*artigo publicado originalmente em maio de 2016
“As famílias portuguesas, em regra, têm baixas competências de literacia financeira”, observa Natália Nunes, da Associação de Defesa do Consumidor (DECO). “Verificamos que não têm ainda o hábito de fazer o seu orçamento familiar, o que torna difícil fazer a análise e tomar estas decisões. Por desconhecimento e, sobretudo, por vergonha, não procuram entrar em contacto com as entidades credoras (banca e outras instituições de crédito, mas também cada vez mais empresas de telecomunicações e serviços básicos) para reestruturar as suas dívidas, e procuram pouco a ajuda de terceiros para resolver a situação. Deixam passar demasiado tempo, o que só agrava a situação. Este é o principal erro que se comete.” Eis, então, algumas medidas úteis para pôr as finaças em dia
1. Faça o orçamento familiar
É o velho truque de apontar as receitas de um lado e as despesas de outro, seja num caderno, numa folha de Excel ou numa das aplicações que encontra online. “As famílias conhecem bem os valores dos seus rendimentos e das despesas fixas (como a renda da casa, as despesas de eletricidade, água, gás) mas perdem muitas vezes a conta quando toca a despesas não fixas, como supermercado, contas de telecomunicações, refeições fora de casa, dinheiro de bolso para pequenas despesas do dia a dia”, oberva a especialista da DECO.
Para o economista Ricardo Ferreira, autor de livros como ‘Manual de Finanças Pessoais’, ‘Manual da Poupança’ e do projeto ‘A Escola Financeira’ (aescolafinanceira.net), fazer o orçamento mensal é a prioridade para reequilibrar as finanças pessoais. “Para isso, em primeiro lugar, devemos ser capazes de definir as prioridades da nossa família. No topo das despesas deve surgir a poupança. Esta deve ser vista como uma despesa e estar no topo das prioridades. Seguem-se as despesas prioritárias ou aquelas essenciais à vida (fixas), as que temos de ter independentemente da nossa situação financeira.
Pagas as despesas fixas, virão as despesas obrigatórias por efeitos de contrato. Finalmente, na base da hierarquia, com carácter menos urgente e prioritário, as despesas variáveis, ou os pequenos luxos e despesas que trazem um conforto adicional às nossas vidas.”
2. Qual a oferta mais barata no mercado?
Devíamos fazer mais regularmente uma prospeção de mercado, escolhendo os fornecedores de serviços com preços mais baratos e pacotes que se ajustem melhor às nossas necessidades atuais, diz Natália Nunes. “É preciso pensar em reduzir despesas – nem é preciso eliminá-las; podemos ter um pacote de telecomunicações por e50 euros em vez dos e90 que gastamos, por exemplo.”
3. Renegocie as suas dívidas:
“Devemos contactar as instituições de crédito, no sentido de lhes dar a conhecer as nossas dificuldades e conhecer as soluções que nos apresentam. Se não houver resposta, ou se ela não for muito favorável, deve pedir-se ajuda a terceiros, nomeadamente ao GAS, ou de outra entidade”, aconselha Natália Nunes. Tudo para evitar o incumprimento, processos em tribunal e as penhoras de bens ou vencimentos. “Depois, à dívida, acrescem as custas judiciais do processo, que são, em regra, elevadas.”
A boa notícia é que a banca tradicional tem mostrado boa abertura para reestruturar créditos à habitação e de outro tipo, diz Natália Nunes. “Com as instituições de crédito foi um pouco mais complicado, mas com o agravar da crise alteraram esse comportamento, até por causa do volume de crédito malparado.” Mas a lei não obriga as empresas a renegociar, lembra.
Ricardo Ferreira acrescenta: “Os bancos não podem cobrar comissões sobre renegociações de dívidas. Os pedidos de ajuda devem ser realizados o mais cedo possível, uma vez que o tempo poderá ser um elemento fundamental para uma atuação imediata e mais ‘suave’, mesmo perante um cenário difícil.”
4. Analise bem a proposta do banco
“Após ter entrado em contacto com o seu banco, este fará uma análise detalhada da sua situação financeira atual, para apurar se está realmente em risco de entrar em incumprimento. O banco poderá então apresentar uma proposta de renegociação da dívida, ou de consolidação de créditos”, explica Ricardo Ferreira. “Antes de aceitar a proposta apresentada, deve fazer uma simulação para determinar se essa solução é suficientemente vantajosa. Por norma, quando opta por renegociar dívidas, vai ver o prazo de pagamento do seu empréstimo ser alargado, o que significa que a prestação mensal diminui. Mas lembre-se que o valor total que irá pagar em juros será mais elevado. Faça as suas contas e veja se a proposta é adequada às suas possibilidades.
5. Conheça a lei
Ricardo Ferreira lembra que há leis que tentam ajudar quem está em má situação financeira: “Em 2013 foi aprovado o Decreto-Lei n.º 227/2012 [pode consultá-lo online em www.bportugal.pt/pt-PT/Legislacaoenormas/Documents/DL227ano2012.pdf ), que veio alterar as regras relativamente à renegociação de dívidas e cujo principal objetivo é proteger as famílias com dificuldades para pagar os seus créditos. Uma das medidas foi a imposição de que os bancos implementassem um sistema que lhes permita identificar os clientes que estão quase a entrar em incumprimento e que lhes apresentassem um plano de renegociação de dívidas, sem ter que envolver a ida a tribunal.”
Os dois mecanismos legais são o PARI, ou Plano de Ação para o Risco de Incumprimento, e o PERSI, Plano Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento. “Se ainda não estiver em incumprimento, diz a lei que a instituição o deve inserir no PARI e pedir-lhe alguma documentação para avaliar a sua situação. O PERSI impõe às instituições de crédito e bancos que integrem nele os nomes das pessoas que já estão em incumprimento, contactando-as a dizer que foram inseridas neste procedimento e solicitando elementos para avaliar a sua situação financeira”, explica Natália Nunes. Mas a especialista aponta-lhes uma falha: “Em nenhum dos dois casos a lei os obriga efetivamente a encontrar uma solução, por isso, acabam por não ser caminhos viáveis para o consumidor sobre-endividado.”
Em último caso, se o consumidor sobre-endividado “não conseguir restruturar a dívida e perceber que, a curto prazo, não há possibilidade de alterar a sua situação financeira, pode ponderar ir a tribunal requerer a sua declaração de insolvência”, diz ainda Natália Nunes.
6. Contas elevadas do gás ou eletricidade? Pode fasear pagamento
“Uma situação que ocorre com alguma frequência é a pessoa ter a conta certa da eletricidade e, depois de alguns meses, vir o acerto, muitas vezes com valores com que não estava a contar”, exemplifica Natália Nunes. “Não tendo a capacidade de efetuar o pagamento no total, deve entrar em contacto com a empresa atempadamente e tentar estabelecer com ela um plano de pagamentos faseados. Assim, não entra em incumprimento nem há interrupção do fornecimento – que, além dos inconvenientes, ainda traz custos acrescidos de restabelecimento dos serviços. Não há uma lei que obrigue as instituições a fazê-lo, mas tem havido grande abertura e sensibilidade, tanto por parte das empresas de fornecimento de eletricidade e gás, como dos serviços municipalizados.”
7. Sabe calcular a sua taxa de esforço?
“O ideal é que os encargos com créditos não ultrapassem os 35% ou 40% do rendimento mensal. Acima disto já começa a representar risco”, observa Natália Nunes. A média dos apoiados pela DECO está nos 77%.
8. Comece uma poupança
Ricardo Ferreira diz que no topo das prioridades do orçamento mensal deve estar o hábito de pôr dinheiro de parte para uma poupança. “Ela deve representar, pelo menos, 5 a 6 vezes o seu rendimento mensal”, aconselha Natália Nunes. A especialista sabe que, com tantas famílias em dificuldades por causa da crise, é quase utópico pensar nestes valores, mas que este é um hábito essencial para equilibrar o orçamento.