Mariana van Zeller abraça o jornalismo com um palpável espírito de missão. É através da sua profissão que tem conseguido mostrar ao mundo os submundos do crime que o compõem. E na terceira temporada do seu programa “Na Rota do Tráfico”, com estreia marcada para amanhã, dia 18, às 22h30, no National Geographic, promete continuar a fazer isso mesmo, desta feita desvendando os segredos de algumas das maiores indústrias criminosas do mundo – falamos de tráfico de órgãos, armas e drogas alucinogénias, por exemplo. A propósito desta estreia, a premiada jornalista portuguesa, que vive nos Estados Unidos com o marido, Darren Foster, e o filho, Vasco, de 12 anos, falou com a Activa.pt, mostrando-nos como o sangue português de exploradores é parte integrante de quem é, enquanto mulher e profissional.
A vida acaba por ser um caminho feito de escolhas. Quando escolheste deixar tudo e ir para a Síria, sozinha, tinhas dentro de ti a vontade que essa escolha te trouxesse até aqui? Embora este “até aqui”, na altura, pudesse ser ainda abstrato?
Não tinha ideia, na altura, que esse percurso me iria levar aqui. Sempre achei que o tipo de jornalismo que iria fazer seria mais das notícias do dia e não tanto de investigação. Mas estar em Nova Iorque durante o 11 de setembro abalou as minhas ideias e deu-me uma curiosidade para tentar perceber os motivos pelos quais as pessoas fazem atos horríveis como o 11 de setembro. E essa viagem à Síria abriu-me os olhos a este submundo dos mercados negros, destes recantos escondidos e perigosos do mundo e o impacto que eles têm na vida diária de todos nós.
É a necessidade de compreender os motivos e as motivações que te impele, e a verdade é que nunca partes com um olhar de julgamento, mesmo quando lidas com os maiores criminosos. Este respeito pelo teu interlocutor, onde não há superioridade no teu discurso, nem na tua abordagem, levam-te a percorrer este caminho da investigação com muita empatia?
O tipo de jornalismo que faço é de empatia, em primeiro lugar, e de julgamento em último. É muito mais importante, em todas as histórias, reportagens e pessoas que conheço, tentar encontrar um ponto comum entre nós para as tentar compreender. Porque sem essa compreensão nunca vamos conseguir que estes mercados negros acabem. Seria muito fácil ir para o terreno com ideias pré-concebidas sobre o que acho sobre estes mundos, mas o meu trabalho como jornalista é de descobrir, e nessa descoberta o mais importante é tentar fazer com que as pessoas que veem “Na Rota do Tráfico” consigam colocar-se no lugar daquelas pessoas. Porque conseguimos sempre encontrar humanidade nos outros, conseguimos encontrar o que nos une. E isso, para mim, sempre foi uma das maiores revelações no trabalho que faço. Porque, mesmo naquelas pessoas que achamos que são completamente diferentes de nós, conseguimos perceber o que nos une. na maior parte das vezes são mães e pais, são os nossos vizinhos, são pessoas com sonhos e aspirações… Tal como nós.
Tens aprendido muito sobre a condição humana nesse contacto?
O mais possível. Acho que as pessoas têm uma ideia de que tenho uma visão muito negativa do mundo, por ver tantas coisas horríveis, mas é precisamente o contrário. Saber que nestes cantos perigosos ainda consigo encontrar humanidade dá-me uma visão muito positiva do mundo.
Na resposta anterior falavas em empatia. Só com essa empatia é possível chegares tão longe e sentires a disponibilidade das pessoas para falarem contigo da forma como o fazem?
Sim, sem dúvida. A razão mais importante que os leva a falarem comigo é porque estou ali para tentar entender o porquê daquelas pessoas fazerem o que fazem. Acredito que ninguém nasce a querer ser criminoso, são muitas vezes as condições de vida e a falta de oportunidades que levam essas pessoas a uma vida de crime. E estou ali para os entender. Todos nós temos necessidade de sermos compreendidos e nós damos-lhes essa oportunidade, o que significa muito para eles.
Nunca se regressa igual de cada experiência, de cada viagem, de cada contacto?
Acho que não. Cada viagem muda-me, cada reportagem que faço, cada pessoa que conheço altera-me um bocadinho. Na maioria das vezes, gosto de dizer que me dá uma visão melhor do mundo, tornando-me uma melhor pessoa. Mas às vezes também me deixa mais triste. No geral, porém, diria que o balanço é muito positivo.
Antes de voltares a casa consegues assimilar tudo ou precisas de tempo para encaixar tudo o que vês?
Sou mãe de um rapaz de 12 anos, e passo muito do meu tempo fora, pelo que não tenho outra opção a não ser assimilar tudo rapidamente antes de voltar para a minha casa, em Los Angeles, e deixar as coisas lá fora. Porque não quero carregar essa bagagem no meu dia-a-dia, na minha vida com a minha família, principalmente com o meu filho. Portanto, não tenho outra opção se não digerir tudo rapidamente e voltar à vida normal.
E como fica o teu coração de mãe quando estás no terreno?
É sempre difícil, mas o meu marido também é jornalista de investigação e viaja à volta do mundo e, quando ele diz que é pai, nunca recebe os mesmos comentários que eu recebo, que são muito carregados de julgamento, como se abandonasse o meu filho. Felizmente, tenho um filho que é muito fã do trabalho que faço e, ao fim do dia, quero dar-lhe o exemplo de que ser mãe e ser mulher não é impeditivo de fazer um trabalho importante e de deixar a nossa marca na sociedade.
Entendo perfeitamente o que dizes, porque há sempre duplos padrões na avaliação que se faz do que é suposto uma mãe fazer e um pai fazer. Mas a minha pergunta não era nesse sentido. Ia mais ao encontro do que sentes quando estás no terreno – já houve situações mais perigosas, em que sentiste medo – e, quando somos mães, temos que gerir outras emoções que também nos assolam nesses momentos, porque há alguém que depende de nós e que queremos voltar a abraçar.
Claro, desde que fui mãe que voltar para casa se tornou mais importante do que nunca. Mas diria que, em geral, no jornalismo que faço, nenhuma história vale uma vida. Sempre valorizei a minha vida e a segurança dos que trabalham comigo. Há muito planeamento antes de sairmos, muita experiência envolvida – já são 20 anos a trabalhar nestes mundos – mas claro que sei que há um certo nível de perigo que temos que ter em consideração quando fazemos estas reportagens. Mas há sempre um lado em mim que tem noção que o mais importante de tudo é voltar para casa, para o meu filho.
O Vasco faz perguntas e entusiasma-se com as histórias que vais descobrindo?
[Risos] Hum, quando a vida da tua mãe é fazer estas reportagens, achas interessante ao início, depois já é só mais do mesmo. Mas ele vê todas as minhas reportagens e dá-me feedback, diz-me o que acha, que perguntas achava que devia ter feito… É o meu maior fã e o meu maior crítico ao mesmo tempo. [Risos]