Que não estamos numa época fácil para o amor, já toda a gente percebeu. Aliás, não estamos numa época fácil para nada, por isso não é de estranhar que o amor vá a reboque. Porque é que continuamos a insistir está explicado no aforismo que dá o mote ao livro: “Ser casado é um estado terrível, e a única coisa pior é ser solteiro.”
Por acaso, a história que abre ‘Para tão curtos amores, tão longa a vida’ não se passa no nosso tempo mas numa altura em que, convenhamos, a vida, inclusive a amorosa, era bastante mais dura, mesmo para as princesas.
É precisamente com princesas que Daniel Sampaio começa este livro: a 19 de janeiro de 1729, aquela que ficou conhecida como ‘a troca das princesas’ aconteceu quando Portugal e Espanha efetivamente trocaram infantas: Maria Bárbara sai de Portugal para casar com o futuro rei de Espanha, Mariana entra para casar com o futuro rei de Portugal.
Em 2022, o Tinder fez dez anos. Entre as duas efemérides, passaram quase 300 anos. E nesse longo período, o casamento teve muitas faces e mudou muito. E, reflete o psiquiatra, “Nos últimos anos é nítida a fragilidade do elo conjugal.” A taxa de divórcios atinge em Portugal números impressionantes, dos maiores da Europa, banalizou-se mas não deixou de ser traumática e de causar sofrimento.
Problema: nunca refletimos profundamente sobre as razões desta derrota. Seja devido ao narcisismo contemporâneo, ao maior poder das mulheres, à insegurança dos homens, às redes sociais, Daniel Sampaio defende: “O que importa é partir de um dado indesmentível: já não há trocas de noivas como no tempo de D. Mariana Vitória. E a grande maioria dos contratos de casamento têm agora por base o amor e o desejo de conseguir uma relação afetiva a dois.”
Claro que, a partir daqui, surgem uma data de outros problemas: incapacidade de aceitar crises, discussões e mal-estares, a acumulação de uma série de curtos casos, prazer imediato, expectativas irrealistas. E no entanto, uma relação amorosa estável e sólida continua uma das nossas necessidades básicas.
A partir desta premissa – uma sociedade de relações curtas, hostil ao amor – Daniel Sampaio troca as voltas a Camões e faz a pergunta que verdadeiramente interessa. Não ‘porque duram tão pouco tantas relações’ mas ‘o que é que faz durar um casamento? Qual é o segredo? E há um segredo?’
Para que possamos identificar-nos – e muita gente sem dúvida que se vai sentir espelhada – Daniel Sampaio apresenta algumas histórias de casais – desde a história principal de João e Luísa desde que se conheceram até à velhice até outros casos complementares – e depois conta o que é que a teoria tem a dizer sobre as diferentes fases que uma relação pode atravessar. Por exemplo, como é que se cria um vínculo, o que é uma personalidade evitante, como se constroi uma relação segura num mundo tão inseguro, e como atravessamos (ou não) os muitos desafios que são comuns a tanta gente: o nascimento de um filho, a relação com outras pessoas, o afastamento, a falta de comunicação, a infidelidade, o segredo, abrir ou não abrir o jogo.
E o tal segredo, há? Há: ficamos com algumas das principais ideias-chave para uma relação estável: conforto com intimidade e a proximidade, e atenção ao parceiro.
Mas há muito nesto livro por descobrir (e aprender). Porque o amor, caso ainda não tenham percebido, dá trabalho. Se continuamos a acreditar nele? Segundo Daniel Sampaio: “O amor longo é possível com uma permanente busca de equilíbrio entre desejo e ternura. Quando o desejo diminui, a ternura deve aumentar.”
Sejam ternos, portanto. E cultivem melhor os vossos amores.
‘Para tão curtos amores, tão longa a vida’, Daniel Sampaio, Ed. Caminho, E16,11