No Artigo 192.º do nosso código penal, relativo à devassa da vida privada, lê-se no ponto 1, alínea B): “Quem, sem consentimento e com intenção de devassar a vida privada das pessoas, designadamente a intimidade da vida familiar ou sexual, captar, fotografar, filmar, registar ou divulgar imagem das pessoas ou de objetos ou espaços íntimos, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias.”
A lei não podia ser mais explícita do que isto – e temos de falar de lei não sendo, infelizmente, a ética suficiente para alguns verem nitidamente que ninguém deve ter a sua vida privada exposta aos olhos do mundo. Não se trata aqui do que cada um faz na intimidade, das fotos ou vídeos que tira de si próprio com o seu telemóvel (com muita ou pouca roupa, a fazer o pino, em cima da cama ou enrolado num tapete). Nada disso é relevante ou menoriza a gravidade da situação. É crime divulgar essas imagens. Não se trata de acusar de veleidade o facto da pessoa ter depois partilhado esse conteúdo com outra pessoa, em quem confiava. Continua a ser crime. Não se trata aqui de atirar a vítima para julgamento público, crucificá-la com as palavras das patrulhas de falsos moralistas que andam nas redes a dizer “estava mesmo a pedi-lo’ ou a fazer assunções bem piores sobre o caráter da mesma. Continua sempre a ser crime. Nem devem os órgãos de comunicação social, com o único propósito de garantirem mais cliques, partilharem o que nunca devia ser divulgado e lucrarem com um crime e o sofrimento de outros. Ou outros tantos fazerem o mesmo, ‘por brincadeira’, em grupos de WhatsApp ou de Facebook. Ou dizer-se ‘que horror’ ao sucedido e a seguir procurar avidamente no Google as imagens ou vídeos que estão a dar falar.
Como crime que é, deve ser da responsabilidade das entidades competentes encontrar os responsáveis. Porém, não é só quem divulga o que não é seu para divulgar que tem uma conduta criminosa. Podemos questionar se todos nós, que fazemos a taxa de cliques crescer nos sites em busca do fruto proibido ou vamos para as redes sociais falar do assunto, não estamos a ser cúmplices. Quanto mais se fala, mais se aumenta a violência a que vítima já foi exposta. Mas pessoas vão procurar ver o que não é delas para ver. Infelizmente, essa é a questão que se teima em esquecer: a dignidade de quem é alvo de uma violação da sua vida privada e que todos devíamos proteger. Não, não é ela que está a ser julgada.
E é muito fácil esquecermo-nos disso.