A atriz Bette Davis dizia que envelhecer não é para fracos. E não viveu a era da selfie… Tentar parecer mais jovem por todos os meios é uma opção, mas há cada vez mais mulheres a assumir as marcas da sua idade.
Vamos todos envelhecer: o que, como dizem os humoristas, não é mau considerando a alternativa… Mas a passagem dos anos vai deixando marcas visíveis, com as quais, graças ao aumento da longevidade, vamos ter de viver metade da nossa vida. E com toda a gente a assistir em direto nas redes sociais, o que pode ser um desafio à autoestima, sobretudo para as mulheres. Porque a verdade é que o George Clooney aparece com o cabelo grisalho e rugas e está mais sexy e desejável do que nunca, mas a Sarah Jessica Parker mostra que envelheceu os 24 anos que passaram desde ‘O Sexo e a Cidade’ e cai-lhe o mundo em cima porque “se desleixou”. “A sociedade ainda é substancialmente mais exigente com a corporeidade feminina do que com a masculina”, confirma Cristina Santos, doutorada em sociologia na área do consumo e professora de Publicidade na Universidade Lusófona. “Nós somos mais ansiosas, mais descontentes e mais exigentes com a nossa corporeidade, temos menor autoestima e isso deixa-nos mais fragilizadas em relação a concepções já cristalizadas e enraizadas na sociedade relativamente à aparência. Existe uma trilogia conceptual relativamente à corporeidade feminina: a beleza, a magreza e a juventude.” E nesta trilogia, beleza e juventude ainda estão indissociavelmente ligadas, naquele que é um dos últimos preconceitos sociais em relação às mulheres.
Idade e beleza
Num ensaio no Huffington Post, já com uma década mas que infelizmente não perdeu atualidade, Oprah Winfrey dizia que “uma das mentiras em que acreditamos, e que praticamos e reforçamos, é que envelhecer é ficar mais feia. E a partir daí julgamo-nos a nós e aos outros, tentando agarrar-nos ao que éramos.” E com a cosmética, a cirurgia e a medicina estética a prometer-nos a juventude, é fácil pensar que a única opção em relação aos sinais do envelhecimento é apagá-los. O que é uma opção perfeitamente válida, diga-se, desde que seja feita por uma questão puramente pessoal, de bem-estar e autoestima, e não para agradar a alguém ou ser socialmente mais aceitável. Juventude e beleza não são sinónimos, mas a sociedade quer fazer-nos acreditar que sim.
A luta continua… ou não
“O que é bonito vende mais facilmente e a beleza está associada à juventude. Se repararmos nas narrativas publicitárias nessa área, muitas vezes existe um discurso bélico”, diz Cristina Santos. “O conceito da juventude é muitas vezes conceptualizado metaforicamente como uma guerra: a luta contra o envelhecimento, combata os efeitos do tempo, o sol é o principal inimigo da sua pele, a batalha contra o aumento das rugas… Se repararmos, isto é tudo um discurso que faz com que o envelhecimento seja um inimigo a atacar. A indústria da cosmética também vive muito disso, há aqui um pouco a síndrome do Peter Pan, do eternamente jovem.”
Mas toda esta pressão está a gerar um movimento em sentido contrário, de aceitação do envelhecimento como um processo natural que faz parte da vida e não tem de ser apagado. Não é fácil porque, como diz Cristina Santos, “é difícil garantir esta liberdade e acharmos que o que vemos no espelho não afeta a nossa autoestima. Não basta sentirmo-nos bem, porque esta questão identitária é sempre dual, é o que eu acho sobre mim, mas a opinião dos outros também contribui para essa formação identitária. Mas está provado que, com a idade, as inquietações corporais começam a desvanecer-se, porque as mulheres sentem menos pressão para essa idealização corporal”. E isto é verdade mesmo nesta era de redes sociais e de prevalência da imagem. “Tanto que, normalmente, uma mulher que assume essa posição é aplaudida. As marcas que assumem essa posição são aplaudidas. Há cada vez mais recetividade à aceitação e valorização das imperfeições corporais, sendo que a idade é vista como uma imperfeição corporal pela sociedade. Existe uma maior libertação para essa pluralidade e para as mulheres assumirem a sua idade. E tende-se a aplaudir as mulheres que assumem e que evitam a camuflagem da idade. Mas também se aplaudem as outras… Quando eu sigo influencers pode ser por diversos motivos: umas pode ser no sentido da identificação porque me representam, outras no sentido aspiracional porque me fazem sonhar.”
Uma nova forma de envelhecer
Segundo a ONU, no final deste século a maioria da população mundial terá mais de 65 anos. A velhice e os seus sinais tornar-se-ão mais comuns e, naturalmente, mais aceitáveis. “O que é hoje a exceção, que são mulheres que assumem as suas rugas e os seus cabelos brancos, creio que daqui a uns anos vai ser a regra”, diz Cristina Santos. “Claro que, com as redes sociais, vai demorar um pouco mais, as pessoas preferem sempre seguir as mulheres e os lifestyles que as fazem sonhar. Vivemos na dualidade de assumir o nosso eu que é decorrente da passagem do tempo, mas por outro lado ambicionamos que o tempo não passe. As gerações seguintes já vão achar normal uma mulher assumir a sua idade. A sociedade exige representatividade. Até agora as imperfeições, e a velhice era considerada uma imperfeição, não tinham palco, hoje em dia caminhamos para a visibilidade. Vemos estas mulheres mais velhas representadas na publicidade, nas telenovelas, nos filmes… Acredito que daqui a uns anos as mulheres vão ter orgulho nas suas rugas, no que cada uma delas representa, a experiência de vida. Mas este é um processo longo…”