteligência, e onde não entra a consciência. Em grande medida, o nosso mundo está controlado pelos grandes grupos económicos. Por isso não estamos interessados nas artes, que promovem consciência, beleza e bem-estar. Estamos interessados no pensamento normalizado.”

Por isso é que os adolescentes andam desorientados? “Claro. Estamos a transmitir-lhes que a vida não tem finalidade nenhuma, e que há tanto desemprego e tanta instabilidade que não vale a pena lutar por nada.”

O ideal deles é serem parecidos com a Paris Hilton ou o Ronaldo. “Alguns sim. Mas há muitas pessoas em contra-

corrente que lutam por um ensino diferente, mais criativo, mais humano, e que estão a mostrar às crianças que é possível serem felizes com muito pouco. E quando se pergunta aos alunos o que é que querem, muitos não querem ser a Paris Hilton: querem que os ensinem a ser felizes, a gerirem emoções e a conseguirem bons relacionamentos, e também a tornarem-se criativos e respeitados.”

Um gato e um pôr do sol

Mas como é que se ensina a felicidade a uma criança soterrada em imagens violentas? “É simples: pego na criança e deixo-a ver desenhos animados daqueles destruidores. Depois levo-a para o campo, deixo-a ver o pôr do sol e ponho-lhe um gatinho manso ao colo. Ela tirará as suas conclusões sobre a atividade que prefere.”

O problema é que os pais não querem filhos com bom coração, querem filhos com boas notas. Ainda somos pais demasiado críticos? “Muito. Sem dúvida com boas intenções.”

Mas os pais críticos não criam crianças combativas? “Sem dúvida. Mas é isso que eu quero para a sociedade e para os meus filhos, criar bestas de combate? Pelo contrário, a investigação mostra que as crianças que receberam amor e carinho dão adultos mais saudáveis mentalmente e mais capazes de amar. Mas nenhum político valoriza o amor.”

Ok, então vou criar uma criança para o amor e a consciência. Mas se a tiver numa escola normalíssima? “Tenha tempo e disponibilidade para ela. A grande maioria dos psicopatas nunca foi ‘vista’ pelos pais. Isso tem a ver com o conceito de identidade. Quando construímos uma identidade, mesmo torta, temos tendência a achar que aquilo é o que nós somos. Na verdade, nós somos muito mais expandíveis e não-fixos do que pensamos. Temos uma infinita capacidade para nos tornarmos felizes.”

Então se eu quiser ensinar o meu filho a ser uma pessoa lúcida e consciente, capaz de ser feliz, capaz de apreciar a cultura e os afetos, capaz de ser um bom cientista? “Está a ser horrendamente subversiva. O bom ensino é das coisas mais subversivas. Mas há um monte de alternativas educativas por aí, basta que as pessoas se informem.”

Como se muda o mundo

Ponto da situação: quero uma criança que seja capaz de chegar onde ela própria quiser, e que tome a responsabilidade da sua vida. Não quero um autómato agarrado ao computador. Não quero uma aspirante a Kim Kardashian (ou a Fanny?).

De repente, lembro-me da frase do Steve Jobs: “As pessoas suficientemente loucas para pensar que podem mudar o mundo são aquelas que o mudam.”

Como é que educo um filho capaz de pensar por si próprio e mudar o mundo?

Vou procurar mais sobre isto e encontro uma citação da sua famosa palestra, explicando como chegou onde chegou:

“A maioria das pessoas nunca pede ajuda. Nunca conheci ninguém que não me ajudasse quando eu pedi. Atirem-se, tentem e vão à luta. Nunca conheci ninguém que me desligasse o telefone, mesmo quando eu tinha 12 anos. Isto é o que separa as pessoas que fazem coisas e as que se limitam a sonhá-las. Temos de atuar, sem medo do que possa correr mal. Se temos medo de falhar, nunca fazemos nada na vida.”

É possível ensinar o meu filho a ir à luta e fazer qualquer coisa da vida, mantendo a criatividade, a consciência e a originalidade?

Decido ir diretamente às pessoas que escolhem pessoas: os headhunters.

Então expliquem-me lá: o que é que procuram num adulto? E como se cria uma criança para lá chegar? Pode parecer uma versão radicalmente diferente da de Vítor Rodrigues: afinal, estas são as pessoas que trabalham em parceria com as companhias capitalistas. Surpresa – afinal, querem mais ou menos as mesmas coisas, e a principal delas continua a ser um ensino mais ‘pro-ativo’.

“Para começar, o ensino devia ser mais inovador. Já há escolas que puxam pela curiosidade e pela imaginação dos miúdos”, defende Mariana Branquinho da Fonseca, sócia da Heidrick & Struggles. “Já há escolas em que os alunos expõem e escolhem as próprias matérias que estudam. Isso obriga-os a investigar, a interessar-se, a tomarem responsabilidade pelo que fazem.”

Ensine-o a lidar com a frustração

Gostaria que o meu filho singrasse no mundo dos adultos sem perder o pé. O que é mais importante? “As empresas são cada vez mais cirúrgicas na seleção de um candidato”, explica Alexandre Moreno, headhunter da Hire & Trust. “E já perceberam que um dos fatores críticos são as chamadas ‘soft skills’, necessárias para que o profissional possa integrar-se sem que exista um choque que muitas vezes dita o fim da relação com a empresa. Estas competências são transversais a qualquer função e é importante que os pais consigam desenvolver algumas delas nos seus filhos.”

Dentro destas competências, as mais valorizadas pelas empresas são: trabalho em equipa, capacidade de adaptação e aprendizagem, escuta ativa, comunicação, empatia, automotivação e resiliência. Todas estão presentes desde muito cedo nos nossos filhos.

“Dizer ‘não’ é essencial”, explica Alexandre Moreno. “É muito importante que uma criança consiga lidar com a frustração desde cedo, porque é o mundo real dos ‘nãos’ que a espera. Portanto, é importante ser resistente à frustração e saber desenvolver instrumentos de automotivação que não necessitem de ser alimentados pelo exterior.”

O regresso do esforço

“Há muitas qualidades que as empresas procuram num profissional, mas para mim a mais importante é a capacidade de trabalho”, reforça Mariana Branquinho da Fonseca. Como é que isso se educa? “Muitas crianças têm tudo muito facilitado. Eu sou mãe e acho que a entrada destas pessoas no mercado de trabalho vai ser muito complicada, porque têm tudo garantido! Onde é que eles aprendem a esforçar-se? Isto passa por coisas tão simples como habituá-las de pequeninas a ajudar nas tarefas domésticas em vez de serem os reis da família.”

As escolas também deviam fomentar a capacidade de trabalhar em equipa e com pessoas diferentes, ou seja, ser flexível e perceber que não estão no centro do universo.

“Aprender a ser solidária e ajudar os outros também é fundamental. Tudo isto tem a ver com a formação da pessoa enquanto ser humano, mas curiosamente fica muito para trás em algumas famílias, porque muitas crianças são deixadas moralmente em autogestão.”

E ser bom aluno? Continua importante, mas é relativo: “Para alguns, um 3 é fantástico, e para outros um 4 significa que não se esforçou nada. Portanto, devemos valorizar os resultados consoante as competências.”

No mundo dos tablets

“Tenho um filho pequeno e outro a caminho”, conta Alexandre Moreno. “E não quero para eles o mundo de silêncio que vejo noutras famílias. No outro dia estava a jantar num restaurante, ao lado de uma mesa com 5 crianças e respetivos pais, e cada um estava com o seu terminal digital. Uns tinham smartphones e outros tablets. Não havia comunicação entre eles. Passaram todo o jantar a ‘navegar’ noutro mundo, que não é o mundo das empresas que mais tarde vão encontrar, onde comunicar é essencial.”

Portanto, nem o mundo das empresas procura autómatos: “A componente relacional é essencial”, refere Mariana Branquinho da Fonseca. “Ser simpático, ser capaz de ter uma conversa, de fazer um comentário apropriado, é mais importante do que se julga. Por isso eu acho que as famílias deviam jantar à mesa em família, por exemplo, para os miúdos se habituarem a falar. E levá-los a darem-se com outras pessoas fora do núcleo familiar. Imagina um miúdo antipático e trombudo numa entrevista de emprego?”

Miúdos não, mas adultos há muitos: “Há dias, entrevistei um candidato que no papel era brilhante”, recorda Alexandre Moreno. “Com uma formação académica sólida, trabalhava numa empresa de referência há muitos anos. Quando falámos pessoalmente, percebi por que é que nunca conseguira mudar de empresa: havia um problema de comunicação. Não conseguia ter uma comunicação fluente e tinha uma postura pouco empática, olhando sempre para a mesa, em vez de encarar o interlocutor. Mesmo que tentasse apresentar este candidato ao nosso cliente, ele jamais seria escolhido.”

Conclusão: claro que acabou por ser escolhida outra pessoa, sem MBA mas comunicativa, assertiva e empática.

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