*artigo publicado originalmente em julho de 2016
Como é que aquele miúdo calado, que odeia ser o centro das atenções nos almoços de domingo, se tornou no rei ou rainha das redes sociais, com várias fotos de si próprio na escola, na praia, na festa? Andamos a criar miúdos com egos insuflados?
“Olá mundo, aqui estou eu!”
“As selfies são uma manifestação da vaidade, do ‘olhem para mim que sou tão bonito’”, diz a psicóloga clínica Teresa Paula Marques. “Têm que publicar as suas poses e as suas selfies porque estão sempre a imaginar-se perante uma grande audiência. É como quando somos jovens e saímos para a rua achando que toda a gente está a julgar a borbulha minúscula que temos na ponta do nariz – mas que ninguém vê.”
Mas quando é que muitas fotos começam a ser “demasiadas”? “A definição do que é patologia tem mais a ver com a intensidade e frequência dos comportamentos. Se em cada 10 conteúdos online 9 forem selfies, é melhor ter uma conversa com ele porque pode ter um problema de autoestima. Mas em doses moderadas é normal. Esperemos que lhes passe depois da adolescência.”
Mas o fenómeno também põe questões de segurança, lembra ainda. “Os jovens – e esse é um dos maiores perigos nas redes sociais – estão lá para serem vistos, não para se protegerem. Muitas vezes não acionam ferramentas de privacidade por causa disso.”
Uma ferramenta para a autodescoberta
Ao mesmo tempo, eles estão numa fase em que a exploração da autoimagem faz parte do normal desenvolvimento. A selfie dá jeito para explorar o nosso melhor ângulo, o melhor sorriso. Num mundo que vive tanto dos julgamentos da imagem, é uma competência que até pode vir a dar jeito? “Alguns estudos mostram que as redes sociais estão a funcionar como mais uma ferramenta para a construção da identidade nos jovens”, observa Teresa Paula Marques. “Uma das tarefas da adolescência é essa, tornarmo-nos num ser humano diferente dos outros, mas com pontos em comum.”
Para a psicóloga clínica Tânia Dinis, o fenómeno das selfies é um misto de busca de validação por parte dos outros e de auto-estima, com a necessidade natural de imitação entre pares que estas idades trazem. “Não sei que ferramentas para a autodescoberta podem tirar eles das selfies”, questiona. “Será assim tão relevante para o resto do mundo o que estivemos a fazer?”
O imediatismo atual com que eles comunicam também pode estar a minar a aprendizagem de competências sociais importantes, alerta Tânia Dinis. “E isso pode ter consequências no desenvolvimento. As relações que eles terão no futuro requerem tolerância à frustração, que sejam capazes de esperar pelos tempos dos outros e de negociar com eles. Hoje, eles treinam estas competências insuficientemente, porque podem fazer tudo sozinhos na Internet e passam demasiado tempo a montar um espetáculo para uma audiência.”