
A episiotomia é um corte realizado no períneo da mulher no momento do parto e que por muitos anos foi uma prática de rotina em hospitais e maternidades. Entretanto, atualmente a Organização Mundial da Saúde desaconselha a sua realização de forma “rotineira ou liberal”, num documento lançado em 2018 com as recomendações para uma experiência positiva de nascimento. A prática de rotina também mostrou-se ineficaz na prevenção de lacerações graves, conforme uma revisão bibliográfica realizada em 2017.
Conversámos com Joana Gouveia, fisioterapeuta pélvica especializada em saúde da mulher, sobre os riscos desta intervenção, o processo de recuperação pós-parto, e por que este é um tema importante na elaboração do plano de parto.
Na sua perspectiva como fisioterapeuta pélvica, no atendimento de grávidas e puérperas, considera a elaboração de um Plano de Parto importante?
Um plano de parto será sempre essencial em qualquer parto hospitalar. Mesmo que o plano de parto já tenha sido discutido com o/a obstetra ou médico responsável, a grávida deverá entregar o seu plano de parto no hospital no dia em que dá entrada em trabalho de parto ou mesmo antes. Até mesmo em caso de parto domiciliar a grávida tem sempre direito ao seu plano de parto.
Que tipo de preferências ou atividades podem estar incluídas num Plano de Parto, no intuito de um parto com menos intercorrências e consequências posteriores para a mulher?
Será fundamental mencionar a vontade de ter liberdade de movimentos, em todo o trabalho de parto, para que a biomecânica do corpo promova um parto o mais fisiológico possível e assim uma melhor recuperação no pós-parto. Após o parto mencionar por exemplo o contacto pele com pele com o bebé, devido aos inúmeros benefícios para mãe e bebé.
Somos todos diferentes, com necessidades, valores e ideais distintos. Interessa primeiramente as grávidas e seus acompanhantes de parto estarem informados, de forma a que possam escolher conscientemente o que incluir no seu Plano de Parto. O Fisioterapeuta Pélvico poderá ser um dos profissionais a ajudar a esclarecer as questões que surgem e orientar a grávida da melhor forma, mostrando opcões que se adequem a cada pessoa.
Da sua experiência no atendimento de grávidas e puérperas, considera que os planos de parto atualmente são respeitados nos partos em hospitais?
Infelizmente ainda existem relatos de pacientes que se sentiram injustiçadas e não respeitadas, devido a intervenções como a episiotomia ou a falta de liberdade de movimentos que estavam explícitos no Plano de Parto.
Mesmo as pacientes mais informadas sentem que elas próprias e os seus acompanhantes de parto têm de relembrar e repetir as suas preferências várias vezes durante o parto, por variados motivos. Saliento que a grávida terá sempre o poder de decisão.
Sobre a prática da episiotomia, mesmo sendo uma prática desaconselhada pela OMS, ainda atende muitos casos de mulheres que passaram por esta intervenção no parto?
Sim, cada vez menos. Mas ainda atendo alguns casos em que a prática de episiotomia foi realizada contra a vontade da grávida. Mesmo quando essa vontade é totalmente expressa verbalmente pela grávida durante o trabalho de parto e respectivo acompanhante de parto, além de estar mencionada essa vontade por escrito no seu plano de parto. Algumas pacientes chegam a apresentar queixa, outras relatam que situação foi difícil demais para relembrar e desistem de a realizar.
Quais são os danos ou consequências que a episiotomia pode causar para a mulher?
Está comprovado que a episiotomia não previne lacerações nem incontinência urinária. É um corte mecânico realizado com uma tesoura cirúrgica, portanto o oposto de uma laceração em que o corpo rasga naturalmente indo de encontro aquilo que o corpo solicita.
Além dos efeitos psicológicos, em que algumas mulheres relatam que se sentiram mesmo mutiladas.Um tecido cicatricial proviniente de uma episiotomia habitualmente demorará mais tempo a recuperar, ou seja irá necessitar de mais sessões tanto através da Fisioterapia Pélvica como pela própria puérpera em casa. O tecido cicatricial após uma episiotomia habitualmente tem mais rigidez, menos mobilidade e alterações de sensibilidade, o que traz mais impacto ao pavimento pélvico em geral, a nível urinário, defecatório ou mesmo na retoma da atividade sexual com penetração.
É mais difícil recuperar de uma laceração que acontece de forma natural durante o parto ou de uma episiotomia?
As puérperas que chegam até mim recuperam muito mais facilmente de uma laceração natural, principalmente não instrumentalizada com ventosas e/ou fórceps, em comparação a uma episiotomia. Necessitando de menos sessões de Fisioterapia Pélvica que as puérperas que foram sujeitas a uma episiotomia.
Não desejar uma episiotomia pode ser um dos itens a incluir num Plano de Parto?
Sem dúvida. Este tópico pode e deve estar presente no Plano de Parto de qualquer grávida.
Cheguei mesmo a atender uma grávida que no seu Plano de Parto de 2021 escreveu que preferia passar por uma intervenção de um Parto por Cesariana do que passar por mais uma recuperação de uma nova Episiotomia. Esta grávida de “segunda viagem”, já tinha um filho de 6 anos. Mesmo passados este 6 anos a senhora relatou nunca esquecer a sua recuperação desafiante e de como influenciou a sua vida intima, sexual, a percepção corporal e a sua própria auto-estima.