A expressão “ter um dedo que adivinha’ tem origem provável na dactilomancia, isto é, a arte de adivinhar com os anéis – para este fim usados no dedo mindinho da mão direita. A verdade é que os humanos sempre recorreram aos meios mais estapafúrdios para tentar saber o dia de amanhã e neste campo o mindinho está longe de ser o único a saber o futuro. A palma da mão sabe-o, as entranhas das lebres sabem-no, e até as borras do café o sabem… Parece que somos os únicos a ficar de fora, o universo inteiro a falar connosco enquanto fazemos orelhas moucas.
Tudo é passível de ser lido como um oráculo, dizem. O suporte é apenas um meio que serve para o adivinhador entrar em contacto com as suas capacidades mediúnicas e entrar ‘noutra dimensão’. Sabe-se que os xamãs primitivos entravam propositadamente num estado alterado de consciência com a ajuda do tambor e substâncias alucinogénicas. No Egito, os sacerdotes liam entranhas de animais e interpretavam sonhos. Na Grécia, serviam-se do oráculo de Delfos, e os alemães, até ao ano passado, do polvo Paúl, entretanto falecido. Paz à sua alma.
Ler as entranhasde animais
HIEROMANCIA ANGLO-SAXÓNIA,
GERMÂNIA, PAÍSES NÓRDICOS
As antigas sacerdotisas germânicas de Eostre previam o futuro observando as entranhas de uma lebre sacrificada na lua cheia. Estes rituais de fertilidade primaveris foram adaptados pelos cristãos, na Páscoa, e a original cantilena “Lebre de Eostre, o que tuas entranhas trazem de sorte para mim?” acabou convertida num inocente “Coelhinho da Páscoa, que trazes para mim?”. Cordeiros, cabras e veados também eram usados com frequência em sacrifícios aos deuses com o objetivo de obter os seus favores e informações acerca do futuro. Uma vertente mais específica da leitura das entranhas é a hepatoscopia, a arte de ler o fígado dos animais sacrificados. Foram encontrados alguns modelos de fígado em terracota na antiga Babilónia (hoje Iraque) e há um de bronze, com origem etrusca, na biblioteca de Piacenza. As marcas sobre o lado direito eram consideradas auspiciosas, as do lado esquerdo, maléficas.
Interpretar as entranhas humanas
PORTUGAL
O historiador grego Estrabão menciona este costume lusitano nos seus escritos. O pulso, as veias e as entranhas das vítimas eram usadas para tirar presságios e também se interpretava o modo como o corpo tombava ao ser ferido. Depois amputavam a mão direita aos inimigos vencidos para a consagrarem aos deuses. Ainda teríamos de esperar pelos brandos costumes…
Ver na água
HIDROMANCIA
EGITO, PÉRSIA (IRÃO)
A arte de ver na água é conhecida desde tempos remotos e aparece em vários pontos do Globo, o Egito é apenas um deles. Acreditava-se que o Deus Hapi comunicava com os sacerdotes por meio de visões na água. Na Grécia e em Roma atiravam-se moedas aos lagos para interpretar os desenhos dos círculos na água. Outra técnica consistia em fazer incidir um raio de luz (sol, vela ou candeia) sobre a água e lançar um punhado de sal lá para dentro. Depois ‘liam-se’ os efeitos de refração da luz na água. É provável que as técnicas de ver o futuro numa bola de cristal ou espelho venham daqui. Há menções destas artes em Varrão e Santo Agostinho.
Prever através da bola de cristal
CRISTALOMANCIA
EUROPA
É uma das formas divinatórias mais sugestivas visualmente. As origens perdem-se nos tempos e estão provavelmente ligadas à hidromancia. Certo é que vem referida na Bíblia (Génesis XLIV,5) e que no século XV, a lei de D. João I contra a feitiçaria proibiu expressamente a busca de valores por meio de espelhos e artifícios similares, sendo o crime punido com multa e açoites públicos. Além das bolas de cristal e dos espelhos também se podiam usar pedras preciosas. A esmeralda, por exemplo, é considerada um cristal mágico, onde as manifestações da aura astral podem ser observadas por clarividentes.
Adivinhar pela terra
GEOMÂNCIA PÉRSIA (IRÃO), ARÁBIA, MARROCOS
O ‘feng shui ocidental’ ou ‘adivinhação pela terra’ remonta ao paleolítico. Parte do princípio de que o céu se espelha na paisagem e que podemos recorrer aos génios dos lugares para estabelecer uma relação harmoniosa com os sítios. Ritos para fundação de cidades e consagração de templos, orientação mais adequada dos edifícios e da estrutura das cidades eram usos geomânticos comuns citados por Plínio e Plutarco. Há várias técnicas de adivinhação, desde a antiga interpretação dos desenhos formados por pedras ou terra atiradas sobre uma superfície plana até à versão mais moderna, que recorre ao papel e faz lembrar o I-ching chinês. Fazem-se 16 pontos numa página em branco e depois unem-se dois a dois de forma aleatória. As figuras resultantes tem um significado. A variante africana consistia em atirar terra ao ar e observar os padrões que fazia ao cair no chão.
Ler as folhas de chá
TASEOMÂNCIA
CHINA
Crê-se que vem da China, do século IV, mas a moda estendeu-se à Europa onde era prática conhecida no século XVII. Podemos dizer que neste caso há dedo mindinho português envolvido, já que foi a D. Catarina de Bragança, mulher de Carlos III de Inglaterra, que levou o chá para terras inglesas. Para adivinhar usa-se o chá em folhas e bebe-se, sem coar, até restar apenas um pouco de líquido no fundo da chávena. O vidente lê as figuras formadas pelas folhas. Quanto mais próximas estiverem da borda, mais perto de acontecer estarão os eventos. Ver um gato pode ser sinal de traição iminente, uma estrela anuncia boa sorte, uma banana, viagens de negócios…
Decifrar as borras de café
CAFEOMÂNCIa
TURQUIA
À falta de chá, o café também serve para adivinhar, lendo-se, neste caso, os resíduos das borras numa chávena branca. Era prática comum nos países árabes e chegou à Europa no século XVIII, popularizando-se depois em França e Itália. Para este fim prepara-se o café numa panela com água, pó de café e açúcar, deixando-se ferver três vezes. Depois de beber o café, de forma concentrada, põe-se o pires sobre a chávena, virando-a num movimento rápido. Deixa-se repousar e procede-se à leitura do interior da chávena, observando as figuras na parede e no fundo. Ver uma flor, por exemplo, indica que um desejo se irá realizar, uma âncora significa uma viagem.
Interpretar os búzios
ÁFRICA
Tradicionalmente, atiram-se 16 ou 21 búzios para uma mesa, analisando as suas configurações. Esta tradição está ligada ao culto africano dos orixás (divindades africanas) e do candomblé. O adivinho entra em contacto com os orixás pedindo-lhes para intercederem na leitura das sortes, coloca os búzios na mão direita e lança-os na mesa ou no chão. Há vários sistemas de lançamento, mas em geral a leitura é feita interpretando 256 combinações possíveis de figuras feitas com os búzios, um pouco à semelhança da geomância.
Seguir os passos do galo
ALECTOROMANCIA
ÁFRICA
A forma mais simples consiste em espalhar grãos de milho ou trigo no chão, deixar um galo debicá-los livremente e depois interpretar as formas deixadas pelos grãos remanescentes. Versões mais sofisticadas passam por desenhar um círculo no chão, dividido em secções marcadas com as letras do alfabeto. Sobre cada uma dispõem-se os grãos e no centro uma galinha preta ou um galo branco. Às letras bicadas pelo galo tentava-se fazer corresponder uma mensagem coerente. Também há referências a um quadrado dividido em tantas partes quantas as letras do alfabeto e em cada um apenas um grão de milho. Assim que um grão era debicado outro o substituía, para permitir que todas as letras estivessem sempre disponíveis para o galo. À ordem do debicar tenta-se fazer corresponder uma ou várias palavras.
Adivinharpela farinha
ALEUROMANCIA
GRÉCIA
A forma mais simples passa por espalhar farinha no chão e interpretar os desenhos, mas na Grécia escreviam-se sentenças em tiras de papel que eram enroladas em bolas de farinha e cozidas. Depois baralhavam-se os bolos nove vezes e distribuíam-se pelos que procuravam orientação. Na Grécia, esta forma de adivinhação era regida pelo deus Apolo, que também era conhecido pelo nome Aleuromantis, e praticava-se nos meios rurais pelo menos até ao fim do século XIX. Os chamados bolinhos da sorte serão uma variante moderna desta forma de adivinhação.