Para nota introdutória, podíamos começar por dizer que Hector Bellerín é futebolista e o novo reforço do Sporting. Porém, este espanhol de 27 anos é bem mais do que a sua profissão. É, na verdade, o seu olhar perante a vida e as pessoas, e a sua postura empática, atenta e nada centrada em si próprio que o torna numa figura ímpar no mundo do futebol.
Parte dessa postura teve a sua origem aos 16 anos, quando Hector saiu de casa dos pais, em Espanha, para ir jogar para o Arsenal, clube de Londres onde o futebolista acabou por crescer. Foi na capital britânica que tomou contacto com a multiculturalidade e com a riqueza dos vários hábitos culturais que nela habitam. Este contacto diário fê-lo estar aberto e consciente para as diferenças de tratamento com base na cor da pele, sendo hoje uma voz ativa contra o racismo. “É tudo educação. Ao viver em Londres, vi um país muito avançado nestes temas. Não percebemos quando estamos a ser racistas, mas inconscientemente podemos chegar a sê-lo”, disse numa entrevista à Catalunya Radio, onde acrescentou, a propósito das muitas desigualdades que pautam a nossa sociedade: “Vivemos num patriarcado. Há machismo em todo o lado, o futebol sempre foi uma coisa de homens”.
Nesta sua luta por uma sociedade mais justa e igualitária, não há temas tabu. Nem causas menores. Nas sua preocupações tanto cabe a luta LGBTQIA+, como a guerra na Ucrânia. “Custa-me ver que estamos mais interessados nesta guerra do que noutras. Não sei se é porque eles são mais parecidos connosco ou porque o conflito nos pode afetar mais economicamente ou com os refugiados. A guerra na Palestina é completamente silenciada, ninguém fala sobre isso. Iémen, Iraque, o mesmo… Fizemos vista grossa a tudo o resto e custa-me muito que só se dê importância a estas coisas quando há esta narrativa”, sublinhou numa entrevista ao La Media Inglesa, tendo escrito no Twitter: “Também devemos estar atentos e educar-nos sobre outros conflitos que estão a acontecer à nossa volta, sobre a quantidade de dor provocada por outras violações dos direitos humanos e sobre outros que também estão a perder os seus entes queridos e a sua segurança”.
Apaixonado por literatura – gosto que ganhou do pai – por moda e sustentabilidade, o atleta destaca-se pelo seu estilo e vibe retro. Desde que se tornou vegan, em 2017, que começou a ganhar maior consciência sobre a moda sustentável e, neste momento, tudo o que compra é em segunda mão. Além disso, vendeu 85% da sua roupa. “Há dois anos que não compro roupa nova. Há um rush psicológico quando compras algo novo, mas só dura uns dias. Estou muito orgulhoso por ter acabado com essa dinâmica”, partilhou, numa entrevista que concedeu à GQ espanhola, revista da qual foi capa e que o considerou o futebolista com mais estilo.
Fotos DR
Também o gosto pela moda lhe veio da sua família, já que, como diz, cresceu entre bolas e máquinas de costura, uma vez que os avós maternos tinham uma pequena fábrica de roupa, onde a mãe também trabalhava. Hoje é ele que se une a marcas para criar coleções sustentáveis, como fez com a H&M, ou desfila nas maiores semanas de moda. “Antes gastava muito dinheiro em moda. Chegas jovem ao futebol, entras num balneário cheio de coisas que valem muito dinheiro e também as queres ter para sentires que fazes parte desse ambiente. O primeiro que fiz quando aterrei num balneário com profissionais foi comprar um necessaire da Gucci”, contou numa entrevista, referindo-se à bolha em que os futebolistas vivem. Uma bolha criada pelos valores astronómicos que recebem, e que também se perpetua nos carros que escolhem. Mais uma vez, também aqui Hector Bellerín foge à regra. O jogador tem um Tesla e um Smart, ambos elétricos, que vão ao encontro dos comportamentos ambientais que adotou há vários anos. Quando não anda de carro, usa uma bicicleta ou anda de metro.
Muito ligado à família, o atleta gosta de manter os pés bem assentes no chão e de não se alhear da realidade. Já confessou que, muitas vezes ao crescer, via os pais a lutarem para chegarem ao fim do mês com algum dinheiro, pelo que, apesar da sua situação confortável atual, faz questão de perceber como estão os seus à sua volta. “Gosto de ter conversas sobre temas interessantes com os meus pais e amigos, e saber sobre o seu dia”. Desta forma, não vive numa bolha onde os problemas reais não lhe dizem nada.
A forma cool como aborda qualquer assunto, sempre com a seriedade necessária, é a mesma com que fala sobre saúde mental. Enquanto estava no Arsenal, fez terapia durante dois anos, mas admite que este é um tema ainda “estigmatizado” no futebol”.
O seu lado criativo está em constante ebulição e Hector encontra no desenho, na fotografia e na cerâmica outros interesses e paixões. Na música, os seus gostos passam pelo jazz, pela música dos anos 80, pelo flamenco e a salsa.