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O Dia Mundial de Luta Contra o Cancro celebrou-se a 4 de fevereiro, mas quando se ama alguém doente todos os dias são dias de luta – não só para a pessoa mas para os que estão junto dela. Problema: muitas vezes, não sabemos qual é a melhor maneira de ajudar na batalha: Falamos? Não falamos? Tentamos animar? Choramos com ela? O que é que fazemos?
“Quando a minha melhor amiga foi diagnosticada com cancro no útero, fiquei tão revoltada como ela”, conta Ana Barros. “Éramos amigas desde a escola primária, mas de repente foi como se a nossa amizade desse um passo atrás. Eu não sabia o que lhe dizer, tinha medo que ela lesse nos meus olhos o choque que eu sentia, tinha medo que ela me desatasse a chorar nos braços.”
Foi uma etapa que durou pouco: “Houve uma altura em que percebi que aquilo era ridículo, porque ela continuava a mesma de sempre: até a cabeleira era bastante parecida com o cabelo natural dela. Ela contava-me todas as sessões de químio que fazia com a maior franqueza. Por isso, voltámos a fazer a nossa vida normal. Saíamos menos, porque ela estava mais cansada. Mas ela ensinou-me como queria ser tratada: como sempre. E foi isso que continuámos a fazer até ela ficar curada.”

No melhor e… no pior
Ainda mais próximo que os amigos estão os maridos: mas também entre os homens há quem se aguente bem na tempestade. É o caso de José Barreto, 71 anos, alentejano e professor reformado. Se há alguém perseguido pelo cancro da mama, é este homem. E se há alguém que desde cedo se habituou a ser o amparo das mulheres da sua vida, é a mesma pessoa. 
Quando a mãe descobriu que tinha cancro da mama, José tinha apenas 20 anos. Pouco mais que um adolescente, tornou-se o apoio da mãe. “O pior eram as conversas”, recorda. “Ela desabafava tudo comigo, e passava o tempo a lamentar-se que já não ia viver para ser avó. Tentei apoiá-la com carinho e dar-lhe esperança. O meu pai, embora fosse muito amigo, nunca esteve por dentro dos tratamentos e dos medos dela.”
O apoio parece ter ajudado e a mãe curou-se mas 10 anos depois o cancro voltou. “Tornámos a passar pelo mesmo. Ela tornou a vencer e não só viveu como chegou aos 92 anos.”
A primeira mulher, Teresa, não teve a mesma sorte. “Fui muito feliz com ela durante 30 anos. Mas o cancro levou-a em 8 meses. O meu filho estudava na altura em Coimbra, e havia a tradição de as mães cortarem um pedaço da capa dos filhos. A minha mulher já nem para isso teve forças. Falámos da possibilidade de ela morrer, porque a situação dela foi muito má desde o princípio. Ela ficou assustadíssima. Em casa já não havia nenhuma janela aberta porque ela não suportava a luz.”
Mesmo assim, José não esmoreceu: “Revezava-me com a minha filha para haver sempre alguém com ela, e ia sempre aos tratamentos. Tudo parecia contra nós: a médica era bruta. Dizia-lhe coisas como, “Amanhã vá já comprar uma peruca porque o cabelo vai cair todo.” O cabelo não ia cair de um dia para o outro! E depois o drama das viagens até ao hospital era uma tristeza imensa, e eu tinha de lutar contra isso.”

A vida tem de voltar ao normal
Tornou a encontrar a felicidade ao lado de Alda: e anos depois, também ela é diagnosticada com cancro da mama. “Claro que eu por esta altura já tinha um doutoramento em cancro da mama”, ri José. “Com Alda, a primeira coisa que lhe ofereci quando ela soube que tinha cancro foi um computador. Ela ficou mais distraída e os tratamentos eram mais fáceis de aguentar.”
Ele próprio confessa detestar internet, mas reconhece que a Net foi uma aliada no apoio à mulher: “Ela ficou em contacto com várias mulheres que tinham o mesmo problema, e isso deu-lhe um apoio imenso e a noção de que o cancro não é sinal de morte mas de esperança.” 
O cancro levou-lhe um dos peitos, mas o casal não perdeu a alegria e dedicou-se a montar uma peça de teatro, com outras sobreviventes, que em dois anos correu o país. 
“Mas também não lhe posso dar muitos mimos senão estrago-a!” (risos). “As mulheres são muito perigosas, mesmo quando estão doentes. Não se pode fazer tudo o que elas querem, embora o apoio seja fundamental. Mas nunca lhe chamei coitadinha. Isso fragiliza a pessoa ainda mais. A partir de determinada altura, a vida tem de voltar ao que era, o mais normal possível. Porque andar a apaparicar a pessoa é mau sinal. É sinal de que a pessoa está doente. E eu não queria que elas se sentissem doentes. Queria que se sentissem com forças para lutar. E agora tenho de a tratar de igual para igual para ela saber que está bem, que está curada.” 

Lidar com o sofrimento
Sofia Sousa Abreu é coordenadora do ‘Movimento Vencer e Viver’, teve cancro da mama, e também teve um marido dedicado. “Apoiava-me de várias maneiras: estando comigo, indo comigo às consultas, e principalmente, ouvindo-me”, recorda. “O tempo para nós falarmos e desabafarmos é muito importante. Porque há muitos medos nessa altura, e têm de ser partilhados e vividos com alguém que nos ama.”
Do seu tempo de sofrimento recorda que nem todas as pessoas eram capazes de ouvir. “As pessoas fecham-se. É uma proteção, porque ouvir o que os outros estão a sofrer faz-nos sofrer também, e nós não estamos habituados a lidar com isso, nem com o nosso sofrimento nem com o dos outros. Principalmente quando estamos ligadas afetivamente à pessoa, é muito complicado lidar com as suas angústias e os medos, porque nos sentimos sem capacidade para minimizar isso.” 
Pensamos, não posso fazer nada para ajudar… “Mas podem. Não podem tirar-nos o cancro ou diminuir-nos o medo de morrer. Mas podem estar ao nosso lado e dar-nos força.”
É mais fácil falar com alguém que já passou pelo mesmo? “Depende. Nem toda a gente que teve cancro quer falar sobre isso ou está preparado para ouvir os outros. Porque nós temos de estar muito bem connosco para conseguir ouvir os outros sem nos deixarmos ir abaixo e sem nos estarmos sempre a comparar e a dizer ‘quando eu fiz…’ – os outros não querem ouvir sobre mim, a não ser que as ajude. ‘Eu também fiz químio mas o meu cabelo cresceu’ ajuda outra pessoa. Mas não estou lá para desatar a falar sobre todas as químios que fiz.” 
O que mais a irritava que lhe dissessem? “‘Vais ficar bem’. Ou ‘Ai mas tu não estás com ar doente’. As pessoas são muito dramáticas. Muitas vezes até estamos a reagir bem mas temos de ser uns coitadinhos.”

Que significa apoiar?
“Geralmente, temos uma ideia errada do que significa apoiar”, reforça Isabel Nabais, psicóloga clínica do serviço de oncologia do hospital Cuf Infante Santo. “Pensamento positivo e esperança não significam aquela frase ‘vais ver que não há de ser nada. Ninguém pode dar essa certeza, nem um médico! Portanto, dizer que não vai ser nada é visto pela pessoa como uma agressão.”
O mais importante quando se está perto de uma pessoa com cancro é manter o registo de funcionamento da normalidade. “Dantes vivíamos no silêncio e no medo das palavras, havia assuntos que não se discutiam, tínhamos muito medo de ofender a outra pessoa. Mas tem de haver espaço para aquilo que o outro quiser partilhar. Há que ser realista e seguir a intuição para perceber o que é que a pessoa quer. Há pessoas que precisam de desabafar e há as que não querem falar, estão num tal turbilhão interior que nem elas sabem encontrar as palavras. E é preciso respeitar este silêncio.”
Não sabe o que dizer? Não se aflija: o mais importante é estar presente. “Podemos não saber encontrar as palavras certas, mas podemos dar calor e afeto. E podemos ajudar nas coisas práticas: oferecermo-nos para acompanhar num dos tratamentos, ir com ela tratar dos aspetos mais práticos, como comprar a cabeleira, por exemplo, descobrir onde se colocam sobrancelhas falsas. São essas pequenas coisas que devolvem à pessoa a sua dignidade, e estar presente nesses momentos é uma grande ajuda.”
É óbvio que tudo isto tem de ser gerido numa perspetiva realista. “Ser amigo é ter a capacidade de chorar com a pessoa, se for preciso, ou de lhe dar um murro e dizer  ‘Reage!’. Mas é preciso estar perto da pessoa, conhecê-la, perceber como ela está.” Ser amigo também é viver em conjunto a raiva e a tristeza, em vez de fechar a porta porque nós próprios não sabemos ou não queremos lidar com isso. Ou seja, ser amigo é estar próximo. “Não podemos fingir que nada se está a passar. Mas a seu tempo, temos de ajudar a pessoa a retomar a normalidade.”

O que NÃO dizer: 

– Vais ver que não vai ser nada
– Isso passa
– Estás com mau aspeto
– És tão corajosa, vais ver que vais conseguir
– Eu fiz quatro sessões de químio, foi muito pior
– Temos de ser otimistas e pensar positivo

O que pode dizer:

– Se quiseres falar, estou aqui
– Se precisares de alguma coisa, diz
– Nem faço ideia do que estás a passar, como é que está a ser?
– Que tratamentos estás a fazer? 
– Olha, nem sei o que te dizer…

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