
“Só pode ser coisa da minha cabeça”. Este é um dos pensamentos que podem vir à mente de alguém que sofre um episódio de assédio sexual no local de trabalho. É que, de maneira geral, não estamos formatados para responder a investidas num espaço profissional. Um sorriso um pouco desconfortável é uma reação comum a toques, brincadeiras, elogios ou piadas que pareçam mais íntimas.
O assédio sexual no local de trabalho foi tema de muitas conversas nos últimos tempos. Desde o depoimento da atriz Sofia Arruda em entrevista ao programa “Alta Definição” que outras vítimas vieram a público para relatar as suas histórias. Muitas assumem que demoraram para perceber os sinais de risco, e outras confessam não terem reagido ou denunciado por medo de represálias. Mas como reconhecer o comportamento de um assediador?
Conversei sobre o tema com Alexandre Monteiro, especialista em linguagem corporal e autor do livro “Torne-se Um Decifrador de Pessoas”. O especialista explicou-me que em muitas situações o assediador é hierarquicamente superior à vítima dentro do local de trabalho, o que torna muito desconfortável negar e reagir às investidas, e ainda mais difícil denunciar o comportamento de assédio. “Não faz sentido um chefe ou um superior hierárquico dizer: ‘Tu és muito bonita’. Não quer dizer que ele é um assediador, mas é uma pista”. Alexandre explica que um assediador busca vítimas que pareçam mais vulneráveis, e que possivelmente não reajam negativamente às investidas. Uma das reações mais comuns é retribuir um elogio com um sorriso: “Não porque queremos mas porque somos simpáticos. E ele sente que é uma permissão. Não uma permissão porque a pessoa quer, é uma permissão porque a pessoa está a mostrar-se vulnerável”.

Nestes casos a reação mais respeitosa é mesmo agradecer o elogio e sorrir, mas Alexandre Monteiro recomenda adicionar algum comentário à resposta que recorde ao superior hierárquico que está ali pelas qualidades profissionais: “Devemos sempre sorrir, porque as pessoas que sorriem são mais fortes. Quando a pessoa elogia: ‘Estás bonita’, respondemos: ‘Eu sei, mas aqui o que me importa mesmo é ser competente’. É desviarmos a questão da aparência para a competência”. Há ainda vítimas que relatam terem se sentido culpadas por permitirem que os episódios de assédio evoluíssem, ao que o especialista recomenda que a principal estratégia de proteção é travar determinados tipos de comentários e toques: “Não deixar tocar ou reagir ao toque e aceitar o elogio mas depois dizer que o que importa é o trabalho”.
Na entrevista o especialista explica ainda as diferenças de intenção de cada tipo de toque e desvenda as principais pistas da personalidade de um assediador. Fica aqui a lembrança de que a culpa nunca é da vítima. E que quem precisa mudar de comportamento são aqueles que assediam. Mas ainda falta muito para o assédio no local de trabalho não ser mais assunto. Enquanto isso, podemos denunciar e buscar formas de nos proteger.