Muito se fala do ódio que se destila nas redes sociais: pessoas que se escudam através do ecrã para dizer tudo o que lhes passa pela cabeça, sem pensar nos outros nem nas consequências das suas palavras. Engraçado como se usa tantos filtros nas fotos e tão poucos nos comentários. Por outro lado, num extremo oposto, muito pouco é dito sobre a banalização das emoções positivas. Somos todos amorosos, facilmente entregamos o nosso coração. Somos todos religiosos, até agnósticos como eu juntam facilmente as mãos num convertido ámen gestual. Somos todos almas zen a transbordar de gratidão: agradecemos ao universo por tudo mesmo que não gostemos de nada.
Experimentem encontrar alguém que já não veem há muito tempo, a não ser nas redes, onde facilmente trocam juras de amizade eterna. Vão ver que presencialmente não vão ter chapéus de festa e línguas da sogra para festejar o encontro fortuito. Quanto muito, serão acolhidos por um seco e gélido “Então, tudo bem?”. Se o mundo cá fora mimetizasse as reações virtuais, estaríamos sempre a distribuir abraços e beijinhos, seríamos uma espécie de dramatização real dos livros de autoajuda, falaríamos uns com os outros através de frases motivacionais redundantes. De repente, só me vêm à cabeça o Melga e o Mike do Herman Enciclopédia.
Atualmente, o Whatsapp faz-me lembrar quando o telefone perdeu o seu encanto inicial. Quando apareceu, as famílias digladiavam-se para ver quem atendia a chamada. Com o passar do tempo, a luta passou a ser convencer alguém a levantar o rabo do sofá. O mesmo aconteceu com a televisão, antes do aparecimento dos comandos remotos. Com o Whatsapp passa-se o mesmo. De início não poupávamos nos caracteres. Agora facilmente despachamos a coisa com um fixe, um olhar apaixonado e lá está de novo o Graça a Deus blasfémico. É só sorrir e acenar, como os lémures do Rei Juliano do Madagáscar. Olha o meu Gastão tão fofinho, pendurado na Árvore de Natal. Toma lá um gato com olhos em forma de coração que não te engano. Hoje faz anos o sempre animado Bernardo? Sai um brinde com duas canecas de cerveja, que o beberolas do Bernas não tem pinta suficiente para champanhe.
Em contracorrente, há também aquelas pessoas cujas respostas demoram tanto a chegar como uma carta enviada pelo correio. E não é ‘par avion’ como as Mangas no supermercado. Chegam de barco e o tom é tão enjoado que nem sequer necessitam da assistência do emoji vómito. Muitas vezes, já eu me esqueci da piada, quando atraca o smiley a contorcer-se de riso. A estes vou enviar a minha mensagem de Páscoa Feliz o quanto antes: coração, mãos a rezar, coelhinho, trevo de quatro folhas e pomba da paz. Pelo sim pelo não, vou já enviar também uma correnteza de corações bojudos ao meu marido. E que vá também uma sevilhana para apimentar a coisa.