Entrevista com Victor Rodrigues
Na edição de Setembro da Activa para o artigo, "Não se sinta mal por estar triste", falámos com o psicólodo Vítor Rodrigues. Leia aqui a entrevista na íntegra.
Vivemos numa sociedade mais feliz?
Num workshop onde estive há algum tempo atrás, um mestre budista dizia que havia uma previsão que o quinto Buda estaria para chegar, mas que iria ter problemas em lidar com a sociedade actual, porque as pessoas andavam felizes e não iam ligar à mensagem. Isto exprime muito bem o que se passa actualmente, em que as pessoas se tornaram uma espécie de patetas-alegres. Não é felicidade real, é distracção, é um gozo passageiro e um hedonismo de superfície. Quase diria que são drogas de vários tipos: substâncias, espectáculos, compras.
A tristeza é então natural?
As emoções básicas do ser humano são a tristeza, alegria, aversão, medo, ira e espanto. Se sobreviveram desde a Pré-história até agora é porque devem ter as suas funções. Quando pensamos na tristeza, verifica-se que há quatro vezes mais depressões entre os escritores do que entre a população em geral e encontramos pessoas que são tristes e criativas e, curiosamente, por vezes o momento criativo alia sofrimento e alegria, um pouco como as dores de parto.
Qual é então a função da tristeza?
A tristeza puxa-nos para fora e interioriza-nos, enquanto a alegria nos leva para fora e conduz à acção. Os momentos de tristeza são muitas vezes momentos de paragem para deitarmos contas à vinda, para pararmos e nos aprofundarmos. Há uma função essencial associada à tristeza.
A ânsia de felicidade pode ser encarada como uma fuga ao confronto interior?
Sem dúvida; há muitas pessoas que fogem a esse confronto como o demónio da cruz, até porque ao fazê-lo encontram dores e problemas a resolver. Mas muitas vezes a recompensa desse confronto pode ser muito grande, pois a mudança está do lado dessa interiorização.
Quando há motivos para preocupação?
Quanto a tristeza se torna depressão, aí é patológica e negativa. Quando a pessoa não consegue alterná-la com estados de alegria, quando é a emoção dominante na sua vida, impedindo-a de viver e de estar com os outros, aí deve ser combatida porque se torna um bloqueio, que rouba as reacções e conduz à apatia. Mas isso acontece com qualquer outra emoção que, ao ultrapassar as doses equilibradas, nos começa a fazer mal. Mas também vivemos numa sociedade que não sabe lidar com as emoções, que constituem um aparelho necessário na vida, de conhecimento e de resposta ao ambiente externo e interno muito importante. As emoções motivam a acção mas também são instrumentos para avaliação imediata dos acontecimentos.
Como o medo: se não sentíssemos, não estaríamos alerta para os perigos?
"Exactamente. E se não sentíssemos alegria não apreciávamos a vida. Da mesma maneira há emoções que parece estar mais ligadas à resposta rápida ligada à sobrevivência, como a aversão, o medo e a ira, mas da mesma maneira há emoções que parecem ligadas a uma certa paragem para aprender, como a tristeza, que se torna criativa e nos ajuda a crescer. Da mesma moda que a alegria nos acelera, a tristeza trava-nos e mergulham nos na direcção do interior. Por isso a tristeza não só não é negativa em si, como é extremamente necessária e produtiva. Não podemos prescindir de estar tristes. Em termos psicológicos é uma fonte de mudança, de criatividade e de auto-consciência.
Mas esse não é de forma alguma o discurso vigente… As pessoas acreditam que estar tristes não é normal.
Nós vivemos numa sociedade consumista, orientada por imperativos económicos de apelo ao consumo e geralmente consome-se mais se as pessoas estiverem naquela alegria meio pateta. Interessa aos grandes meio manter a impulsividade, à qual a tristeza é contrária, do que promover um contacto com as suas verdadeiras necessidades.
As pessoas devem mimar os estados de tristeza?
Até certo ponto sim. Devem aceitá-los e considerá-los como uma emoção natural que lhes trás alguma coisa."
E quando nos sentimos tristes sem causa aparente?
Ai justamente é preciso procurar a causa. Normalmente a tristeza produz introspecção porque sendo um desconforto nos leva a tentar percebê-lo. Por vezes, a tristeza serve de um aviso para a pessoa procurar a causa, porque alguma coisa está mal. Assim como a tristeza está associada à perda, também está associada à perda de nós próprios.
Mas também fugimos da tristeza dos outros…
Às vezes e quase o receio do contágio. É um pouco como se passava com os leprosos na Idade Média. Por um lado desconfia-se da tristeza, pensa-se que pode conduzir à perda do contacto com a realidade, mas por essa ordem de ideias podemos dizer o mesmo da alegria. Vamos para a discoteca, bebemos, drogamo-nos, no fundo são alegrias falsas, são agitações momentâneas, não são aquela alegria da alma, profunda, que têm a ver com a nossa harmonia interior.
A dessacralização da sociedade ajudou a este hostilizar da tristeza?
O catolicismo promovia a culpa com muita facilidade, apresentava a vida terrestre como um mergulho no vale do pecado e das lágrimas, havia um cultivar da dor e da tristeza, o que dava jeito para vender céus. Em parte o culto desta alegria passageira é uma reacção a esse tempo.
As mulheres têm mais facilidade em lidar com a tristeza?
As mulheres têm socialmente mais permissão para estarem tristes. Os homens têm direito basicamente a estarem zangados, não tristes ou apaixonados. Por isso o sexo m
feminino tem mais inteligência emocional porque lhes é permito viver as emoções. No caso dos homens temos ainda uma herança vetusta que remonta ao tempo das cavernas em que o homem perdia um filho e não podia ficar inactivo, porque dai resultava a sobrevivência da mulher e dos outros filhos.
Não há excessiva facilidade na forma como as pessoas tomam anti depressivos?
Há uma cultura pseudo cientifica que nos leva a pensar o ser humano como uma máquina biológica que precisa de reparações de vez em quando e que quando se afasta de certas normas, precisa de fármacos para corrigirmos o humor e ficarmos todos iguais uns aos outros. E então cai-se num certo facilitismo e os próprios médicos acabam por se deixar guiar pelos imperativos comerciais de alguns interesses e pela ideia vigente de que, se um médico não receita nada, é um mau médico. Por vezes, é mesmo o contrário os melhores são mesmo aquele que evitam a medicamentação.