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O meu pai dizia que havia dois tipos de pessoa: as que tinham sentido de humor e as que não sabiam que não tinham. Não sei se é verdade, mas geralmente as pessoas que não têm sentido de humor não dizem que não têm sentido de humor. Quando se larga uma piadola à frente delas, ou olham para nós com aquele ar de ‘Ela é boa rapariga, mas coitada, não sei, às vezes diz umas coisas tão estranhas…”, ou “passa-se aqui qualquer coisa que não percebo, estará a gozar comigo?” e depois passam à frente e falam de outra coisa como se não se tivesse passado nada (por cada pessoa que ouve uma piadola e não reage, morrem três andorinhas vesgas na Tailândia). Também já assisti a conversas entre duas pessoas que acham ambas que têm imenso sentido de humor, mas depois não só nunca se riem do que a outra diz como até levam a mal.

Nestes tempos em que tudo é uma potencial fonte de ‘ofensa’ e em que se discute tanto os limites do humor, talvez seja útil relembrar que o humor é precisamente, antes de mais, um desvio da norma, ou seja, qualquer coisa nos obriga a pensar porque não nos traz aquilo que é banal, aquilo a que estamos habituados.

“O humor, ou sentido de humor, é, na verdade, um modo especial de olhar para as coisas e de pensar sobre elas”, nota Ricardo Araújo Pereira, no livro ‘A doença, o sofrimento e a morte entram num bar’ (só o título já é um tratado sobre aquilo com que podemos ou não fazer humor). “É raro, não porque se trate de um dom oferecido apenas a alguns escolhidos, mas porque esse modo de olhar e de raciocinar é bastante diferente do convencional (às vezes, é precisamente o oposto), e a maior parte das pessoas não tem interesse em relacionar‑se com o mundo dessa forma, ou não pode dar‑se a esse luxo. Somos treinados para saber o que as coisas são, não para perder tempo a investigar o que parecem, ou o que poderiam ser.”

Para que serve o humor, é uma pergunta que tem tantos anos quantos o próprio humor. Afinal, rimos de quê? Como toda a gente sabe, rimos de infindavelmente tudo, da tia que escorrega numa casca de banana à maior tragédia da Humanidade. Até rimos quando sabemos que não nos podemos rir (como vos dirá qualquer ator ou apresentador). Mas rimos, acima de tudo, para sobreviver.

Às vezes literalmente: segundo a escritora e sobrevivente oncológica Marine Antunes, autora do livro ‘Descomplicar o cancro’, “O humor não é a ausência de medo. O humor permite-nos afastar um pouco a nossa consciência e ser uma ferramenta de sobrevivência. Permite-nos olhar para uma situação assustadora e relativizá-la.”

Stress e humor não combinem: é difícil estar stressado quando rimos. “O cérebro associa o riso a um pico de descontração e estimula o alívio”, explica Marine. “O cérebro pensa: se ela está a rir, é porque não há perigo. Associamos muito o humor a falta de respeito, em vez de respeito pelo medo. Por isos é que ainda andamos a discutir os limites do humor quando deviamos discutir os limites da falta de educação, que são coisas completamente diferentes.”

Ela própria explica isto: “Há pessoas que nãom aguentam graças sobre o seu clube, por exemplo, mas quem é que define isto? Quem é que vai ter o poder de me dizer de que é que me posso rir? Eu é que imponho os meus limites. Se alguém faz uma piada de que não gosto, não me rio.”

Há muitíssimos estudos interessantíssimos sobre o humor. Por exemplo, os investigadores Peter McGraw, da Universidade do Colorado, e Caleb Warren (Univ. do Arizona) propuseram a ideia de que a negatividade é uma parte intrínseca do humor – sem violar alguma regra, não existe humor. Mas se a regra violada for mesmo muito grave, passa de graça para agressão e deixa de ter piada.

Mas há quem ponha isto em causa. O famosíssimo comediante Ricky Gervais, conhecido pelas suas piadas sobre praticamente tudo o que é suposto ficar fora do humor, afirmou que é ridículo pensar que fazer uma piada sobre qualquer coisa é ser-se automaticamente ‘anti-aquela coisa’, e que o humor serve precisamente para desconstruir e enfrentar os nossos tabus.

Portanto, o humor não é um barco salva-vidas, é um transatlântico da sobrevivência. Ele serve para mostrar que está tudo bem, para aliviar tensões, para unir a tribo, para desmascarar o poder (mas também para o exibir), para investigar tabus, e acima de tudo para nos fazer pensar.

Isto recordou-me que há vários tipos de humor. Segundo o investigador Rod Martin, autor do livro ‘The psychology of humor’, temos muito por onde escolher. Desde o humor cognitivo, circunstancial, comportamental, social, etc.

E nem sequer temos que ir ao Gervais: há tipos de humor muito mais quotidiano, como qualquer pessoa saberá. Alguns deles são:


1. A Queda – Uma pessoa chega-se à mesa do restaurante, acha que a cadeira está onde não está, e espeta-se ali à frente de toda a gente de rodas para cima como um jipe capotado na autoestrada. Nunca percebi porque é que isto é tão irresistível. É assim tão cómico ver um ‘fellow human’ (quando estou stressada sai-me tudo em estrangeiro) desconchavado? Resposta: é.
2 . Às Próprias Custas – É o mais incompreendido. Uma vez disse a alguém “Sou boa com verbos irregulares. Sou eu e o Shakespeare.” Imaginem lá o que aconteceu a seguir. “Acreditas que ela teve a lata de se comparar ao Shakespeare?” Infelizmente acreditam sempre. Foi assim que os nazis chegaram ao poder, gente.
3 . A Gafe – Podíamos ficar aqui toda a vida, mas neste momento não me apetece revisitar os momentos mais tristes da minha carreira, como estar no meio de uma entrevista ao telefone com alguém que não se calava, tapar o que eu achava que era o botão do som e gritar ‘Tirem-me este homem daqui!’, só para perceber que não tinha tapado coisa nenhuma. Vantagem: calou-se logo. Adenda: uma pessoa quando é Madame La Gafe aprende a viver com sentido de humor. Aprende à força, mas ou ri de si própria ou corta os pulsos com a faca do caldo verde.
4. O Improviso – Não faz parte do meu portefólio, com grande pena minha, mas sou de uma família com grandes praticantes, principalmente os homens (talvez porque o humor também pode ser uma fantástica forma de salvar a pele). Lembro-me do meu tio João chegar a casa bêbedo que nem um cacho e encontrar a irmã e a mulher à espera dele, cada uma estendida de um lado do sofá, e ele atira: -Eh lá! A dama de copas! -De outra vez, convidado para um casamento, olha para a noiva (já entradota) e opina: – Aquela, em vez da flor de laranjeira, já devia era levar as laranjas.
5. O Infantil – As mais das vezes também é às próprias custas, eles coitadinhos é que não percebem. Assim de repente lembro-me de um dos meus sobrinhos receber uma amiga chamada Maria Vasques com um sonoro ‘Oiá, vaca!’

6. O Humor Chico Esperto – As professoras têm tantas destas que nem se lembram. É a famosa lei do ‘Quando não sabes, inventa’. Ex: ‘Escreva na linha de baixo a resposta à pergunta’. Linha de baixo: ‘A resposta à pergunta’.

Uma coisa é certa: o humor não significa apenas rir daquilo que nos acontece, mas ser capaz de o compreender. Ou como disse não sei quem, a vida é demasiado importante para ser levada a sério.

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