*artigo publicado originalmente na revista ACTIVA de agosto de 2018
Combinamos o encontro no Estoril, à hora de um Japão-Polónia muito pouco concorrido no estádio improvisado na esplanada praticamente às moscas. Quando a vejo, fico de olhos em bico, não deixa de ser irónico que eu, jornalista do ‘papel’, artilhada com o meu iPad, receba uma das rainhas portuguesas do digital que me chega com um caderno à moda antiga. Um caderno cheio de listas intermináveis de tarefas, a versão analógica do seu tão amado Excel. A sua paixão pela folha de cálculo foi uma das 50 coisas que fiquei a saber sobre Margarida, 38 anos, num vídeo partilhado no blog ‘Style it Up’, que há uma década mantém em coautoria com Cátia, amiga de longa data. Mas só há cinco se dedica a ele a tempo inteiro, depois de acabar a relação morna que mantinha há anos com o marketing. “Tinha um trabalho que era ótimo para o currículo mas no qual eu não era feliz”, conta Margarida, que sempre gostou especialmente das áreas de moda e beleza (“adoro cremes!”), aproveitando as férias para fazer formação nessas áreas. O blog foi, aliás, uma derivação de um primeiro projeto de consultoria de imagem que Margarida e Cátia começaram offline.
Reparem que não me refiro a Margarida como blogger ou influencer, afinal são termos com que a minha entrevistada não se identifica. O primeiro, por achar que tem uma conotação algo negativa, embora reconheça que tem havido uma evolução positiva – “é visto como alguém que pedincha coisas às marcas”. O segundo, porque diz que o seu objetivo é inspirar e não “impingir” coisas às pessoas. “A minha ideia quando partilho os looks é simplesmente dar ideias, nada mais.” Claro que existem posts patrocinados pelas marcas, mas, ainda assim, Margarida garante que não partilha nada com o qual não se identifica. “Jamais poderia dar a cara por uma marca de café, eu que só gosto de chá.” Denominações à parte, a influência do Style it Up é reconhecida, tanto pelas marcas como pelos seus mais de 150 mil seguidores, e é esse reconhecimento que faz do blog um dos mais bem sucedidos de Portugal.
A não-notícia
No tal vídeo das 50 curiosidades, fico também a saber que Margarida é daquelas fanáticas da organização que põem em causa a minha desorganização criativa. É graças a isso – e a Rosa, o seu braço-direito e esquerdo em casa – que consegue dar conta do blog e do Manel, o bebé louro de olhos azuis que há um ano lhe alvoroça a rotina e o coração. Mas não nos deixemos enganar pela cara de anjo: “Sempre quis ter gémeos, mas agora penso que se tivesse mais um igual…” (risos). Manel é a bonança depois de 7 anos de infertilidade, mas Margarida é tudo menos mulher de fazer tempestades em copos de água. “Não sei porquê, mas sempre soube que acabaria por acontecer.” Depois de algum tempo de tentativas infrutíferas, decidiu ir a uma clínica, a que, no seu ciclo de amizades, tinha a maior taxa de sucesso. E as más notícias não foram tanto as notícias em si mas a falta delas. “Nunca me diagnosticaram nada, fui a vários médicos porque não achava normal dizerem-me que estava tudo bem e não acontecer nada.” Tanto queria arranjar um problema ao qual dar solução, que acabou por encontrar um especialista pronto a meter mãos numa suposta adenomiose (crescimento de tecido endométrico fora do útero) em troco de 20 mil euros. “Saí de lá toda contente com a operação marcada, como é óbvio ainda sem saber o valor.” Uma segunda opinião fez mudar a sua e iniciou a saga dos tratamentos, que foi da simples estimulação ovárica à fertilização in vitro (FIV), passando pela inseminação intrauterina (IIU) e com algumas pausas pelo meio. Nunca considerou recorrer ao público, em grande parte pelas longas listas de espera. “Sou um pouco ansiosa no sentido em que quando quero uma coisa ela tem de acontecer logo”, diz, rindo-se logo a seguir. “Claro que me lixei… É uma espera enorme, especialmente quando nos dizem que está tudo bem. Quando fiz a inseminação, achava que saía logo da clínica grávida…”
Boa sorte?!
No blog, a primeira vez que falou sobre a questão da infertilidade foi já depois ter o seu bebé nos braços, num post que lhe saiu de escantilhão, em que o objetivo era partilhar energia positiva. E as mulheres, não precisam de carta branca ao choro e à lamúria? “Elas já estão na fossa, não precisam de ouvir o que já sabem. Ainda hoje recebi um comentário de uma mulher a dizer que relê o post sempre que se sente em baixo.” Insisto, sei o que é quando as pessoas, com o intuito de ajudar, descarrilam no difícil equilíbrio que existe entre o drama e a depreciação. Margarida assume que, sim, houve momentos difíceis mas não cede, nega que tudo naquele post seja autobiográfico, quando, por exemplo, aconselha as mulheres que lidam com a infertilidade a ficarem felizes pelas amigas grávidas. “Quando disse isso, foi porque conheci muitas mulheres que não conseguiam engravidar e que se iam muito abaixo quando as amigas engravidavam. Isto mesmo antes de eu começar a fazer tratamentos. E eu pensava que não queria ser assim. Não que uma pessoa seja pior, mas também não era por isso que ia engravidar mais depressa.”
Decididamente, Margarida não conquista o título de rainha do drama desta edição. “É a minha personalidade, sempre brinquei com a situação, era a minha forma de encarar as coisas, de não pensar tanto no assunto.” Aproveito a deixa, afinal o conselho que uma mulher que enfrenta a infertilidade mais ouve é um “não penses nisso” capaz de rivalizar com as hormonas mais demoníacas em termos de devastação emocional. Desta vez tenho o apoio de Margarida (aqui entraria um emoji triunfante): “Diziam-me que não pensasse muito no assunto, que acabaria por acontecer e eu ficava furiosa sempre que, depois de um tratamento, saía de lá com um ‘boa sorte!’. Eu não estava a jogar no Euromilhões. Como não pensar no assunto?!” Regozijo, finalmente um sinal de indignação. Mas o momento não dura muito, até porque com o tempo essas pessoas viriam a revelar-se boas conselheiras. “Sinceramente, no tratamento em que engravidei do Manel não estava nada para aí virada, pensava que era só mais um.” Claro que não foi uma decisão consciente, Margarida estava naquela altura cheia de trabalho, nem o facto de ter chorado quando soube que uma marca de beleza brasileira vinha para Portugal a fez desconfiar. “Lembro-me de pensar ‘que ridículo, quem é que chora por causa de uma coisa destas?!’, mas não associei.”
A ajudar ao seu desinteresse o facto de ter transferido um embrião de classe C, numa escala de A a F, consoante as probabilidades de implantação no útero – sim, porque o Manel ainda não se tinha ‘aninhado’ e já era avaliado como gente grande. “Noutros tratamentos tinha transferido embriões com classificação A e nada tinha acontecido, por isso não estava muito convencida.”
Telefone estragado
Tudo foi atípico em relação ao último tratamento, provavelmente sintomas de desgaste, ao fim de 7 anos de tratamentos. Margarida não partilhou com ninguém, nem mesmo com o marido, a data em que ia fazer o teste sanguíneo de gravidez. E não passou, na ânsia de saber o resultado, o dia inteiro a fazer refresh de cinco em cinco segundos no seu email. Só consultou o correio quando, já à noite, chegou a casa, ainda assim sem muita pressa. Imagino a emoção, quero saber a reação de Margarida, faço a pergunta como quem vira a página de um livro para descobrir o que se segue. “Quando abri, não percebi muito bem o que aquele valor queria dizer.” Ligou a uma amiga, que não a soube ajudar, e depois à médica, que finalmente confirmou a gravidez. Qual foi a primeira coisa que fez? A resposta é uma sequência caricata de telefonemas mal-sucedidos. “A minha irmã estava fora, o meu marido vai de mota para o trabalho e não queria que o homem tivesse um fanico pelo caminho, limitei-me a pedir-lhe que viesse mais cedo para casa com o pretexto de que ia na manhã seguinte para Paris. Depois liguei à minha mãe e depois ao meu pai, mas estavam os dois a conduzir. Fiquei ali à espera, sem saber o que fazer. Estava na boa, mas ao mesmo tempo sem acreditar…”
Mas quando Margarida acreditou, foi a valer. “A partir daí nunca pensei no que podia correr mal.” Foi uma gravidez tranquila e com a dose de otimismo com a qual enfrentou a infertilidade, que acabou por provocar poucos danos colaterais, na sua relação, por exemplo. Uma luta que diz não ter sido de todo solitária. João, que se recusa a aparecer no blog, em todo este processo marca pontos com a sua presença. “O meu marido sempre foi incrível no apoio que me deu.” Às vezes ficava mais ansioso que eu, mas sempre me pôs à vontade, para continuar ou para desistir. A decisão era minha.” E João deu provas disso logo no início, quando se sujeitou a todos os exames necessários para o tal não-diagnóstico. “Ainda há muitos homens que se recusam fazer o espermograma. A infertilidade ainda é um tabu, muitas pessoas sentem-se diminuídas, tem também a ver com a autoestima e os homens sentem-se muito fragilizados porque a causa pode ser masculina.”
Cartão vermelho
O Japão está neste momento a ganhar um a zero mas isso não chega para entusiasmar os cinco gatos pingados estrangeiros que no restaurante Deck estão mais entusiasmados com o bitoque do que com o frango do guarda-redes polaco. Falta! Neste caso, o cartão vermelho é marcado fora das quatro linhas e é mostrado por Margarida ao grande vilão desta história – até as melhores têm um mau da fita. “Senti a dramatização quando foi a subida do leite, um inferno. Custou-me mais os 10 dias de amamentação dos que os 7 anos de tentativas para engravidar. Foi desgastante.” Por isso, na próxima pretende neutralizar logo o inimigo. Sim, porque haverá uma próxima, se não naturalmente, ainda há um embrião congelado disponível no ‘mercado das transferências’. Esta mãe está pronta para outra, esta mãe que não se considera diferente das outras por ter demorado mais a ter um filho. “Sou a mãe que sempre teria sido”, uma mãe ‘descontraída’ mas rigorosa com as rotinas, há hora certa para as refeições, para o banho e para a hora de dormir. Margarida bem que gostava de ter dormido mais nos últimos dias. Consulta o telemóvel: já tem mais de 100 respostas ao seu pedido de socorro no Instagram. Todos os conselhos que vierem à rede são peixe, e algumas das dicas das seguidoras para que Manel volte a dormir a noite toda serão testadas uma a uma.
Apito final. 1-0, ganha a Margarida, claramente pelo seu jogo de cintura. Aposto que a primeira coisa que vai fazer, no fim da entrevista, é riscar a alínea que diz ‘entrevista à ACTIVA’ no seu caderninho do Snoopy. Já eu, vou meter o iPad no saco e voltar para pôr no papel o relato deste seu desafio, sem direito a prolongamento.