A cerimónia de entrega dos Prémios ACTIVA Mulheres Inspiradoras 2020 decorreu na passada quinta-feira, 27 de maio, no Teatro Tivoli. Uma iniciativa que reconhece o trabalho de figuras de destaque em várias áreas, da Ciência ao Desporto.
Um dos momentos momentos mais marcantes do evento foi protagonizado por Ana Rocha de Sousa, distinguida na categoria Artes. Ao aceitar o galardão, a realizadora fez um poderoso discurso sobre violência sexual, usando um episódio traumático pelo qual passou em 1995, quando tinha apenas 17 anos, como ponto de partida.
A atriz começou por dizer que “não existe uma mulher que não tenha tido medo de atravessar um parque escuro à noite, ou qualquer outro sítio mais óbvio de perigo eminente” e sublinhou que não é possível manter esse estado de alerta 24 horas por dia.
“Existe sempre um momento em que baixamos a guarda”, afirmou. “E, um dia, também eu baixei a guarda e não devia. Culpei-me. Até porque era tão ingénua, própria da tenra idade, que, mesmo avisada com estranheza do perigo, achei ser impossível. Hoje, falo para meninas, adolescentes, recém mulheres. O perigo não está apenas nos lugares óbvios. Protejam-se. Seja perante a casualidade do homem anónimo escondido nas dunas. Seja perante o cantor famoso que acham conhecer e parece tão seguro porque vos encantou com palavras líricas e bonitas. Foi em 1995 a história que não vos posso contar“, continuou. “Arrependo-me de muito pouco na vida, mas lamento ter guardado a história que tenho cravada por contar. A ti, menina, mulher, adolescente, eu digo: não tens culpa. Lembra-te e repete: não tens culpa. A ti, tenho imenso para dizer que pode ajudar. Escreve-me, se te fizer algum sentido o que acabo de contar“.
A atriz confortou os pais das vítimas, lembrando que “é preciso aceitar que a vida nem sempre nos permite estar, proteger e prevenir”. De seguida, deixou algumas palavras ao críticos do movimento contra abusos sexuais #Metoo, que começa a ganhar alguma expressão em Portugal.
“Aos inconsequentes que reviram os olhos a estas meninas-mulheres que falam, estas que se chegam à frente, parem imediatamente de se enfadar. Isto não é para brincadeiras. Não são jogos de brincar. Parem já de exigir detalhes a quem, por lei, não os pode revelar. Mais ainda: parem de viver como se alguém no seu perfeito juízo queira ser notícia com isto ou ter o rosto colado a estas dores; a estas tristezas. Saibam que a culpa, a vergonha, nos é imensamente dura e que a última coisa de que precisamos é cobrança, acusação, mais dor ou qualquer réstia de julgamento“.
Por fim, e num ato de coragem, a realizadora dirigiu-se diretamente ao seu abusador.
“A ti, assediador, violador. Sejas tu um outro, uma patrão, um homem da duna ou um cantor famoso. Fui ensinada a desejar o bem. O bem te desejo. Não pretendo nunca destruir a vida de ninguém. Jamais. Quero acreditar que passados mais de 25 anos és outra pessoa. Esperemos que sejas diferente e muito melhor. Quero acreditar que deixaste de fazer uso da tua fama para assediar e aliciar teenagers para o teu universo sexual, violento, louco e promiscuo. Quero acreditar que fui a única a ser forçada a crescer bruscamente sozinha na vergonha da minha culpa. Que assim tenha sido. Oxalá que assim seja. Repito: nem sou capaz de te desejar mal. Compreendo que só uma alma muito dorida, perdida e atormentada faz o que tu sabes que me fizeste. Ouve bem: nunca mais voltes a fazer. Nunca mais voltes a fazer“.
Ana Rocha de Sousa completou o discurso com uma frase que, a seu ver, lembra aquilo que é mais importante: “Nós somos magoados por pessoas, mas também são as pessoas que nos salvam”, disse, tendo recebido uma ovação de pé do público.
O momento fez com que Maria de Belém Roseira, membro do júri, se dirigisse ao público no final do evento, na qualidade de antiga Ministra para a Igualdade, inspirada pelo significado das palavras de Ana Rocha de Sousa.