
Há imensos desafios que se colocam a toda a gente na era do amor digital, afirma o ator e comediante Aziz Ansari. Decidido a orientar os seus contemporâneos nas armadilhas românticas, escreveu ‘O Amor nos Tempos Modernos’ (Ed. Presença). Afinal, namorar hoje em dia é assim tão diferente de namorar há 50 anos?
COM QUEM NOS CASAMOS
Há 50 anos: Com um vizinho ou alguém que vivia perto.
Agora: “Não me ocorre um único amigo que se tenha casado com alguém do mesmo bairro”, e muitos já não se casam sequer com pessoas do mesmo país. “Pense no lugar onde passou a sua infância, no seu prédio ou no seu bairro. Consegue imaginar-se casada com algum desses palhaços?” Já para não falar em orientações sexuais que há 50 anos eram absolutamente reprimidas, escondidas e censuradas.
O QUE PROCURAMOS NO OUTRO
Há 50 anos: Alguém de boa índole e com um bom emprego. “A pessoa dava-se por satisfeita com um ‘casamento por companheirismo’, onde cada elemento desempenhava papéis bem definidos.” Esperar pelo verdadeiro amor era um luxo a que não tinham direito. “No passado, um tipo pensaria: ‘Preciso de putos de quatro anos a fazerem trabalho manual quanto antes’.”
Hoje: A fasquia subiu imenso a partir do momento em que a condição da mulher melhorou e as nossas mães começaram a recusar casar-se com o vizinho, e hoje vivemos na procura épica da pessoa certa: sendo que através das redes temos a sensação de poder conhecer ‘toda a gente’, como podemos ter a certeza de que aquela é a pessoa certa sem conhecer mesmo ‘toda a gente’?
COMO ENCONTRAR A ALMA GÉMEA
Há 50 anos: Através da família, amigos ou trabalho.
Agora: Mais de um terço dos casais que se casaram nos Estados Unidos conheceram-se através de um site de encontros online (seguido da universidade e dos bares). Mas é necessário um esforço descomunal para ‘navegar’ sem ir ao fundo e um esforço ainda maior para encontrar a pessoa certa. “Hoje vamos ao encontro de uma pessoa e pedimos-lhe basicamente que nos dê o que em tempos só uma povoação inteira podia proporcionar: dá-me a sensação de pertença, dá-me identidade, dá-me continuidade, mas dá-me também transcendência e mistério e espanto, tudo ao mesmo tempo.”
CONVIDAR ALGUÉM PARA SAIR
Há 50 anos: O rapaz telefonava à rapariga, rezando para que não fosse a mãe ou o pai a atender. Depois havia que fazer educada conversa de chacha durante um certo tempo até chegar ao convite.
Agora: Na era das telecomunicações continuam a ser maioritariamente os homens que convidam, mas é tudo por SMS. “No entanto, houve mulheres que afirmaram que receber um telefonema de um homem era um gesto revelador da sua segurança e ajudava a distingui-lo da generalidade de tipos que lhes inundam os telemóveis com SMS inconsequentes.” Aprendam, senhores.
E COMO SE CONVIDAVA
Há 50 anos: Havia um convite firme para algo concreto numa altura específica.
Hoje: As mulheres afirmam que estão rodeadas de parolos. “A maior parte das SMS que as mulheres recebem revela uma profunda falta de ponderação ou personalidade.” Queixam-se ainda da interminável troca de mensagens em tom de galhofa que acaba por nunca se concretizar num encontro real.
PROCURA-SE
Há 50 anos: Conhecia-se menos gente mas com menos ansiedade.
Agora: Nos encontros online, o processo começa por ser divertido mas depressa se torna cansativo, porque as pessoas não sabem o que querem. “O tipo de parceiro que as pessoas dizem procurar não corresponde ao tipo de parceiro em que estão realmente interessadas.” O factor que mais pesa continua a ser (adivinhem lá) a aparência. E podemos facilmente descartar alguém antes de o conhecermos, só pelo facto de não ser do mesmo clube que nós. No entanto, muita gente está a regressar aos encontros cara a cara.
FATORES DE ATRAÇÃO
Há 50 anos: Desde que se tivesse um ar ‘apresentável’, bastava.
Hoje: Desenvolveu-se toda uma ‘teoria das selfies’, que passamos a apresentar. Então: no caso das mulheres, as selfies mais eficazes são as tiradas de cima e de longe (não se sabe porquê, talvez para manter o famoso mistério). No caso dos homens, as mais eficazes são aquelas em que aparecem com animais (provam que são afetuosos e de confiança) e aquelas onde exibem a musculatura ou a fazer alguma atividade interessante (por atividade interessante não se entende levantamento de copos).
A NOSSA SELEÇÃO
Há 50 anos: As mulheres analisavam um pequeno número de ‘pretendentes’ e escolhiam sem levar muito tempo e nem sempre achando que era a melhor escolha. Isso nem sempre resultava numa união feliz.
Agora: Há a ‘mentalidade da melhor coisa’, que pode ser extenuante. “A Internet não se limita a ajudar-nos a encontrar a melhor coisa disponível. Ajudou a produzir a ideia de que ela existe, e que, se pesquisarmos com afinco, a encontraremos.” Já não somos a geração do casamento ‘suficientemente bom’. “Hoje procuramos a alma gémea. E mesmo depois de a encontrarmos, se nos sentimos infelizes, divorciamo-nos.” Mesmo assim, continua a ser preferível (e mais honesto) do que continuar casada durante 50 anos com alguém de quem não se gosta.
TRAIÇÃO
Há 50 anos: Trair alguém dava um horror de trabalho: tínhamos de sair, preparar as coisas, estudar o outro, arranjar um local escondido, era um stresse.
Agora: Parece mais fácil porque podemos estar na cama com um e no telemóvel com outro, mas continua a dar trabalho, se bem que por outras razões (a principal é que estamos sempre contactáveis, e portanto ‘apanháveis’). Há muito mais oportunidades para ter um ‘caso’, as redes colocam novos problemas e ‘tentações’. Mas a verdade é que quando se gosta de uma pessoa fica-se com ela, mesmo que se tenha 5000 ‘amigos’ a botar smiles no Insta.
A SEPARAÇÃO
Há 50 anos: Havia pouco, porque muitas mulheres não tinham independência para isso e a coisa não era socialmente bem encarada. Mas enfim: digamos que ainda há dez anos, ‘acabar’ incluía uma conversa emocionalmente violenta cara a cara. “Não agradava a ninguém, mas todos víamos neste procedimento uma obrigatoriedade, porque era a atitude mais correta.”
Agora: Termina-se por SMS. Já nem sequer se faz uma ‘chamadinha’.