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Primeiro achamos que é só no Japão. É só lá que 43% das pessoas entre os 18 e os 34 anos são virgens, e muitos outros já desistiram do sexo. As explicações são muitas: trata-se de uma sociedade onde a mera partilha de sentimentos é malvista, onde até há pouco tempo os casamentos eram combinados pelos pais, onde um homem sem emprego não tem hipótese de encontrar namorada, onde quem trabalha tem horários brutais e onde a cultura erótica sempre foi altamente sublimada: em manga, bonecas insufláveis, jogos de computador, e um gadget que é o último grito da moda: um ovo de silicone com lubrificante para onde os homens podem ejacular.
Os japoneses são ainda dos maiores consumidores mundiais de pornografia: e neste mundo, um futuro sem sexo real parece cada vez mais provável.
O problema é que, mesmo em sociedades que estão muito longe da cultura oriental, o sexo está na mó de baixo. Segundo um estudo da Florida Atlantic University, estamos a ter nove vezes menos sexo que em 1990. No estudo, também se descobriu que o número de pessoas entre 20 e 24 anos sem nenhum parceiro sexual mais que duplicou.

Outro estudo feito no ano passado pelo Instituto Karolinska e e pelo Departamento de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis, nos Estados Unidos, indicou que, entre os 18 e os 24 anos (a idade sexualmente mais ativa) 31% dos homens e 19% das mulheres disseram não ter tido relações nos 12 meses anteriores ao inquérito. Porquê? É o que tem mantido os sociólogos acordados até tarde (presumivelmente sem sexo).

Um inquérito de 2013, com 200 mulheres inglesas, concluiu que quase 40% delas preferia ver televisão a ter sexo com a sua cara-metade.

E não era apenas televisão que as mulheres punham à frente de atividades preferidas: antes da cama ainda vinham livros, filmes, comida, um banho quente, e até… tratar da papelada. Não é estranho que o resultado da sondagem fosse ver televisão, dado que o ‘estudo’ foi encomendado por uma produtora televisiva (Now TV). O que é estranho é que as inglesas preferissem calcular o IRS em vez do que quer que seja.
Claro que 2013 foi há dez anos, mas não podemos deixar de pensar que deve estar tudo na mesma (ou pior). Mais próximo de nós, em 2018 uma pesquisa da Universidade do Delaware e do Reed College, EUA, entrevistou 4 milhões de pessoas de 80 países e concluiu que as séries estavam a matar a vida sexual das pessoas, bem como o uso excessivo de smartphones, considerados os verdadeiros assassinos da vida sexual da humanidade. Ou seja, hoje em dia, mesmo quando se tem companhia na cama, na melhor das hipóteses é para estarem os dois a olhar para o mesmo ecrã.


9 VEZES MENOS

As explicações podem não ser todas deprimentes: os millennials (nascidos entre 1980 e 1995) podem estar simplesmente a fazer escolhas mais conscientes, preferindo ter sexo apenas quando têm mesmo vontade disso. Uma ‘sondagem’ caseira entre millennials revelou outras explicações para a diminuição do zelo sexual: dizem que têm menos a provar. Que se sentem mais confortáveis com a sua identidade sexual mesmo se isto implicar pouco interesse em sexo. Paradoxalmente, também vivem num mundo hipersexualizado e talvez isso leve à fadiga sexual. Uma pessoa aos 22 anos já experimentou tudo. E depois o que lhes resta fazer?

Outra razão cada vez mais premente é a saída mais tardia de casa dos pais: como ter uma vida sexual constante se não têm um espaço próprio? Aliás, os números deviam envergonhar-nos: Portugal é agora o país da União Europeia onde os jovens saem mais tarde da casa dos pais. Em média, em 2021, os jovens portugueses deixaram os pais aos 33,6 anos (mais 14 do que os jovens suecos, por exemplo).

Além de ter influência na vida sexual dos filhos, uma coisa de que nunca se fala é que esta situação também influencia a vida sexual dos pais… Enquanto os pais suecos (para ficarmos na comparação) aos 40 anos já têm a sua ‘liberdade’ de volta, os pais portugueses têm os filhos no quarto ao lado durante uma enormidade de tempo.

Pais que são, adivinhem lá, ‘helicópteros’, pressionando os filhos a concentrarem-se neles próprios. Também sugerido foi que o aumento dos media, das redes e da Netflix substituíam o tempo com um companheiro. As miúdas mais novas também me disseram que não estavam interessadas em ter sexo com rapazes que não estavam interessados num futuro com elas, e que eles não se chegavam à frente e tinham pavor de compromissos.
Algumas afirmavam que os rapazes estavam viciados em pornografia, o que por um lado lhes tirava o desejo de relações reais, e por outro lhes dava expectativas irrealistas acerca daquilo que uma relação devia ser.
Não são só os millennials a acusarem falta de sexo, e também em Portugal a crise se revela. Três estudos de 2018, mostram como anda a nossa vida íntima. Um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos, envolvendo 2428 mulheres entre os 18 e os 64 anos, mostra que as mulheres apreciam um parceiro que lhes dê sexo mas apreciam muito mais um que participe nas tarefas domésticas, que as ouça, que lhes dedique tempo e atenção (e provavelmente que fique com elas a ver séries). De qualquer maneira, segundo um inquérito do salão erótico Eros Porto, 20% dos portugueses apontam a falta de sexo como o principal problema da relação, e segundo outro estudo da Universidade do Porto, quase metade dos portugueses (homens e mulheres) tem problemas sexuais, maioritariamente ejaculação precoce e falta de desejo.

As apps de encontros podem ajudar, mas ajudam menos do que se julga, talvez porque temos demasiadas expectativas. As apps parecem consumir mais tempo do que levar a verdadeiros encontros. O Tinder anunciou que, embora homens e mulheres passassem em média uma hora e meia ligados, não tinham grande sorte na realidade. Estima-se que, se quiser encontrar o amor da sua vida, terá de fazer em média quase 4000 ‘swipes’. Um americano médio gasta em média 8 meses e 11 dias online à procura do verdadeiro amor. Enfim, claro que se falarmos apenas de sexo os números são diferentes. Mesmo assim, 1,6 mil milhões de ‘swipes’, há apenas 26 milhões de encontros.
Não admira que, segundo o INE, mais de um milhão de portugueses vivem sozinhos, representando 24,8% das famílias (21,4% em 2011) Destes, 7 em 10 são mulheres e a maioria tem mais de 60 anos.

ESTAMOS CANSADAS E PREOCUPADAS

Tal como fiz com os millennials, também me pus em campo para perceber, primeiro, se andávamos a ter menos sexo do que há uns anos, e depois, porquê? As almas caridosas que me responderam afirmaram que era verdade, mas que isso de fazer menos tinha mais a ver com já estarem numa relação há muito tempo do que por alguma razão concreta. Quem tinha namorado há menos tempo, tinha proporcionalmente mais sexo.
Até aqui, nada de novo. Mas há outras razões para preferirmos olhar para um ecrã a olhar para a pessoa que está connosco: as pessoas (principalmente as mulheres) estão muito cansadas e, basicamente, nada bate uma boa hora de sono. Como diria no título do seu livro a advogada brasileira Ruth Manus, “As mulheres não são chatas, as mulheres estão exaustas”. Tudo tão previsível, não é? Mas, afinal, isto não é de hoje. Arrisco-me a dizer que muitas das nossas avós estariam mil vezes mais cansadas do que nós.

O que é que mudou? “Mudou muita coisa na nossa vida. Aliás, mudou quase tudo. E tendo em conta o rumo que as coisas levam, o desinteresse pelo sexo é mais natural do que poderíamos pensar.” Quem o afirma é Cristina Mira Santos, psicóloga, sexóloga e autora do livro ‘O melhor Sexo do Mundo’. “O relacionamento sexual envolve empenho e investimento, e a sexualidade já não é hoje entendida como há 40 anos, em que não havia Netflix nem Facebook.”

A sexualidade foi durante anos entendida como um fator de poder, explica Cristina. “Tanto que ainda hoje, para as senhoras aqui da aldeia onde moro, o prazer não passa pelo sexo. Para elas, a sexualidade era mais um dever doméstico, como lavar a roupa e tratar da casa. A grande maioria nem sabe onde fica o clítoris nem que isso existe. Ficarem viúvas foi um alívio: afinal, ninguém tem saudades de lavar o chão. E aquilo que para as gerações mais novas significa prazer e mais uma forma de comunicação entre o casal, aqui nunca se pôs.”


NÃO ÉS TU, SOU EU

O modo como fazemos sexo depende em grande parte do papel que tem na nossa vida: é libertador, é para aliviar o stress, é uma forma de atenção? Mas seja o que for, dará sempre muito menos trabalho estar a distrair-se numa rede social do que a confrontar-se com o outro e com todos os seus fantasmas numa sessão a dois.

“Muitas vezes, o sexo é o espelho do estado do relacionamento”, adianta Cristina Mira Santos. E também é o espelho do muito que mudámos como sociedade: “Dantes, era uma obrigação. Agora, estamos muito conscientes do que se passa e do que se devia passar. E estando mais conscientes, sexo implica mais investimento, e não se faz como quem dá 2 ou 3 gostos no Instagram.
Por outro lado, a pressão social sobre os homens continua brutal.
A vida profissional cada vez é mais intensa e cada vez abrange mais gente: uma relação, hoje, é feita de duas pessoas com excesso de trabalho e de responsabilidade e com um horário laboral desumano.” Também vivemos num mundo em que as solicitações são imensas: “Temos de estar contactáveis, de estar informados, de saber o que acontece, de estar sempre alerta. Antigamente tínhamos 4 canais, quando tínhamos, e concentrávamo-nos muito mais na interação com outros seres humanos.” Outra das razões para esta crise sexual é que cada vez menos há um investimento na resolução de problemas no casal. “Antigamente, o casamento era para a vida. Hoje, se não resulta, cada um vai para seu lado. Isto diminuiu um bocadinho com a crise, mas a facilidade com que continuamos a partir para outra prevaleceu.
E depois, como a maioria dos problemas que temos não é com o outro, mas sim connosco próprios, quando começamos outra relação, levamos esses problemas connosco e tornamos a reproduzi-los.”


DO PODER À EXPETATIVA

Dantes, as expetativas eram poucas. Muitas vezes não corria bem (especialmente para as mulheres) mas também não se esperava que corresse bem. Hoje, espera-se do sexo que nos resolva todos os problemas: e que seja tão fantástico como no cinema.

“A sexualidade é muito frágil”, nota Cristina. “Está dependente de quase tudo o que nos acontece na vida. Até uma depilação mal feita pode influenciar a qualidade do sexo (risos). E, portanto, este trabalho de preparação erótica tem de ser feito com tempo. Mesmo um relacionamento básico requer tempo e trabalho.

Por isso é que a ‘one night stand’ tende a ser mais simples: tem o fator de novidade, que atua como um potenciador de erotismo mas totalmente vazia, porque não faz parte de uma relação nutridora, que nos preenche. Costumo dizer que é preciso acabar com o mito do ‘phallus erectus’, que a sexualidade é só penetração. Muitas vezes, o que nos falta não é uma noite de sexo louco, é um abraço. O orgasmo é fantástico, mas, e depois, o que é que fica? Não fica nada.”

Não estamos a falar de amor em termos românticos, mas de intimidade e conexão: o que interessa é a pessoa sentir-se segura com a outra. E isto consegue-se com coisas que não são necessariamente aquilo que costumávamos chamar ‘a performance’.

“Mesmo os homens precisam de se sentir seguros, porque a performance tem tendência a piorar com tudo isto de que já falámos: a pressão, as preocupações, o stresse, e mesmo alguns medicamentos. Um pénis ereto é na verdade um pénis descontraído. E cada vez o homem tem mais razões para estar contraído do que descontraído. Se bem que conseguir desligar continua mais simples para os homens, porque tem a ver com a forma como são educados. No homem, é valorizada a ação, o fazer o que é preciso na altura, e nós, mulheres, funcionamos em rede, tudo nos afeta…”


O SEXO E A BIMBY

Somos ansiosos e inibidos, trabalhamos cada vez mais, exigimos cada vez mais, temos cada vez mais com que nos entreter, e já nem sequer conseguimos começar um inocente flirt de elevador. E então, como é que regressamos àquele mundo mágico onde a relação com outra pessoa vem à frente de tudo?

“Temos de voltar a valorizar a sexualidade, mas de forma diferente: não como um exercício de poder, não como um alívio do stresse”, defende Cristina. “Uma amiga minha comprou uma Bimby para fazer fritos no natal. Ora, nós fazemos muitas vezes o mesmo com o sexo: temos todo este equipamento só para usar uma vez por ano?” (risos)

“Temos de voltar a olhar para a sexualidade como uma prioridade. Mas tudo o que nos dá prazer e nos liga ao outro dá trabalho. Estar consciente dá trabalho, o desenvolvimento pessoal pelo mindfulness, agora tão na moda, dá trabalho, vira-nos para nós próprios, traz de volta os nosso fantasmas.” Mas depois, claro: no inverno está demasiado frio, no verão está demasiado calor. “Mas quantas pessoas não respondem ‘quando começo não me apetece muito, mas depois até corre bem’. A quem é que apetece ir ao ginásio? A ninguém! Depois de lá termos ido sentimo-nos bem e faz-nos bem.” Então, mas se não me apetece fazer sexo, porque é que hei de fazer? Resposta: “Porque o sexo faz-nos falta. Lembra-se de alguma parte do corpo que não use? Alguém diz ‘vou ficar um ano sem usar o estômago?’ Não. Ainda confundimos o sistema reprodutor com o sistema sexual, e não são a mesma coisa.”


O OBJETO QUE NOS SALVARÁ

Quer melhorar a sua vida sexual e não fazer parte das (más) estatísticas? Então arranje uma agenda. Se calhar vai achar pouco romântico: mas sexo com dia marcado é o principal conselho dos sexólogos. “Isso cria um ritual”, explica Cristina. “Se o dia dos seus anos não estivesse assinalado, nunca se lembraria de o festejar. E também precisamos de ritualizar o sexo, porque se estivermos apenas à espera que aconteça, vamos esperar sempre. Nos primeiros seis meses é que as coisas são espontâneas, depois vai passando para o fim da lista das prioridades.” Portanto, tem de criar o desejo numa nova situação: e isto não é espontâneo.

“Vivemos num grande mito que nos arruína a vida: o da espontaneidade. Achamos que, se o sexo for rotina, não é romântico, e se não for romântico, não vale a pena. A verdade é que, usando técnicas como a respiração, consegue reativar a energia erótica. Mas quem é que tem tempo para respirar? Temos sempre muita pressa, e o sexo não se compadece da pressa.”

Depois chega-se a uma idade em que já não temos paciência para nada. “E a cada ano que passa vai havendo mais desmotivação, a pessoa vai ficando mais insatisfeita com o seu corpo, e o nosso parceiro já não nos cheira nem sabe tão bem.” A segurança tem um lado bom: sabemos que o outro não se vai embora. E, lá está: temos alguém connosco para ver séries. “Mas, ao mesmo tempo, deixamos de nos esforçar. Portanto, tudo isto tem de ser muito bem trabalhado.”

Para resumir, dê-me um conselho final: “Tome consciência das suas necessidades, do que é que lhe faz falta, e mantenha a sua vida sexual e erótica ativada como os outros aspetos da vida. Não perca o empenho, invista, e não pense que a espontaneidade se encarregará de o manter aceso durante muito tempo.”

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