preconceitoscrianças.jpg

Foto: Mayoral/Divulgação

Queremos que os nossos filhos cresçam capazes de formar as suas próprias opiniões sobre o mundo. Educar, diz-se, é conduzir para a autonomia. Mas até que sejam capazes de pensar por si cabe-nos incutir-lhes regras e valores. Obviamente os nossos valores. Inevitavelmente também os nossos preconceitos. Os cães são maus. Os meninos não andam no ballet. As meninas não brincam com carrinhos. Há milhares de preconceitos e formas de os passar às crianças. Será possível evitá-lo? Não, diz a psicóloga Ana Paula Trindade. “Passamos sempre os nossos preconceitos. Alguns de forma assumida outros de forma inconsciente. “Se a mãe tem medo de cães, vai ficar perturbada quando vir um animal, agarrar na mão do filho e mudar de passeio, mostrar-se ansiosa se ele quiser fazer festas.” Não podemos evitar ser modelos. “E o que dizer daquelas famílias que dizem mal de tudo o que as rodeia, que mostram vivências negativas das intenções alheias (do vizinho, do chefe, da sogra), daqueles pais que quando entram no carro emitem juízos mordazes contra a diferença (pela cor, pela forma de pensar, pela origem). Não se duvide que geraremos pessoas intolerantes, racistas, xenófobas”, garante o psicólogo espanhol Javier Urra no livro ‘Educar com Bom Senso’ (Esfera dos Livros).

“O que somos é o que iremos passar aos nossos filhos”, corrobora Ana Paula Trindade. E, mesmo não indo tão longe como a família de que fala Javier Urra, é verdade que por vezes não temos noção do peso daquilo que dizemos, sobre os nossos filhos, sobretudo quando são pequenos. Segundo os especialistas em Psicologia do Desenvolvimento, as crianças começam a aplicar estereótipos entre os três e os seis anos. Antes dos 10 não conseguem formar opiniões por si, são autênticas esponjas para quem o que os adultos dizem é lei.

Foi também o que concluíram dois estudos sobre o preconceito nas crianças feitos na Universidade de Toronto e publicados em 2012 no Personality and Social Psychology Bulletin.

Nas pesquisas, as crianças foram separadas em dois grupos e colocadas em salas diferentes. Eram instruídas pelos adultos de que os meninos da outra sala eram maus. De seguida os grupos trocavam de sala e ao entrarem encontravam doces que o outro grupo tinha deixado de presente. A ideia era perceber se a perceção das crianças acerca dos outros era mais influenciada pelo que os adultos diziam ou pela sua própria experiência. Nos resultados percebeu-se que só as crianças mais velhas conseguiam sobrepor a sua experiência – deram-me doces – à opinião dos adultos – eles são maus. Os mais novos continuaram a percecionar o outro grupo como sendo de meninos maus, tal como os adultos tinham dito. Os investigadores concluíram que nas crianças pequenas o que os pais dizem é muito determinante, pelo que para prevenir o preconceito é bom que os pais falem de forma explícita e positiva acerca de outras raças. Às mais velhas será importante dar oportunidades de estarem em ambientes multiculturais diversos – com meninos de raças, países e costumes diferentes – que lhes proporcionem experiências positivas e lhes permitam formar uma opinião por si.

Pais seguros têm menos preconceitos
À partida, quanto menos inseguros forem os pais, menos preconceitos passarão aos filhos, sugere a psicóloga Ana Paula Trindade. “Estes pais admitirão visões diferentes e não irão ridicularizar as coisas que os filhos valorizam, mesmo que sejam diferentes das que eles valorizam.” No filme ‘Billy Elliot’ conta-se a história de um rapazinho com gosto pelo ballet que tem de ultrapassar o preconceito do pai, para quem a dança é coisa de mulheres. Ana Paula Trindade conhece várias histórias deste tipo. “Tenho um caso de um rapaz que tinha assumido a homossexualidade com 19 anos. Veio ter comigo e trouxe a mãe, porque não sabia como lhe dizer. Eu falei com a mãe, que curiosamente aceitou bem, mas disse: ‘Eu quero que ele seja feliz, mas o que é que os outros vão dizer? Como é que eu digo à família?’ É um bom exemplo do peso social no preconceito.”

Obviamente não podemos fugir às nossas preferências. “Se somos ateus, não metemos os filhos na catequese. Mas se mostrarem interesse pela religião não temos que dizer que é uma treta. Podemos dizer que não acreditamos, mas há pessoas que acreditam: Dizemos o que pensamos e deixamos uma porta aberta para a criança poder formar uma opinião por ela própria”, sugere. Também há valores que fazemos questão de passar aos filhos. É importante distinguir valores de preferências e, em qualquer caso, “ter cuidado para não os ‘castrar’ demasiado. Por exemplo, há formas hábeis de condicionar as crianças a hábitos saudáveis sem lhes dar a sensação de que não têm escolha. Em vez de dizer ‘não podes comer bolachas!’, é mais eficaz dizer ‘queres pão com marmelada, queijo ou fiambre?’. Desta maneira damos várias opções que são aceitáveis para nós. Esta via é sempre melhor porque tudo o que é imposto tem tendência a ser contrariado”, lembra a psicóloga.

Explicar às crianças o que é a raça e a cor da pele é bom ou mau para elas?
Há quem pense que é mau. Afinal, falar seria chamar a atenção para uma diferença quando o que se pretende é que as crianças cresçam com o sentido de igualdade. “Durante décadas, presumimos que as crianças só veem a raça quando a sociedade chama a sua atenção. Esta ideia era partilhada por grande parte da comunidade científica”, contam Ashley Merryman e Po Bronson no livro ‘Choque na Educação – Como os nossos erros estão a afetar os nossos filhos’ (Lua de Papel). Os autores defendem que falar abertamente é essencial, pela simples razão de que as crianças discriminam por natureza, faz parte do seu desenvolvimento. Categorizam tudo, desde a comida aos brinquedos, passando pelas pessoas e a sua cor. E contam como um estudo da Universidade do Colorado mostrou que aos seis meses os bebés já diferenciam rostos familiares de estranhos: “A raça propriamente dita não tem qualquer significado étnico mas os cérebros registam as diferenças de cor da pele e tentam perceber o seu significado”, explica Merryman. Aos três anos mostraram às crianças fotografias de outros meninos perguntando de quais queriam ser amigos e 86% escolheu crianças da sua raça. Aos cinco deram-lhes baralhos de cartas com desenhos de pessoas e pediram para as dividirem em dois montes. 68% usou a raça para dividir as cartas sem ter recebido qualquer instrução nesse sentido. Isto acontece com crianças que têm pais que não querem que os filhos sejam racistas. Se os próprios pais forem racistas será obviamente pior. Ana Paula Trindade conta um caso emblemático: “Na clínica, uma das nossas pediatras era de raça negra. A receção tinha ordens para dizer que a pediatra era de cor, porque havia pais que quando a viam diziam ‘não quero uma pediatra negra para os meus filhos’. E era uma excelente pediatra. O que é que estes pais estão a ensinar aos filhos?”

Pôr o preto no branco
Só que falar sobre as raças com os filhos pode revelar-se mais difícil do que parece. Num estudo da Universidade do Texas, em 2006, ficou patente a dificuldade, mesmo quando os pais não são racistas. A pesquisa recrutou 100 famílias caucasianas com um filho entre 5 e 7 anos e tentou perceber se ver vídeos infantis com histórias multiculturais tinha um efeito positivo nas crianças. A um terço dos casais foi dito para verem os vídeos com os filhos. Outro terço devia ver os vídeos e conversar com os filhos sobre as raças, o último terço não via vídeos, só falava sobre o assunto. As crianças que só tinham visto os vídeos não mostraram modificações na atitude racial. Nos casais que conseguiram falar abertamente sobre a amizade racial (só seis em 100!) a atitude das crianças mostrou ser menos preconceituosa. O surpreendente foi a maioria dos pais ter confessado que não tinha sido capaz, ou não queria, falar sobre raças com os filhos. Os que tentaram usavam frases vagas, como “somos todos iguais”… Quando testados, os seus filhos mostraram ter preconceitos e alguns até a convicção de que os pais eram racistas, apesar de não ser verdade.

Merryman está convicta de que é importante falar com as crianças sobre as raças, porque além de discriminarem tudo elas estabelecem preferências baseadas nas semelhanças. Colocá-las em ambientes multiculturais, como escolas multirraciais, não chega. Os estudos mostram que o preconceito não diminui nestas escolas. Pelo contrário, são as próprias crianças a estabelecer um mecanismo de segregação. Falar desde cedo parece ser a forma mais eficaz de evitar o preconceito, desde que seja de forma bem explícita. Evite frases vagas. Merryman conta: “Uma amiga minha dizia vezes sem conta ao filho de 5 anos, ‘lembra-te, somos todos iguais!’. E pensava que estava a passar a mensagem, mas ao fim de sete meses o filho perguntou: ‘Mamã, o que quer dizer igual?’.”

Relacionados

Mais no portal

Mais Notícias

Xiaomi Mix Flip: O melhor smartphone 'concha' do mercado

Xiaomi Mix Flip: O melhor smartphone 'concha' do mercado

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Sede da PIDE, o último bastião do Estado Novo

Prosolia Energy faz parceria com fundo de capitais francês para aumentar a sua expansão nas renováveis

Prosolia Energy faz parceria com fundo de capitais francês para aumentar a sua expansão nas renováveis

"Grávida da Murtosa": Como a PJ resolveu o mistério

12 espetáculos, concertos e passeios de Natal, no Porto e Norte

12 espetáculos, concertos e passeios de Natal, no Porto e Norte

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

De Zeca Afonso a Adriano Correia de Oliveira. O papel da música de intervenção na revolução de 1974

Os benefícios para a saúde do dióspiro

Os benefícios para a saúde do dióspiro

Mafalda Castro regressa ao trabalho na TVI depois de ser mãe

Mafalda Castro regressa ao trabalho na TVI depois de ser mãe

Castiçais: atmosfera calorosa

Castiçais: atmosfera calorosa

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

Pigmentarium: perfumaria de nicho inspirada na herança cultural da República Checa

Ford Mustang Mach-E com BlueCruise: Conduzir (em Portugal) sem tocar no volante

Ford Mustang Mach-E com BlueCruise: Conduzir (em Portugal) sem tocar no volante

12 espetáculos, concertos e passeios de Natal, no Porto e Norte

12 espetáculos, concertos e passeios de Natal, no Porto e Norte

Natal à porta: 20 presentes para amantes de design e decoração

Natal à porta: 20 presentes para amantes de design e decoração

Individuais de Suter e McCall no MAAT

Individuais de Suter e McCall no MAAT

Pedro Mexia:

Pedro Mexia: "A memória não é totalmente confiável. E isso é uma dimensão que me interessa muito"

Quis Saber Quem Sou: Será que

Quis Saber Quem Sou: Será que "ainda somos os mesmos e vivemos como os nossos pais?"

Dongfeng chega a Portugal com um elétrico de 27 mil euros e um 4x4 'militar' com mais de 1000 cavalos

Dongfeng chega a Portugal com um elétrico de 27 mil euros e um 4x4 'militar' com mais de 1000 cavalos

Richard Gere fala sobre a sua nova vida em Madrid ao lado da mulher

Richard Gere fala sobre a sua nova vida em Madrid ao lado da mulher

O último adeus a Maria José de Mello Breyner Pinto da Cunha

O último adeus a Maria José de Mello Breyner Pinto da Cunha

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

O futuro começou esta noite. Como foi preparado o 25 de Abril

Como proteger as praias? Com ciência e natureza

Como proteger as praias? Com ciência e natureza

Os cobertores pesados têm mesmo impacto na qualidade do sono e na saúde mental? Nova investigação diz que sim

Os cobertores pesados têm mesmo impacto na qualidade do sono e na saúde mental? Nova investigação diz que sim

O hábito que pode valer-lhe mais 5 a 10 anos de vida

O hábito que pode valer-lhe mais 5 a 10 anos de vida

Celebrar o Natal com magia e elegância

Celebrar o Natal com magia e elegância

Últimas emoções de

Últimas emoções de "Cacau": Marlene revela o verdadeiro plano de Marco a Cacau e Tiago

Rainha Camilla de Inglaterra condecorada pela princesa Ana

Rainha Camilla de Inglaterra condecorada pela princesa Ana

Em Paris, um pequeno apartamento de 60m2 dominado pela cor

Em Paris, um pequeno apartamento de 60m2 dominado pela cor

VISÃO Se7e: A magia natalícia chegou às ruas. 26 ideias para celebrar

VISÃO Se7e: A magia natalícia chegou às ruas. 26 ideias para celebrar

O Natal já brilha nas ruas: 14 ideias para começar a celebrar

O Natal já brilha nas ruas: 14 ideias para começar a celebrar

Leitão & Irmão: “Nunca vivemos do poder, mas sim do consumidor”

Leitão & Irmão: “Nunca vivemos do poder, mas sim do consumidor”

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Um novo estúdio em Lisboa para jantares, showcookings, apresentações de marcas, todo decorado em português

Donald Trump é o novo presidente dos Estados Unidos da América

Donald Trump é o novo presidente dos Estados Unidos da América

Dados de robô

Dados de robô "perdido" no oceano Antártico revelam novas perspetivas sobre o degelo

Kim Kardashian tem nova coleção de

Kim Kardashian tem nova coleção de "lingerie" com a Dolce & Gabbana

Uma looonga soneca

Uma looonga soneca

Decifrado o mecanismo responsável pelo efeito ioiô que atormenta quem faz dieta

Decifrado o mecanismo responsável pelo efeito ioiô que atormenta quem faz dieta

Galp transforma postes de iluminação pública em carregadores de veículos elétricos

Galp transforma postes de iluminação pública em carregadores de veículos elétricos

Os livros da VISÃO Júnior: Ideias para ler nas tarde de outono

Os livros da VISÃO Júnior: Ideias para ler nas tarde de outono

Quer dinamizar a comunicação da sua empresa em 2025? Use este Calendário de Marketing e Redes Sociais

Quer dinamizar a comunicação da sua empresa em 2025? Use este Calendário de Marketing e Redes Sociais

Transição para um futuro sustentável

Transição para um futuro sustentável

António Martins, Warpcom:

António Martins, Warpcom: "Já existe tecnologia de segurança pronta e à prova de computadores quânticos"

Halle Berry desfila para Elie Saab com o vestido que usou nos Óscares de 2002

Halle Berry desfila para Elie Saab com o vestido que usou nos Óscares de 2002

Mário Caldeira, Deloitte:

Mário Caldeira, Deloitte: "Um computador quântico pode quebrar as chaves de encriptação existentes e isso gera preocupações"

Os sons da paisagem em Montemor-o-Novo

Os sons da paisagem em Montemor-o-Novo

Em

Em "A Promessa", Miguel aterroriza Helena

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites