Durante a minha infância e pré-adolescência, quando me diziam que eu era “branca por dentro”, entre outras parvoíces, eu lembro-me de sentir um peso enorme no peito. Era como se algo não estivesse certo, mas eu não percebia o quê (ou porquê). Não me pareciam elogios, mas eram ditos com tanta simpatia que me deixavam confusa. Portanto, a solução que encontrei foi fazer um sorriso amarelo e desconversar.
Com o passar do tempo, descobri de onde vinha a tal sensação esquisita. Aquelas frases tinham, afinal, uma conotação negativa. Não acredito que alguma vez me tenham sido ditas com malícia, mas certas palavras ou expressões que usamos no dia a dia podem reproduzir discursos preconceituosos ou racistas, mesmo que não haja essa intenção. E é importante que tenhamos consciência disso. Assim sendo, decidi reunir quatro “elogios” que são ofensivos para mulheres negras — e que estamos cansadas de ouvir.
“És uma negra bem bonita”
O que está implícito neste comentário é que os negros, em geral, são pouco atraentes. Isto para não mencionar a noção condescendente de que a pessoa que está a tentar “elogiar” é uma rara exceção rara à regra, que, diga-se de passagem, só existe por causa de preconceitos. Da próxima vez, deixe a qualificação e as nuances racistas de lado, e faça apenas uma afirmação genuína sobre a beleza da outra pessoa. Já agora, podemos juntar o “És diferente. Vê-se que cresceste cá” ao pacote?
“Não pareces negra. Tens alguma mistura?”
Esta pergunta é um sintoma de discriminação pelo tom de pele, na qual as minorias são consideradas mais “aceitáveis” se tiverem traços físicos que se assemelham aos de pessoas brancas. Um estudo de 2014, conduzido por investigadores da Universidade Estadual de São Francisco, nos EUA, concluiu que a ideia dos americanos de negros “educados” é associada a um tom de pele mais claro, enquanto os negros “ignorantes” e “atléticos” têm a pele mais escura.
Este tipo de discriminação também funciona como uma força fraturante no seio dos próprios grupos étnicos, sendo que algumas minorias expressam atitudes e preferências semelhantes — esta é, sem dúvida, uma das heranças deixadas pelo colonialismo. Em vez de dizerem a uma mulher negra que ela é bonita ou inteligente, pessoas de todas as raças, incluindo alguns homens negros, perpetuam a suposição de que essas características só podem ser alcançadas através da existência de relações interraciais na linhagem familiar.
“Tens tanta sorte! Não precisas de bronzear”
Sim, as pessoas negras têm mais melanina, uma proteína que é responsável pela pigmentação da pele, do cabelo e de outros pelos no corpo. A dita sorte por termos um “bronze natural” prende-se com as preferências pessoais de cada um em relação ao tom de pele. Porém, há uma ideia errónea de que não conseguimos ficar bronzeados. Spoiler alert: sim, nós ficamos mais escuros com a exposição solar, tal como acontece com qualquer ser humano. Embora tenhamos menos probabilidades apanhar escaldões ou de ter cancro da pele, não deixamos de estar vulneráveis aos efeitos nocivos dos raios solares e precisamos de proteção e cuidados *como toda a gente*.
“Tenho uma queda para negras”
Alô? Noção precisa-se. As negras não são todas iguais. Então, quem diz isto sente-se atraído especificamente pelo quê? Dependendo da resposta, poderá estar a sugerir que só tem interesse nos estereótipos associados às mulheres negras, e não nas características individuais de cada uma. Não há nada de errado em achar certos detalhes atraentes — penteados, traços faciais ou diferentes tipos de corpo — mas é perigoso sugerir que qualquer combinação dessas qualidades representa o todo de uma etnia.