“O teu cabelo parece a estrada para a minha casa”. Eu andava na escola primária quando ouvi este comentário, vindo de um colega branco, sobre as minhas tranças corridas. Se a memória não me falha, foi a primeira vez que senti vergonha do meu cabelo natural – e o motivo para evitar esse penteado durante a minha infância e adolescência.
“Ah, mas é só cabelo. É assim tão importante?” Sim! Durante muito tempo, os padrões de beleza ocidentais foram os grandes responsáveis pelo facto de o nosso cabelo, especialmente as texturas mais crespas, ser ridicularizado e alvo de microagressões que exalam, no mínimo, ignorância.
“O teu cabelo parece um esfregão de arame”; “Como é que consegues lavar isso“? Deve dar muito trabalho” e “O teu cabelo é demasiado étnico para este trabalho” são apenas alguns exemplos de reações ouvidas aqui, em Portugal, por mim e por pessoas próximas.
Um problema global
Lá fora, infelizmente, é comum que um indivíduo seja considerado “pouco profissional” e chegue a perder oportunidades de trabalho por conta de algo que parece ser tão insignificante. A 15 de setembro de 2016, por exemplo, o estado do Alabama aprovou uma lei que permite que as empresas neguem empregos a pessoas com rastas.
Exatamente um ano depois — não é coincidência — a ativista Michelle de Leon viu os seus esforços no sentido de criar um Dia Mundial do Afro reconhecidos pelo Escritório do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Nascia assim uma data comemorativa que, para além de celebrar os cabelos naturais de pessoas negras e mestiças, pretende educar, consciencializar e promover a mudança de mentalidades.
“Temos de explicar ao mundo que o cabelo afro merece tanta liberdade e qualidade quanto qualquer outro tipo. Que o nosso cabelo não devia ser esta luta, esta batalha, esta área de discriminação”, disse Michelle ao site Stylist.
Rumo à aceitação
Graças à nova vaga de ‘naturalistas’ e ao momento de promoção do amor-próprio que vivemos (e que está a ser adotado pelas indústrias da moda e da beleza), as novas gerações vão crescer com os conceitos de diversidade e representatividade bem mais presentes do que a minha.
Contudo, ainda há muito trabalho pela frente. Prova disso é que um estudo recente realizado nos EUA evidencia que os cabelos naturais, quer sejam fartas cabeleiras afro, tranças ou rastas, criam dificuldades para conseguir uma entrevista de emprego, perpetuando a discriminação racial.
Portanto, sim, o Dia do Cabelo Afro é necessário e não deveria incomodar ninguém. E sempre que me perguntarem “Mas isto é assim tão importante?”, a minha resposta será sim. Sim, especialmente enquanto este ainda for um dos aspetos da luta pela igualdade.