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Se nos últimos tempos tem a sensação que o cancro é cada vez mais comum, levando inclusivamente a mortes mais precoces, saiba que isso não é fruto de atenção selectiva, muito menos da sua imaginação.
As doenças oncológicas duplicaram nos últimos trinta anos do século vinte e estima-se que tripliquem até 2030, atingindo cerca de 15 milhões de pessoas.
Claro que o aumento da esperança média de vida contribui para estes números, já que há mais tempo para um cancro se desenvolver, sobretudo aqueles que têm maior incidência na velhice, como o da próstata. Mas a principal causa não é esta, até porque os cancros afectam cada vez mais pessoas jovens. “Não é por acaso que antigamente fazíamos os primeiros rastreios do cancro da mama aos 45 e agora estamos a fazer aos 40. A tendência é para fazê-lo cada vez mais cedo, porque começam a aparecer muitas mulheres na casa dos 20 com cancros destes”, revela o oncologista José Manuel Silva Couto, do IPO de Coimbra.
Também não podemos apontar o dedo aos factores genéticos, que, segundo o coordenador da Unidade de Oncologia da Cuf Descobertas João Paulo Fernandes, estão na origem de apenas 10% dos casos de cancro. Restam os factores ambientais, que aparecem cada vez mais como os verdadeiros culpados. Se é assim, o que é que andamos a fazer de errado?
Uma doença dos tempos modernos
Há um cancro adormecido em todos nós. É assim que o médico David Servan-Schreiber começa o livro que se converteu em best-seller e onde conta a sua própria história, desde que descobriu que tinha um tumor cerebral (‘Anti-Cancro – Um novo estilo de vida’, Caderno Editora). Ao mesmo tempo que usava a medicina convencional para curar o seu tumor, David Servan-Schreiber procurava respostas em todos os ramos da ciência para os mistérios do funcionamento do sistema imunitário, nomeadamente as razões da sua debilidade nos tempos modernos.
Encontrou três factores-chave que desenvolve no livro: a alimentação, as toxinas ambientais e os factores psicológicos.
Não são propriamente novidade, mas o certo é que, apesar de os oncologistas referirem o estilo de vida e a alimentação como elementos importantes na prevenção do cancro, fazem-no de uma forma genérica. “Evitar o tabaco e o excesso de álcool, fazer uma alimentação mediterrânica e exercício físico regularmente.” Não há nada parecido com um aconselhamento nutricional anticancro para os doentes oncológicos.
A falta de estudos conclusivos, feitos em larga escala com humanos, relativamente ao poder anticancerígeno dos alimentos é uma das razões apontadas. Talvez porque são caros e suportar investigações sobre as virtudes dos brócolos não traga uma recompensa financeira directa aos financiadores farmacêuticos habituais, sugere Servan-Schreiber. Quanto às toxinas ambientais – os milhares de químicos com que convivemos desde a industrialização -, o seu efeito é cumulativo e pode surgir décadas depois, o que torna difícil estabelecer a relação causa-efeito. Apesar disso, alguns estudos começam a fornecer pistas sobre o caminho a seguir que não devíamos ignorar
Comer para prevenir
A epidemia de cancro, como lhe chama Schreiber, começou depois da Segunda Guerra Mundial, quando se deram alterações cruciais nos processos agrícolas, nomeadamente com a exposição a um grande número de químicos que não existiam até então.
O processamento industrial dos alimentos e a utilização em massa do açúcar refinado alterou por completo os hábitos alimentares, favorecendo o aparecimento do cancro. Assegura que alimentarmo-nos melhor, reduzindo o açúcar, por exemplo, pode fazer a diferença. A falta de provas conclusivas leva a maioria dos médicos a considerar este tipo de aconselhamento especulativo. Como Nuno Costa, oncologista da Novartis Oncology, que assegura não haver estudos credíveis que o justifiquem. Muito menos relativamente ao açúcar. “No cancro são conhecidas algumas vias que envolvem a ‘desregulação’ dos açúcares.
Aceita-se que a obesidade contribui para o risco de cancro da mama, por exemplo, porque está demonstrado que é nas células adiposas que a ‘gordura’ é transformada em estrogénios que, quando em excesso, podem facilitar (mas não causar) o aparecimento do cancro da mama hormonodependente. Mas nem todos dependem desta via metabólica para aparecer. Nem está provado que a redução do açúcar tenha efeitos na prevenção do cancro”, diz.
Os conselhos de Schreiber, para prevenir o cancro são:
• Elimine o açúcar e farinhas refinadas. Em 1830 comíamos cerca de 5kg de açúcar por ano. Em finais do século XX já estávamos nos 70kg/ano. Schreiber aconselha uma redução drástica destes açúcares como forma de dificultar o aparecimento de cancro.
• Evite comer doces entre as refeições. Bolos, bolachas e refrigerantes são alguns alimentos com elevado índice glicémico, que provocam picos de insulina, fazendo subir rapidamente os níveis de açúcar no sangue. Isto acontece sobretudo se consumidos fora das refeições.
• Prefira arroz e pão integrais e consuma mais legumes e leguminosas (feijão, ervilhas, lentilhas) de índice glicémico mais baixo.
• Reduza os lacticínios e a carne de animais alimentados com ração. O nosso equilíbrio fisiológico depende muito do equilíbrio entre os ómega 6 e ómega 3 – e, portanto, da alimentação, já que o corpo humano não é capaz de produzi-los. Este equilíbrio alterou-se nos últimos 50 anos, quando passámos a alimentar o gado com milho, trigo e soja – muito ricos em ómega 6, mas pobres em ómega 3 – em vez de pasto, diz Schreiber. Acontece que este excesso de ómega 6 estimula os processos inflamatórios do organismo que, por sua vez, favorecem o aparecimento de alguns cancros, nomeadamente os relacionados com processos inflamatórios crónicos, como o do colo do útero, estômago, cólon e fígado. Basicamente, “as células cancerosas alastram segregando substâncias que criam uma inflamação local que estimula ainda mais o seu crescimento”.
Ao contrário do que acontece nas infecções normais, em que a produção de substâncias inflamatórias pára quando o tecido está reparado, no cancro, esta produção é contínua, acabando por bloquear o funcionamento do sistema imunitário. Podemos ajudar o organismo, promovendo o equilíbrio entre ómega 6 e 3, o que passa por limitar carne e lacticínios de animais alimentados com ração de milho, trigo e soja e aumentar as fontes de ómega 3, como peixes gordos (salmão, sardinhas, anchovas, cavala), abacate e nozes
Combater a poluição invisível
Lidamos todos os dias com uma quantidade gigantesca de químicos inexistentes há um par de décadas. Basta ver que a produção anual de químicos sintéticos aumentou de um milhão de toneladas em 1930 para 200 milhões actualmente. Muitos são disruptores endócrinos, isto é, têm o condão de imitar as hormonas, um problema quando se sabe que há muitos cancros hormonodependentes. E estão em todo o lado: herbicidas, pesticidas, plásticos, e até nos produtos domésticos e de beleza. Não podemos evitá-los a todos, mas por isso mesmo é cada vez mais importante assumir responsabilidade pelo que consumimos, saber de onde vem, o que contém, aprender a ler os rótulos. A boa notícia é que, mesmo com químicos, um sistema imunitário forte consegue neutralizar os maiores perigos.
Um duelo com o sistema imunitário
O organismo produz constantemente células defeituosas, e este é o ponto de partida dos tumores, mas também está equipado com um mecanismo que detecta e controla essas células, impedindo-as de se multiplicarem: o nosso sistema imunitário. Se uma em cada quatro pessoas morre de cancro, três não chegam a desenvolvê-lo graças à actuação das suas defesas naturais.
Um bom exemplo é a comparação da taxa de cancro da próstata no Ocidente e no Oriente. É muito menor no Oriente, no entanto, a próstata dos asiáticos que morrem antes dos 50 de outras causas revela a mesma quantidade de microtumores pré-cancerosos dos ocidentais, o que parece indicar que algo no seu estilo de vida evitou esse desenvolvimento. Por outro lado, a taxa de cancro dos japoneses que vêm viver para o Ocidente torna-se igual na segunda geração, o que leva a crer que há algo no nosso estilo de vida que enfraquece as nossas defesas.
Os tumores agressivos que deixam de evoluir sem explicação aparente continuam a espantar os cientistas. “O corpo consegue agrupar as defesas e neutralizar o avanço do cancro”, explica o oncologista José Manuel Couto. Parece que qualquer factor pode ser crucial na promoção de um tumor. Neste duelo vence o mais forte. “O problema é que temos cada vez mais factores perturbadores do nosso sistema imunitário.”