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Não tenho nenhum talento especial. Sou só apaixonadamente curioso.” A frase é de Albert Einstein, e na verdade pode aplicar-se a todas as crianças, pelo menos as mais pequenas. E no entanto a curiosidade devia acompanhar-nos pela vida fora. Criar – ou alimentar – uma mente ‘inquisidora’ (a própria palavra já assusta) não significa trazer ao mundo um arruaceiro, mas criar um ser humano em busca da verdade. Isso parece cada dia mais complicado.

Por outro lado, é interessante ver como procuramos ‘a resposta certa’ desde cedo. Por exemplo, uma experiência feita pela investigadora italiana Elena Pasquinelli com crianças de 3 e 5 anos confrontou-as com duas pessoas – uma que conheciam muito bem e uma desconhecida – que nomeavam vários objetos. A pessoa conhecida dava os nomes errados a alguns objetos comuns (chamava por exemplo bola a um banco) e a desconhecida nomeava tudo bem. Quando apareceu um objeto desconhecido e se pediu às crianças que perguntassem o nome a uma das duas pessoas, as mais pequenas perguntaram à pessoa que conheciam. As mais velhas perguntaram ao desconhecido que parecia uma fonte mais segura. Conclusão: à medida que crescemos, procuramos a informação mais correta.

Saber a quem perguntar

O problema é que no imenso mundo digital a coisa não é assim tão simples e não percebemos logo quem é que sabe que, por amor de Deus, aquilo não é uma bola, é um banco. Nunca tivemos tanta informação como hoje e no entanto os mais novos têm sérias dificuldades em separar o trigo do joio. Há mesmo quem defenda, como o neurocientista francês Michel Desmurget no bestseller ‘A fábrica de cretinos digitais’, que o quociente de inteligência das novas gerações é consideravelmente menor do que o da geração anterior, afirmando que os adultos de agora estão a pôr em risco o futuro e o desenvolvimento dos mais novos, ao entregarem todo o seu tempo nas mãos (ou nos ecrãs) dos dispositivos digitais.

O espírito crítico é, portanto, mais do que uma abstração intelectual, uma ferramenta que qualquer pessoa deve desenvolver. Problema: é uma ferramenta que requer o desenvolvimento de outras capacidades que dão trabalho num mundo feito de imediato: a curiosidade, a pergunta, a busca de informação, a confirmação.

A própria escola, até aqui tão acusada de se limitar a difundir conhecimento sem na verdade ensinar a pensar, dedicou-se à missão de pôr os alunos a observar o seu mundo e criou a disciplina de Educação para Cidadania, que pretende dar voz aos miúdos. “Quer-se precisamente mudar esse paradigma de ensino”, explica Helena Gil, da Direção de Serviços de Projetos Educativos do Ministério da Educação. “Não partir da matéria da disciplina mas chegar lá de outra maneira, através da curiosidade e da questionamento.”

A Educação para a Cidadania tem vários domínios, desde os direitos humanos, interculturalidade, saúde, etc. Mas não tem manuais, não há programa. “Há referenciais que não são obrigatórios e depois cada agrupamento orienta o seu projeto”, explica Helena Gil. “E podem-se desenvolver projetos para que os alunos se habituem a refletir, a olhar para as coisas com pensamento crítico. Interessa-nos levar os jovens ao questionamento e ensiná-los a comunicar. Porque os dois pilares do espírito crítico são a informação e a comunicação.”

A questão da cidadania já vem de trás. A preocupação mais recente é educar para as emoções, um problema pós-pandemia. “Mas a cidadania aborda muito a questão dos valores e a importância de estarem mais atentos”, explica Helena Gil. “Por exemplo, focamos muito o tema das notícias falsas. Mas todos os agrupamentos têm o seu próprio projeto educativo que reflete a realidade em que estão.” O que se quer com isto é que os jovens leiam, se informem e depois questionem.

Alimentar a curiosidade

“As crianças aprendem pelo exemplo. E quando olham para as atitudes dos pais e veem pouco tempo, pouca disponibilidade e pouca paciência, elas reagem da mesma forma.” As palavras são de Maria José Farinha, psicóloga clínica, que todos os dias dá o seu melhor para que as crianças e os adolescentes à sua volta vivam mais despertos num mundo que os preenche com muitas atividades. “Ser pai e mãe requer muitas vezes um conhecimento que não nasce com a pessoa. Há quem tente aprender, e quem não saiba e não se interesse, o que leva a que as crianças por vezes cresçam em ambientes desorganizados e desinteressados. No meio disto, nem sempre há muito espaço para se fazerem perguntas.”

Até aprender a ler, uma criança precisa de alguém que lhes traduza o mundo, que lhes leia as etiquetas e as histórias e as placas. Mas se não há diálogo, as crianças calam-se cada vez mais. E os aparelhos eletrónicos, nomeadamente os tablets, vieram piorar tudo isto. “Noutra época, os pais levavam canetas de feltro e cadernos para entreterem os filhos nos restaurantes, por exemplo”, lembra Maria José. “Hoje dão-lhes tablets para as mãos. E isto é muito diferente! Com papéis e canetas, a criança escolhe, pensa, desenha, cria. Quando pega num meio eletrónico vai à procura de um conteúdo que já existe. E as ativações cerebrais são diferentes.” A relação com os adultos também é diferente. “Quem faz um desenho acaba sempre por perguntar: ‘Está giro? Gostas?’ Com um tablet, têm mais tendência para se isolarem, não gostam muito de ser  interrompidos e lidam mal com a frustração quando, por exemplo, estão num jogo cujo nível não conseguem passar. E ensiná-los a lidar com a frustração é um dos principais desafios na educação de hoje.”

É importante não desistir

A verdade é que esta não é uma altura fácil para ser pai ou mãe. Os próprios adultos têm dificuldade em regular-se entre ambientes de trabalho difíceis, desemprego, dívidas, empréstimos, cansaços. Mas, segundo Maria José, é hoje necessário mais do que nunca que os pais assumam o seu papel: e este passa por ensiná-las a pensar. “É conveniente educar os nossos filhos para se saberem defender. E nós só nos podemos defender se tivermos informação. Se questionarmos, se nos interessarmos, se investigarmos.

É o caso da violência doméstica, por exemplo. “Crianças que levem para a sua vida adulta exemplos de maus tratos têm uma maior probabilidade de replicar esses comportamentos porque desconhecem outros padrões de relacionamento. Sem outra informação, como é que vão ter argumentos para se defender?”

A base do espírito crítico é ensinar-lhes a não acreditar em tudo o que leem e ouvem. “Ou seja, é aconselhável que as crianças leiam o mais possível. Uma criança que lê é uma criança que vai ter ferramentas para pensar. Sei que é uma batalha difícil, mas cabe aos pais não desistirem dela.” Hoje desiste-se muito? “Desiste-se muito e desinveste-se com alguma facilidade. E educar é trabalhoso. Sabemos que as pessoas têm vidas difíceis. Porém, importa perceber que terão vidas ainda mais difíceis se se demitirem do seu papel, pois a probabilidade de as crianças chegarem à adolescência com comportamentos de irresponsabilidade, insegurança, sem autoconfiança, sem amor-próprio e sem respeito pelos pais será maior. Apostar na prevenção é uma mais-valia.”

É possível ensinar a pensar? “É, se os pais também forem pessoas pensantes, se encorajarem as conversas e a leitura, se não derem respostas imediatas, se estimularem a curiosidade e a exploração do mundo”, explica Maria José Farinha. Mais do que controlados, importa que os miúdos aprendam a pensar sozinhos. E proibir telejornais e assuntos tristes ou complicados não é solução. “Convém que vejam, com acompanhamento. Se os protegemos de tudo, como é que vão aprender a lidar com o lado menos bom da vida?”

A educação para o espírito crítico tem nos pais e professores as maiores bases. “Os miúdos são muito interessados: portanto, não lhes cortem as asas, não desvalorizem o que dizem, não digam ‘isso não é para a tua idade’, e não lhes deem respostas imediatas, estimulem-nos a pensar sobre isso, a encontrarem as suas respostas, a fazer mais perguntas”, explica Maria José.

Outras ideias são fazer jogos de construção, de debate, de encenação. “Por exemplo, há um problema que é exposto, e debatem-se várias soluções. Qual é a solução mais aconselhada? Porquê? Se lhe damos logo as respostas, aquela criança ou adolescente não vai pensar mais sobre o assunto. Ora saber pensar ajuda-os a analisar uma situação com rapidez e mesmo a defenderem-se dos riscos do dia a dia. Por exemplo, fala-se muito de bullying. Miúdos que sabem pensar, mais facilmente se conseguem defender ou defender um colega se conseguirem perceber que aquela atitude é errada.”

Os mais novos hoje não sabem esperar. E qual é o problema? O problema é que a ansiedade, as fobias e a depressão se tornaram as áreas mais trabalhadas pelos profissionais de saúde mental e as que mais pioraram durante a pandemia, em adultos e crianças. Cabe aos adultos ouvir, mais até do que dar respostas, assim como dar exemplos adequados. “Se queremos um futuro com adultos responsáveis, sensatos e trabalhadores, devemos investir agora.”

É um desafio criar uma geração diferente? “É. Temos de nos esforçar agora, os pais, a família, os professores. Caso contrário, não há vontade de evoluir. Há preocupação com a roupa, com os amigos, com a foto, com o comentário, com o like, e é necessário mais do que isto para eles. Já fomos à Lua, mas há muito mais a ser conquistado do que o planeta Tik Tok.” Na luta contra o imediatismo e o facilitismo há muito a fazer: “Encorajar a que a criança seja autodidata, que aprenda por ela, que faça pesquisas, que faça perguntas. Quanto mais se facilita, menos a criança se desenvolve e mais frágil se torna.” O ideal é estar presente da forma certa, sem facilitar mas encorajando.

ENSINAR A PENSAR EM 3 ATOS

1. Ler – Os livros dão-lhes palavras, que são as ferramentas do pensamento. Também lhes dão mundo, ideias, pessoas, e mostram-lhes várias formas de pensar.

2. Debater – Dada esta situação, qual era a melhor maneira de a resolver? Porquê?Que pensam sobre este ou aquele assunto?

3. Conversar – Falem do que se passouna escola, no dia a dia, do que veem na televisão ou na rua.

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