Há um filme do Woody Allen em que um assaltante entra num banco e dá um papel à senhora do balcão com ordens de assaltante. Toda a cena se passa com staff bancário e clientes a tentarem decifrar a sua caligrafia, sem nunca darem conta de que estavam a ser assaltados. Seria assim eu se fosse gatuno. É tudo uma questão de atitude. No sentido inverso, a mãe de uma amiga, um dia entrou numa agência bancária em pleno assalto e voltou logo a sair pela porta giratória. “Olha agora, que disparate, um assalto.”
Mas, dizia, se eu fosse larápio seria dos honestos. Roubei uma vez na vida, devia ter menos de 10 anos – por isso também, aos 50, já atingi a idade da reforma. Estava em Vilamoura, fui a um supermercado com a minha prima e enfiei um rebuçado dentro do fato de banho. Passei o resto das férias com medo da minha própria sombra, já a imaginar o FBI a arrombar a porta do nosso aldeamento de classe mediazinha e os meus pais desconsolados, agarrados ao Bidu, o cocker spaniel loiro que à janela do nosso mediano quinto andar passava frequentemente por mim.
No noutro dia, o Banco de Portugal foi à continha da minha colega confiscar os 140 euritos de juros que ela devia pela multa de estacionamento que nunca chegou ao seu T2. Pumba. Banco da nação a arrombar o cofre mileurista de uma condutora de meio carro, cidadã de Manique do Intendente. É que ao menos a Maria tinha chamado o Zé, do café de cima, aquele que declara meio ordenado mínimo no IRS e que também tem um Smart, e tinham conseguido estacionar os dois no não-lugar e safar duas multas pelo preço de uma.
É tudo uma questão de atitude. Como é que eu quero ser um gatuno respeitado se começo a hiperventilar sempre que passo por um alarme de loja que nem sequer está armado? A minha linguagem corporal é depoimento suficiente para ir parar diretamente ao corredor da morte – para mim seria certamente a ala dos produtos de limpeza num supermercado, mais precisamente aquele com o escaparate dos amaciadores para a roupa (bem mais diabólico do que as despretensiosas arcas com bifanas de porco sem pérolas perfumadas). Bem, isto para dizer que até no Mercadona tenho medo que alguém me incrimine com um ananás, plantando provas no meu carrinho.
A culpa é certamente da minha educação, mesmo sem nunca ter frequentado Religião e Moral. No meu prédio, a mãe do Ricardo nunca lhe disse para não roubar, isso seria simplificar demasiado o problema, “a vida não é a preto e branco”. E enquanto a minha mãe apontava para o arco-íris, a mãe do Richie chamava a atenção para as zonas cinzentas. Lá está, hoje em dia, ele não tem meio carro nem meio ordenado. Não surrupia um rebuçado, abiscoita toda a prateleira. O corredor da morte do Ricardinho cheira a caramelo. O meu cheira a lírios e amoníaco. Marca branca.