![União de facto: Amor sem papel passado](https://images.trustinnews.pt/uploads/sites/4/2019/09/528314Uni%C3%A3o-de-facto-Amor-sem-papel-passado.jpeg)
As uniões de facto têm vindo a aumentar no nosso país, contudo, em Portugal, o casamento continua a ser o caminho mais vezes escolhido por aqueles que querem partilhar a vida. À semelhança dos restantes países do sul da Europa, a união de facto ainda é uma prática minoritária, que prevalece nas camadas mais jovens da sociedade e em meios urbanos. Um menor controlo social poderá explicar esta atitude mas, sobretudo, a união de facto é, muitas vezes, "uma antecâmara do casamento, não durando indefinidamente", como refere Anália Torres, socióloga e autora de diversos estudos sobre o casamento.
Bruno Pereira, 31 anos, e Carla Antunes, 27, a viverem juntos há seis anos, não descartam que, no início da sua união de facto, houve uma certa tendência para a experimentação de uma vida a dois. No entanto, garantem que isso já foi ultrapassado e, apesar de não terem qualquer aversão especial ao casamento, uma oficialização da união não está planeada. "Quando fomos viver juntos não foi por oposição ao casamento, mas sim porque era o mais viável na altura. Também foi, de certo modo, para experimentar", diz Bruno.
O casamento esteve mesmo planeado em diversas ocasiões, mas sobretudo questões de trabalho foram adiando a cerimónia. "Fomos sucessivamente adiando, até que a ideia se esbateu um pouco. Para já não é uma necessidade nossa, é mais uma questão social. E a ideia ainda não caiu completamente, sobretudo por causa dos filhos." Carla é da mesma opinião: "Para mim o casamento não é assim tão importante. Se tivéssemos filhos, talvez…"
"Até temos um certo gosto em não estarmos casados"
Mas há pessoas que não casam simplesmente porque não se querem ver unidas por um papel passado. É o caso de Luís Caldas, 30 anos, e Susana Cruz, 29, a viverem juntos há cerca de 8 anos e pais de duas crianças. "Muitas pessoas pensam que, pelo facto de as pessoas viverem juntas, não se querem comprometer. Isso está errado, porque não é por se assinar um papel que a relação é mais séria", começa Susana. "Já nos passou pela cabeça casar, mas para mim era mais um pretexto para arranjar uns dinheirinhos e ir de lua-de-mel. Tirando isso, acho que até temos um certo gosto em não estarmos casados", adianta.
"Para mim a palavra casamento tem sempre implícita a ideia de obrigação e eu nunca entendi uma relação entre duas pessoas dessa maneira", opina Luís. "Gosto muito da Susana e imagino-me ao lado dela quando for velho, mas apesar disso não seria capaz de dizer, por exemplo, que juro que vamos ficar juntos até que a morte nos separe. Mas mesmo quando o casamento não é religioso acaba por se cair noutro extremo, que é o de fazer um contrato, como se de um emprego se tratasse."
Anália Torres confirma estas ideias: "Há casais que preferem distinguir-se dos outros como diferentes. Aqui será numa atitude assumida de não quererem estar juntos por um papel."
Outros factores podem explicar a opção pela união de facto. "No censo de 91 verifiquei um dado curioso: as uniões de facto eram frequentes nas pessoas com muita escolaridade e, por outro lado, com pouca escolaridade, ou seja, nos extremos.
Por outro lado, também os assalariados rurais do Alentejo apareciam com elevados números de união de facto. Não era uma opção, mas um hábito. A questão aqui é de que há histórias culturais. O Alentejo tem uma história cultural que não é de censura a estas práticas. No norte do país, onde a religiosidade é maior, a união de facto poderá ser mais censurada", explica a socióloga.
Um casamento anterior frustrado ou questões que se prendem com factores económicos podem, também, servir de justificação para a união de facto. "Há pessoas que se divorciaram e tomam algumas prevenções numa nova relação. Há outras que, já tendo filhos, do ponto de vista patrimonial pensam que um novo casamento lhes pode ser prejudicial, pois não querem que os seus filhos tenham que dividir heranças com uma terceira pessoa. Pode, de facto, haver esta lógica de conveniência", afirma Anália Torres.
E quando houver filhos?
Mas se, hoje em dia, a união de facto já não é olhada de lado – excepto em alguns meios rurais e classes populares, "onde continua a prevalecer um certo estigma" -, algo pode mudar na atitude dos casais quando pensam ter filhos. "Por vezes as pessoas questionam-se se a união de facto será igual para os miúdos, os casais preocupam-se mais quando se envolve uma terceira pessoa", refere a socióloga.
Mas, por outro lado, e porque o controlo social é reduzido nos grandes meios urbanos e pessoas exteriores à família não têm, necessariamente, de saber a situação do casal, Luís Caldas não desarma: "Se não tivéssemos filhos é que, se calhar, éramos olhados como um casal de namorados. O meu filho mais velho almoça num colégio de freiras e, quando o fui inscrever, foi necessário preencher uma ficha onde escrevi o meu estado civil. Mas a ideia que me dá é que aquilo é automaticamente arquivado, nunca ninguém me falou nisso." A sua companheira, Susana, explica: "As pessoas não sabem se somos casados ou não. E na escola deve haver mais miúdos com pais juntos. Além disso, há crianças que nem sequer têm os pais presentes. Aliás, acho que hoje em dia já ninguém liga a isso, porque há inúmeras mães solteiras e famílias monoparentais. Hoje uma criança que vive com o pai e com a mãe é quase um luxo."
O que caracteriza a união de facto
As uniões de facto já tem um regime legal. Apesar de ainda não podermos equipar, do ponto de vista jurídico, a união de facto ao casamento, a situação actual é incomparavelmente melhor do que há uns anos. E nem os filhos devem ser preocupação neste sentido, porque todas as crianças têm os mesmos direitos, independentemente do tipo de relação dos pais.
Para que a união de facto, tal como o casamento, seja considerada válida é necessário que:
– Os membros do casal vivam juntos há, pelo menos, dois anos. Porém, a lei não estabelece quais os meios de prova.
– Nenhum dos elementos pode ter menos de 16 anos, ser casado ou estarem ligados por graus de parentesco ou afinidade próximos.
– Nenhum dos membros do casal pode sofrer de problemas psíquicos graves.
– Ambos sejam solteiros, ou estejam separados de pessoas e bens.
Bens e haveres
Infelizmente, como nem sempre a vida é um mar de rosas, há que considerar as rupturas e convém evitar futuros dissabores.
As dívidas costumam ser das questões que mais dúvidas suscitam. Nas uniões de facto, cada um é responsável pelas dívidas que fizer, mesmo que os bens sejam utilizados por ambos, como são os casos do mobiliário, dos carros, ou até da própria casa.
A solução mais inteligente passa por contraírem as dívidas em conjunto, ficando as respectivas facturas em nome dos dois. Assim sendo, como facilmente se depreende, ambos são responsáveis pelos pagamentos.
Em relação à habitação, quando existe recurso ao crédito, aplica-se o mesmo princípio, sendo responsável pela dívida quem a contraiu. No entanto, enquanto vivem os dois na casa, o empréstimo é, normalmente, pago por ambos. Isto significa que há um que também está a assumir despesas da casa, apesar de esta pertencer ao outro. Isto poderá servir de base a um pedido de indemnização em caso de desavenças. Como meios de prova, o queixoso, que contribuiu para o pagamento da casa sem que tenha o seu nome na escritura, pode usar todos os que estejam ao seu dispor e sejam legalmente aceites. É o caso dos recibos bancários, cópias de cheques ou testemunhas. Para evitar estes percalços, e como na união de facto não há o conceito de património comum, os membros do casal podem celebrar, entre si, um acordo de coabitação (ver caixa).
Em caso de separação, os tribunais podem, ainda, decidir que permanece na casa a pessoa que ficar com os filhos. Caso a residência do casal seja arrendada, há também a possibilidade do contrato de arrendamento passar para o membro que ficar com os filhos ou, se não existirem filhos, poderá ser avaliada a situação patrimonial de cada um.
Ainda em relação à habitação, se o companheiro que era proprietário da casa falecer, o sobrevivo tem direito a permanecer na casa durante cinco anos após a morte, tendo, durante esse tempo, direito de preferência caso os herdeiros pretendam vender o imóvel. Para as casas arrendadas, o contrato de arrendamento passa automaticamente para o companheiro sobrevivo.
Assistência familiar e gozo de férias
Tal como os casais oficializados, também os que vivem em união de facto têm direito a faltar ao trabalho para assistir o companheiro em caso de doença, assim como a gozarem as férias, caso trabalhem no mesmo local, em simultâneo. São admitidas até 15 faltas por ano para assistência ao companheiro, que ficam automaticamente justificadas, porém esses dias não serão pagos.
Em caso de morte de um dos membros do casal, o companheiro sobrevivo poderá ausentar-se do trabalho durante 5 dias, sem perda de salário. Ainda em caso de morte, o sobrevivo tem direito a subsídio por morte e pensão de sobrevivência, desde que faça prova em tribunal de que satisfaz as condições exigidas para as uniões de facto. Porém não é herdeiro do companheiro falecido. Para que haja direito a herança, é preciso haver testamento. Caso não haja testamento é ainda possível receber uma pensão de alimentos, tendo para o efeito de desencadear os meios legais ao seu dispor, aconselhando-se a consulta de um advogado.
Poder paternal
Os direitos e deveres em relação aos filhos é exercido por ambos os pais e, em caso de separação, será o tribunal a decidir a guarda caso os pais não cheguem a um acordo. O juiz levará em consideração, antes de mais, o interesse dos filhos. Serão ainda levadas em conta a situação económica e social de cada um dos pais, bem como a sua conduta moral. O progenitor que não ficar com as crianças poderá contribuir com uma pensão de alimentos para o sustento dos filhos.
Tendo em conta que alguns casais não se sentem completamente à vontade, ou não desejam, dar o passo do casamento, optar por este modo de vida em conjunto parece ser uma solução cada vez mais viável.