Oito mulheres juntam-se à volta de uma mesa para conversar. Não vêm tomar chá nem trocar bisbilhotices. De pé, a falar para a pequena audiência atenta, está outra mulher. De uma mala de viagem vermelha vai retirando, aos poucos, óleos de massagem, loções, sprays estimulantes. Explica como se usam, quais as suas características, tira dúvidas, convida as participantes a experimentarem os pós e as loções na pele. O ambiente é muito informal. Trocam-se impressões e os risos afastam qualquer apreensão que pudesse existir ao início.
Mas não estamos numa reunião de venda de cosméticos: mais tarde, desfilarão pelas mãos das convivas, vibradores, dildos, bolas vaginais, brinquedos eróticos. Ou antes: o “enxoval para o ócio adulto”, como gosta de lhe chamar Alexandra Leal, a coordenadora desta marca em Portugal. Licenciada em gestão, mãe de uma menina de dois anos, há um ano, precisava de uma mudança de emprego e, através de um site de emprego na Internet, foi contactada pela sede espanhola da marca, que procurava uma coordenadora para expandir o seu negócio em Portugal. “No início, preocupava-me saber até que ponto iriam os meus pais apoiar-me”, conta. “Quando se aperceberam da seriedade do projecto, apaixonaram-se pela ideia e avancei.”
“Há mais privacidade que numa sex shop”
A Maleta Vermelha está em Portugal desde Setembro de 2007. As reuniões, acontecem sempre na intimidade de casas particulares, à boa maneira do que fazem, há décadas, marcas como Avon ou Tupperware. Começam com a explicação de quem são e o que fazem, contam a história de como a espanhola Dina, criadora da ‘Maleta Roja’, desenvolveu o conceito, depois de ter percebido que as sex shops eram locais despersonalizados, com uma imagem sexualmente agressiva e mais orientados para os homens. “O nosso objectivo é ajudar a mulher portuguesa a encontrar o seu caminho sexual… mas à sua maneira e ao seu tempo”, diz Alexandra. “O problema nas sex shops é que, muitas vezes, quem está atrás do balcão não sabe o que está a vender e o cliente nem quer falar sobre o assunto; quer pegar no produto, pagar e desaparecer o mais depressa possível. Nestas reuniões as pessoas podem estar com calma, no seu ambiente, em privacidade com as amigas.”
As clientes têm, em média, entre 30 e 50 anos. São donas de casa, reformadas, trabalhadoras de todas as áreas, mães, mulheres casadas há 30 anos, jovens solteiras. “Não consigo traçar um perfil, tal é a variedade de pessoas. Uma das clientes mais velhas que tivemos era uma viúva, com mais de 60 anos e comprou um dildo. Sabe porquê? Porque tinha saudades de sentir o pénis do marido na mão.”
Convocar a visita custará €7 por cada pessoa presente, quer compre ou não alguma coisa. E não se marcam reuniões com menos de 8 participantes. Nunca duram menos de duas horas. “As minhas rondam as três”, avisa a coordenadora. Não é que a maleta traga paletes de apetrechos sexuais complicados de usar mas, afinal, falamos de erotismo e, neste departamento, as conversas são como as cerejas. Entre as explicações de produtos, há dúvidas sobre sexo que são tiradas, experiências partilhadas, confissões feitas e muito riso pelo meio. É fácil perder a conta ao tempo.
“Os homens são muito curiosos…”
“O conceito é apelativo, vende-se por si só”, diz Alexandra, confiante. Mas estarão as portuguesas familiarizadas com o conceito de brinquedos eróticos? “Não. Este assunto ainda é tabu. Costumo dizer que, no que toca à sexualidade, a mulher portuguesa ainda usa burca. Tem que se mentalizar que está na altura agarrar nas rédeas do seu destino sexual, que tem direito a ter prazer. Sabe que as coisas não se resumem a ter sexo na posição missionário, que há muito mais para além disso. O grande problema é que não sabe como dizê-lo ao marido.”
Mas se o conceito começou por ser orientado para mulheres, a verdade é que cada vez mais homens aparecem nas reuniões. “Se existirem homens e mulheres, eles têm de ser parceiros delas. Todos os produtos que vendemos implicam que exista muita cumplicidade entre o casal. Normalmente, eles não se sentem tão à vontade no meio de mulheres, mas são mais curiosos: querem saber como funciona e o que fazer. Ainda ontem atendi um telefonema de um senhor que assistiu, com a mulher, à reportagem que a SIC fez sobre nós. Foi ele quem tomou a iniciativa de telefonar. Eles sentem a necessidade de proporcionar prazer à companheira, faz com que se sintam mais viris.” Até hoje, diz, não tem conhecimento de nenhuma reunião onde as coisas se tenham descontrolado ou que alguém tenha dado uma resposta mais brejeira. “Temos de ter mão na situação. Dou as regras do jogo logo a princípio.”
“Queremos pôr o casal a falar de sexo”
Não se fala o suficiente dele fora da cama, sobretudo com a naturalidade e seriedade que o assunto merece, garante Alexandra Leal. Mas estas reuniões são sempre uma boa deixa. “Nunca marco visitas com menos de 48 horas de antecedência. Porquê? Quando a mulher chega a casa a dizer que vai a uma reunião de tuppersex, o marido pergunta desconfiado: ‘O que é isso? Vais fazer o quê? Vai lá estar um casal a mostrar como se usa, outros homens? E vais comprar vibradores para quê?!’ Depois, vai para o emprego, consulta a Internet, fala com os amigos e começa a perceber que isto lhe vai abrir as portas a muita coisa. Já em casa, fala mais com a mulher, vão à Internet para perceberem como funciona, falarem sobre o assunto.” Geralmente, no dia da reunião a comunicação já foi iniciada. E os benefícios que traz à relação não se esgotam na venda do produto, garante a coordenadora: “Há dias, o marido de uma senhora que assistiu a uma demonstração, contactou a assessora para lhe agradecer.”
Nas reuniões, Alexandra pede alguma contenção em relação ao uso do telemóvel: “É normal o homem telefonar várias vezes para saber se a mulher já está despachada, se comprou alguma coisa. Quando vêm à reunião, elas já têm alguma pressão por parte dos maridos para trazerem alguma coisa para casa.”
Nortenhas são mais desinibidas
O que é preciso para se ser assessora? “Ser sexualmente desinibida, comunicativa e não ter medo de chamar as coisas pelos nomes. É preciso a sensibilidade certa para falar de sexualidade a assistências de diferentes idades. Não é a mesma coisa falar disto a raparigas de 18 anos ou a mulheres de 50. Por exemplo: temos uma assessora no Porto com 60 anos. É uma excelente profissional, sem problemas em fazer reuniões com raparigas de 20 anos.” No Alentejo é que ainda não existe nenhuma. Não é de espantar: “A mulher do Norte é recatada mas muito mais desinibida do que a mulher do Sul. Neste momento, a zona de mais vendas tem é o Porto”, conta.
A zona Centro, que inclui Lisboa, vende muito cosmética erótica. No Norte, diz Alexandra, vendem-se muitos vibradores. “Os homens, sobretudo no Centro, compram muita cosmética a pensar nas parceiras. A mulher do Centro também tem mais acesso a sex shops e menos vergonha de entrar numa. Na zona do Porto, toda a gente se conhece. Não há à vontade suficiente para elas entrarem numa loja. Nestas reuniões, aproveitam para comprar aquilo que não teriam coragem para ir comprar a uma loja.”
Chegar ao interior do País, onde há mais necessidade de informação, é uma das prioridades de Alexandra, que em breve também quer contar com colaboradoras mais novas. Um dos planos da marca é alargar o público-alvo a camadas mais jovens, dos 18 aos 24 anos, com a criação da linha Sexy Toys. “Nesse caso, as reuniões serviriam também para falar da prevenção do HIV/Sida e de contracepção.”
Contactos úteis:
http://www.maletavermelha.pt;
Alexandra Leal: alexandra@amaletavermelha.com