Qual é a relação da tua família com a música?
Esta é muito fácil… Toda a minha família gosta de música. Somos africanos e, por natureza, a música nasce connosco. O meu pai, quando era mais jovem, foi cantor não profissional. Cantava com os amigos, em festas, nos bares, na faculdade, mas cresceu e deixou a música de lado. Todos os meus irmãos gostam muito de música, ouvem diferentes estilos e estamos todos em harmonia. A minha mãe gosta mais de músicas da igreja. Uma das minhas irmãs só ouve música africana, latina e portuguesa, outra só brasileira e o meu irmão só músicas americanas. Já a minha outra irmã é só Madonna… Há uma diferença de estilos lá em casa. E gosto de todos esses estilos porque cresci a ouvi-los.
Nasceste em Angola, passaste pela Tanzânia e estás agora em Portugal. O que é que absorveste de cada país?
Muita coisa… Cresci muito durante esse tempo. Saí de Angola com 16 anos e ainda era muito inocente, tinha os olhos fechados, não sabia o que é que era o mundo lá fora, estava sempre agarrada à minha mãe. Na Tanzânia consegui crescer, vi que o mundo não era só aquele que conhecia em Angola, não era só as pessoas que me rodeavam e com isso consegui ganhar muita experiência. Se não tivesse passado pela Tanzânia creio que não conseguia viver sozinha em Portugal. Absorvi as experiências, as lições que a vida me deu durante o tempo que fiquei no país.
Quando é que te apercebeste que sabias cantar? Qual o momento em que decidiste apostar na música?
Acho que foi com oito anos. Com essa idade comecei a cantar na igreja, tentei entrar no coro… Entrei, mas acabei por sair, porque era a mais nova e todas as outras eram mais velhas e não me deixavam cantar. Ficava sempre na fila de trás e queria cantar. Sempre que chegava atrasada, não me deixavam entrar, mas, quando elas chegavam atrasadas, entravam. Acabei por ficar chateada e disse que não queria ficar no coro. Mas lembro-me que, com 8oitoanos, já tentava cantar e entrar nas atividades da igreja. No fim da catequese havia sempre uma festa e eu já me apresentava. Às vezes fazia playback, mas por vezes também cantava ao vivo, e foi com essa idade que decidi “eu quero ser cantora e é isto que quero fazer para o resto da minha vida”. Naquela altura, só queria cantar, não me importava se cantava bem ou mal. Não me lembro de como cantava, mas acho que não era como agora [ri-se]. Estava a aprender, a descobrir a minha voz e creio que isso influenciou o meu caminho até aqui. Com 11 anos, mais ou menos, já conseguia cantar e imitar o que ouvia das outras cantoras e cheguei a formar uma banda no 7º ano com amigas, mas não durou muito tempo. Elas queriam ter sucesso, mas não queriam esperar, formar a banda, sair pelo mundo… Porém, quando se é criança, é difícil conseguir as coisas assim e então foram saindo uma a uma e acabei por ficar sozinha. Mas foi com essa banda que comecei a compor. Eram músicas infantis… [solta uma gargalhada].
Tiveste alguma experiência com música em Angola ou na Tanzânia?
Em Angola tentei gravar algumas músicas. Em 2010, gravei a minha primeira música e, em 2011, a segunda. Foi a partir daí que comecei a ver como se trabalhava em estúdio e agora já não me assusto tanto. Valeu a pena passar por todas essas experiências. Na Tanzânia conheci um cantor tanzaniano que fez sucesso no principio dos anos 2000 e que depois se afastou dos palcos, mas continuava a ajudar os novos talentos que iam surgindo. Ele trabalhava com amigos num estúdio e gravei demos e também escrevi algumas músicas. Cheguei a gravar três músicas, uma delas em suaíli (língua oficial da Tanzânia), com uma cantora do país, fui tendo experiências deste género em estúdio e também cheguei a cantar em público numa discoteca… Foi um desastre [ri-se], não apareceu quase ninguém, estava vazio. Praticamente só estava lá a minha irmã, a amiga da minha irmã, uma amiga minha e outras pessoas que estavam “tomadas” e que já não prestavam atenção àquilo que estava ali a fazer. [solta uma gargalhada]. Mas diverti-me.
Não tens formação musical. Achas que isso prejudica a tua carreira ou é um desafio que te faz trabalhar mais?
Acredito que seja um desafio e quero apostar na minha formação, trabalhar e aprender mais. Como se diz, “o saber não ocupa espaço”. É sempre bom aprendermos mais e estou disposta a isso. Agora estou dividida entre a música e o Direito e, se fosse tirar uma formação em música, não conseguia conciliar tudo. É muita coisa. Um cão não pode levar dois ossos na boca. [ri-se]. Por isso, à medida que vou evoluindo, também vou aprendendo. Todos os dias aprende-se uma coisa nova.
Falaste agora do Direito… Esperas vir a exercer direito ou a música será uma prioridade?
É difícil saber o que o futuro nos reserva. Para mim a música é a prioridade, mas eu quero terminar o curso e ter o diploma a dizer: “Poxa, foi difícil, mas consegui. Está aqui o meu diploma! Batalhei, vim para Portugal para isso e consegui.” Quero sentir o que as pessoas que terminam a faculdade sentem. Como é não ter mais a responsabilidade de estudar.
E como é que surgiu a música enquanto estavas em Portugal?
As oportunidades começaram a aparecer e, como se costuma dizer em Angola, “água do rio não passa duas vezes”. É preciso aproveitar as oportunidades e foi o que eu fiz e faço. Posso dizer que valeu a pena, pelo menos tentar…
Está quase a fazer um ano desde a final do ‘The Voice’, que venceste. Como foi a experiência desde esse momento até teres lançado o primeiro single?
Já passou um ano? Passou muito rápido, estou a ficar velha. Foi muito trabalhoso, é muito difícil encontrar um caminho para quem saiu de um concurso, porque nesses programas estamos a cantar a música de outros e a tendência é seguir o que os outros fazem e esquecemo-nos de fazer aquilo que gostamos ou que somos na realidade. E foi esse trabalho que tive depois do programa: encontrar-me, saber para onde quero ir e que caminho seguir. E custou até conseguir encontrar uma música ideal. Para chegar ao produto final foram precisas horas e horas de trabalho. Meses a pensar “O que é que eu faço? Será que sigo este caminho ou sigo aquele? Será que vai dar certo, será que não?”. Foi arriscar e a ‘Primeira Vez’ é a minha voz e o que quero seguir.
Que conselhos tens para os atuais participantes do programa?
Muita força, é preciso ter força. [ri-se] E têm de divertir-se, acima de tudo, e aprender. Nada de disputas. A experiência passa depressa e é preciso aproveitar o momento para que possa ficar na tua memória por vários anos e no final pensares: “Valeu a pena”. Divirtam-se!
Como foi a reação dos teus familiares e amigos quando souberam que ganhaste o programa?
Pularam de alegria. No dia da final, a minha mãe estava em Angola e, quando viram que estava em terceiro lugar, ficaram tristes, aborrecidos e desligaram a televisão. Porém, no dia seguinte, quando perceberam que eu tinha ganho, ligaram-me a perguntar: “Como é que aconteceu? Ontem ficámos desesperados por estares em terceiro lugar e já não tínhamos esperança”. E respondi: “Pois, não acreditam…” Ficaram muito felizes. Foram eles que me deram o empurrão para participar. Os meus amigos insistiram imenso. Estavam sempre a ligar e a perguntar “Porque é que não te inscreves nesses programas? Vai ao ‘Ídolos'”. O ‘ìdolos’ estava a começar quando eu cheguei a Portugal. O problema era que, se eu fosse, não conseguia terminar o secundário e decidi não participar. Depois disso, entrei na faculdade e surgiu a oportunidade de participar no ‘The Voice’. Quando abriram o casting para o programa, um amigo meu mandou-me uma mensagem “Inscreve-te rápido!”. Foi então que liguei para a minha família e perguntei o que é que achavam e se devia participar e a minha mãe responde “Você já faz barulho há muito tempo. Vai e tenta”. E participei.
Durante o programa houve algum momento em que te apercebeste que serias uma possível vencedora?
Sim, não vou mentir. Acho que todas as pessoas pensam assim. Se participam é para ganhar. E mesmo que não ganhasse, queria chegar o mais longe possível, porque é sempre bom destacares-te: as pessoas poderem ver mais do que consegues fazer.
Tiveste algum momento em que questionasses a tua opção de seguir uma carreira musical?
Nunca pensei em desistir, mas houve um momento em que senti que se calhar este não seria o meu caminho. Fiquei na dúvida. E isto aconteceu quando estava à procura de oportunidades e bateram-me com a porta na cara. Passei por isso muitas vezes e com nomes grandes da música angolana e senti-me muito mal. Mas senti que isso era uma prova e ganhei força para continuar. A minha mãe costuma dizer “não há coroa sem sofrer”, e por vezes é preciso ver a escuridão e aí questionas-te: “Será que sigo?” É um teste. E o facto de ter recebido vários “nãos” tornou-me mais forte.
Tens algum dueto de sonho?
Internacionais, é óbvio: Mariah Carey. [solta uma gargalhada]. É uma grande referência para mim. Aprendi a cantar com ela e com a Whitney Houston. E ficava horas e horas no quarto da minha mãe com o rádio e ela gritava “o meu rádio vai-se estragar! Sai do meu quarto!”. Na música nacional, gostava muito de fazer um dueto com o Pedro Abrunhosa, um cantor que oiço desde pequena.
Achas que o dueto com o Pedro Abrunhosa é possível?
Acho que tudo na vida é possível, já tive a prova disso. Porque, se me dissessem que ia ganhar um programa de televisão em Portugal, respondia: “Deixa-me em paz, vai à tua vida”. E se calhar num futuro próximo…
Fala-nos do teu primeiro single, ‘Primeira Vez’.
Foi composta por Guilherme Alface e produzido pelo Diogo Piçarra. Gosto particularmente da letra. Disseram-me que o Guilherme a escreveu especialmente para mim e acertou em cheio e fiquei logo fã da música. É uma música que podemos interpretar de variadas maneiras. Como uma superação, levá-la para um caminho mais amoroso ou para as coisas que acontecem no dia-a-dia. Falei das portas que se fecharam na minha cara e de como, se eu tivesse desistido, nunca mais seria a primeira vez e que é preciso deixar para trás tudo aquilo que nos magoou, o que nos pôs para baixo e continuar. Não há talvez, o caminho é para a frente. Há pessoas que até agora ainda não conseguiram perceber a letra e o que eu posso dizer é: “ouve as músicas várias vezes e interpreta à tua maneira!” Uma amiga pergunta-me: “Qual é o significado da música? Não percebo qual é a mensagem!” E eu respondo: “Ouve com os teus ouvidos espirituais e não com os teus ouvidos carnais e aí vais entender a música” [diz entre risos]. A música tem muito de mim e da minha vida e o Guilherme não me conhecia quando a escreveu nem nunca tinha falado comigo. Só o conheci no dia da gravação e a música já estava feita.
O que podemos esperar do álbum?
Podem esperar boa música. Muito soul, muita entrega, muito amor. E temas que abordam coisas que as pessoas vivenciam no dia-a-dia. Quero trazer um pouco de realidade às minhas músicas. Não sou muito a favor de temas do mundo cor-de-rosa, porque não é isso o que acontece comigo nem com as outras pessoas. Se bem que por vezes é bom escapar para o mundo da fantasia, imaginar o amor perfeito, tudo colorido. Todas as músicas são originais e tanto em português como em inglês.
A tua carreira passa por Portugal ou queres expandir horizontes?
Quero expandir-me, quero conquistar outros países e mercados. Mas tudo com calma. Vou dar o primeiro passo aqui em Portugal e vamos caminhando. Com calma, as coisas acontecem.
Tens algum ritual antes de um concerto ou de uma gravação?
Não… Nada de jeito. Se calhar, daqui para a frente um ritual muito fofo seria ter um bebé no camarim. [ri-se] Gostava de ser mãe, mas não tinha de ser um bebé meu. Adoro crianças, transmitem muita paz e adoro ter crianças ao pé de mim. E se daqui para a frente puder ter um bebé diferente em cada camarim, seria a minha exigência.
Por vezes tens de te lembrar que és a Deolinda Kinzimba, a cantora?
Às vezes é chato, porque há alturas em que estou muito atrasada e as pessoas reagem do tipo “é a que ganhou o ‘The Voice’!” e eu penso “Tenho de ir para a escola!”. Mas há muitas vezes que me esqueço, sou uma pessoa normal. Ando na rua, ando de metro, de autocarro, não tenho problema quanto a isso. É preciso que as pessoas abordarem-me e lembrarem-me que eu saí de um programa. Porque há quem pensa que, por ter ganho o programa, tinha de andar numa limusine. Quando estava num autocarro, perguntaram-me “Não andas num carro privado? Andas de transportes públicos?”. Numa outra vez disseram-me: “pensei que andavas num daqueles carros grandes” e eu só respondi “Eu sou do povo como tu! Eu sou uma pessoa normal como tu!”. Independentemente de ter ganho o programa, tenho o direito a andar na rua.
Estás a viver um sonho?
Estou, metade de mim está nas nuvens e a outra está aqui, na terra. Quando vou para as aulas é que me lembro que sou a Deolinda Kinzimba que estuda.