Por que nos sentimos culpadas quando não queremos ter sexo?

Que sentimento é este, em que se mistura o desconforto e a culpa, e que se apodera de nós naqueles dias em que o nosso companheiro nos procura e não sentimos qualquer vontade de fazer amor? Essa recusa ocasional não é experimentada com espontaneidade pela mulher e assume uma gravidade no nosso espírito cuja razão deve ser procurada. Por algum motivo, sentimos que falhamos em relação ao homem com quem repartimos a nossa vida e às expectativas que ele alimenta a nosso respeito. Mas será essa suspeita justificada? E quais as causas que se encontram na sua base?

Os motivos da culpa nem sempre são claros. A sensação de ‘estou a falhar enquanto mulher’ quando, às investidas do companheiro, se segue a expressão da nossa falta de desejo – seja porque nesse dia estamos cansadas, preocupadas com outros assuntos ou unicamente porque a vontade de nos enrolarmos numa manta a ler um livro no sofá tem mais força – radica nos modelos que ainda orientam e regulam os nossos comportamentos, mesmo a nível inconsciente.

Como alerta a sexóloga Fátima Gysin, "no caso das mulheres, os protótipos do passado exercem um impacto que, se bem que surdo, é bastante mais profundo no nosso quotidiano do que, por exemplo, o das estrelas do cinema, representativas de um certo imaginário de erotismo." Pense bem: se durante toda a sua infância viu a sua mãe a trabalhar fora de casa e ainda a assumir as responsabilidades familiares, não é de estranhar que, por proximidade, esse tenha sido o modelo que mais a influenciou, isto apesar dos reptos à emancipação feminina que surgem de diversos vetores da sociedade.

A mulher encontra-se ainda sobrecarregada, é ela que se compromete com o exercício dos papéis ditos tradicionais, que se têm de conjugar com as novas exigências do tempo atual. "A ‘amante’, que no passado existia fora de casa, neste momento é pensada para ser na mesma pessoa, que é também mãe, profissional, que organiza a vida social e doméstica da família".

Quem veste os filhos de manhã bem cedo, quem os leva ao colégio, quem lhes dá jantar e os mete na cama, enquanto o companheiro se preocupa durante todo o dia em exclusivo com a atividade profissional? É (quase) sempre a mulher. "Este é um hábito herdado da geração anterior – quando se é mãe, toma-se conta dos filhos." Resultado: a energia da mulher é esbanjada em outras tarefas que não a procura do prazer. Surpreende-se que, quando chega à cama, ele esteja muito mais disponível para esse tipo de jogos do que você?

Libertar-se da angústia é um passo essencial. Acima de tudo, deve compreender que nada existe de ‘anormal’ em sentir ocasionalmente falta de vontade sexual, nem que isso implica um falhanço da sua parte: a super-mulher é apenas a personagem de uma série de televisão.

Porém, há uma outra questão que adquire pertinência nesta análise: o que fazer com o sentimento de culpa quando ele é originado pelo nosso companheiro, que, com uma simples expressão facial menos simpática ou uma palavra mais seca ao ver-se afastado, exprime assim um inequívoco descontentamento com a situação e de imediato nos deixa pouco à vontade? Desagradável, é certo, contudo já pensou que ele pode estar simplesmente a observar o sucedido do ângulo errado? Os problemas de autoestima não são exclusivos do sexo feminino e, tal como nós, ele pode encarar essa sua recusa como uma rejeição ou uma crítica velada às suas qualidades enquanto amante, tópico em que os homens são particularmente sensíveis.

Compete-lhe também a si tentar mudar a situação. Explique-lhe que está apenas cansada, que teve um dia que a deixou exausta ou que está a sentir-se ansiosa por causa de alguns problemas no trabalho, mas que isso não significa de modo algum que ele não seja um bom amante e que não retire o máximo prazer da relação. Junte a essas palavras uns gestos de carinho e verá como ele adormece feliz.

Por vezes é preciso ‘despertar o dragão’. Não, não estamos a volta com a palavra atrás. Mas é preciso avaliar a questão de todos os ângulos. É comum rendemo-nos ao cansaço com excessiva docilidade, como se deixássemos que fosse o quotidiano e os seus problemas a vencer-nos e roubar-nos uma das vertentes emocionalmente mais enriquecedoras da nossa vida. Não se trata de se esforçar a fazer amor quando não lhe apetece, mas a preparar o caminho, mentalmente, para que o desejo surja por si. Trata-se, na realidade, de um ‘investimento’ no desejo que exige algum esforço e que, muitas vezes, não é empreendido, porque ainda vivemos no mito de que a mulher tem por natureza menos desejo do que o homem. Mas, como lembra Fátima Gysin, "isso são estereótipos de uma certa leitura de realidade"

A sexóloga lança o repto: "Quanto espaço da sua vida é dedicada ao erotismo? Qual é a importância que atribui a essa fração da sua existência? Gastamos tempo em milhares de afazeres, mas olhe para a sua estante: quantos livros de erotismo estão lá? As mulheres têm muitos livros de culinária e poucos de erotismo. Isto é só um exemplo. A verdade é que podemos ser muito míopes no que toca ao desejo."

Saber escolher as prioridades é essencial para recuperar a visão. Estas são óbvias, por exemplo, no tempo do namoro, quando o outro ocupa um espaço essencial nas nossas preocupações diárias e, por isso, a disponibilidade para o sexo é maior. Mas se não é possível manter este estado eternamente, não é menos verdade que, como ressalva Fátima Gysin, "o desejo trabalha-se como qualquer outra capacidade." Um exemplo? "O desejo também nasce de uma autoimagem sexy – quando a mulher trata de si está a criar um trampolim para o seu próprio desejo. Ou se, quando for ao supermercado, comprar além do essencial, o necessário para fazer uma prato afrodisíaco. Cada um tem as suas chaves eróticas. Tem apenas de descobri-las."

** Este artigo foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico **

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