Clara Não é natural do Porto e tem-se celebrizado como ilustradora, artista, designer e tantas outras coisas. Através de ilustrações infantis e palavras impactantes, diz as verdades de uma forma muito crua e real, e essa é a sua principal imagem de marca. No fundo, a Clara é uma ativista pela igualdade de género e que aborda temáticas bastante sensíveis através da arte. A artista vai publicando os seus trabalhos na página de instagram e os temas são o feminismo, a violação, a violência no namoro, a homossexualidade, entre outros. A Clara acredita que a sua missão é dizer o que a maioria das pessoas tem medo de dizer.

Recentemente, Clara Não associou-se ao projeto ‘São Valentim Que Nos Perdoe’, uma iniciativa que pretende chamar a atenção dos portugueses para a violência no namoro e alertar para a crescente legitimação das relações abusivas entre os jovens.
Os mais recentes estudos indicam 58% dos jovens já sofreram de violência no namoro e 67% considera esta situação normal. Assim, o projeto ao qual a Clara Não se junta, reinventou os tradicionais Lenços dos Namorados e apresentou-os como os Lenços dos Ex-Namorados. À ACTIVA falou um bocadinho sobre o desafio deste projeto e mensagem que quis passar.
– Fale-nos um bocadinho sobre o desafio que lhe foi proposto pela FOX Life a propósito da campanha ‘São Valentim Que Nos Perdoe’.
O desafio que a Fox Life me propôs consistiu em usar o poder comunicativo da ilustração e de uma frase forte, para passar a mensagem de que “onde há violência não pode haver romantismo”, subvertendo o conceito dos lenços dos namorados. Atente-se que esta subversão não se resumiu somente à forte presença da ilustração do tema da violência, mas também se manifestou no uso de tecido preto, e não branco, para a elaboração dos lenços.
Desta forma, ilustrei o lenço, agora dos “ex-namorados”, primeiro em marcador e posteriormente com edição digital. A imagem resultante, com a indicação das cores, foi depois bordada pelas senhoras da associação A Avó Veio Trabalhar. Assim, acrescentamos mais uma camada de importância à iniciativa, porque não só tratamos o problema da violência no namoro, como o fazemos intergeracionalmente.
Como os lenços dos namorados são objetos muito presentes na memória coletiva portuguesa, foi um óptimo meio para fazer chegar a mensagem. Fiquei muito feliz com esta iniciativa, e ainda mais feliz por se falar ativamente sobre um problema que afectou ou afecta mais de metade dos jovens em Portugal.
– Em que é que se inspirou para a criação do desenho que foi bordado no lenço?
Este lenço é a junção de várias preocupações. Surgiu de relatos a que tive acesso. Muitas das pessoas que me abordam sobre o assunto (mais de 80% das pessoas que me seguem são mulheres), desabafando comigo pessoalmente ou por mensagem, contam-me como o/a namorado/a ou ex-namorado/a é, ou era, violento/a com elas, mas depois elas como resposta tinham feito ou dito algo que as fazia sentirem-se culpadas. Para além deste padrão de histórias, recebo outras, que também vão de encontro ao problema da auto-culpabilização, que correm nesta linha de pensamento: “Ele foi violento comigo, mas eu até percebo porque …” Assim, foquei-me no problema da auto-culpabilização das vítimas. Tendo em conta que a maior parte das vítimas tem sentimentos de afecto pela pessoa abusadora, tendem a arranjar desculpas para perdoar os comportamentos abusivos. Por conseguinte, as pessoas continuam numa relação que as magoa, numa relação que passa a ter como base desculpas, dor, e muitas vezes medo, em vez de amor, carinho, confiança e respeito mútuos. Desta forma, escolhi ilustrar as frases “Ele/Ela foi violento/a comigo, mas eu mereci./ Não, não mereceste.”
– O que é que conseguiu retirar desta experiência e o que é que conseguiu alcançar com esta campanha?
Esta experiência fez-me estar ainda mais atenta às pessoas que me rodeiam, às mensagens que recebo, aos testemunhos a que temos acesso. Percebi que o problema é ainda maior do que eu achava. A conversa promovida pela Fox Life na Fnac do Colombo em que participei foi um óptimo arranque para a campanha, com Inês Lopes Gonçalves, o Diogo Faro, Daniel Cotrim (APAV) e Eduardo Sá, moderada por Paulo Farinha.
A solução do problema da violência no namoro passa pela sensibilização das pessoas, desde criança, para que consigamos evitar e identificar comportamentos abusivos. Esta campanha contribuiu para isso mesmo, alertando a população em geral para a urgência de mostrar que o ciúme, a obsessão e a possessividade não são normais, não são românticos, nem parte de uma relação saudável. Consegui com esta campanha, em conjunto com a Fox Life, Fnac e os convidados, alertar a população em geral para este problema, e espero que contagie mais acções que abordem esta questão.
No âmbito da iniciativa foram realizadas 20 peças únicas com frases inéditas, bordadas à mão pela Associação a Avó Veio Trabalhar e que contam com a participação da artista portuense.