– O Compulsivo
Pronto, este é o Traidor Clássico: de idade real até pode
ter 62, mas de idade mental encalhou ali para os lados dos 19 e não há quem o
arranque de lá. Para quê? A vida corre-lhe bem. Mete-se com as meninas todas
que encontra até deparar com uma que lhe dá bola, e atão chuta-a (a bola) para
a frente. Como as mulheres estão desesperadas e caem pelo primeiro que lhes
bata a pestana e lhes gabe as botas mesmo que tenha cara de trolha, isto não é
difícil de acontecer. Quando a menina deixa de lhe interessar, larga-a sem um
pingo de remorsos. Aliás, costuma escolher meninas muito novas, que ainda
tenham força anímica para sobreviver a um desgosto de amor. Escusado será dizer
que a mulher não sabe de nada e que todos os amigos sabem. Se nenhum deles se
chibar, é situação que dura para a vida. Se algum deles, acometido de remorsos,
resolve contar à legítima, costuma acontecer o seguinte: há uma cena, ele jura
que continua a amá-la e que nada daquilo teve importância (o que é verdade),
vão a um terapeuta familiar, continuam juntos mas ela nunca lhe perdoa e nunca
mais lhe sorrirá como dantes, coisa que a ele não aquece nem arrefece, nem dá
por isso, desde que a família não saiba de nada e que o jantar lá esteja a
tempo e horas como de costume. Escusado será dizer que por fora, continua a
comer outros pratos.
– O Envergonhado
Nunca na vida pensou que seria o tipo de homem capaz de
fazer uma daquelas à sua Sãozinha. Quando descobre que afinal é o tipo de homem
capaz de fazer uma daquelas à sua Sãozinha, fica tão acabrunhado que é capaz de
se atirar ao rio. Não atira, porque faria duas mulheres muito infelizes, pensa
ele: a sua Sãozinha e a Maria Rita, com quem ele foi numa viagem de negócios
que rapidamente passou do negócio para o prazer. Como é um totó, a Maria Rita
faz tudo o que quer dele. Ou quase. Um dia qualquer, a Maria Rita perde a
paciência e diz-lhe que ou sim ou sopas. Cenário 1: Ele fica desesperado e
acaba tudo com a Maria Rita (chamada a solução terminal). Cenário 2: Ele fica
desesperado e acaba por contar tudo à mulher. Ela faz-lhe uma cena de um lado.
A Maria Rita faz-lhe uma cena do outro. Ele chora e jura às duas que a outra
não tem qualquer importância na sua vida. A mulher perdoa-lhe, embora lhe atire
à cara todos os dias até à sua morte que ele a enganou. A Maria Rita vai à sua
vida porque não tem paciência para totós, mas permanece desiludida com os
homens até encontrar outro totó.
– O Básico
É estranho porque às vezes parece que faz tudo para ser
apanhado: ele é sms para a Joaninha a chamar-lhe queridinha e fofinha e
amorzinha, ele é portagens para Barcelos, onde ele nunca foi até então, ele é
pagamentos nas scuts sem abrir o bico, ele é recibos do Íbis, ele é tudo a que
tem direito, marcas de batom rosa-choque na camisa, marcas de caninos no
pescoço, cabelos louros na lapela. Quando a legítima finalmente acaba por
perceber que há ali qualquer coisa, ele começa por negar com todas as suas
forças mas depois admite que sim, claro, que outra coisa poderia ele fazer, mas
diz-lhe que acha muito mal que ela ande a meter o nariz no seu telemóvel e na
sua carteira e que não foi essa a educação que os seus pais lhe deram. Ela
acaba por ficar um bocado baralhada e até chega a pensar que a culpa é dela.
Geralmente separam-se. A Joaninha de Barcelos passa a legítima porque ele não é
de meios termos. Casa com ela, que é um amor de pessoa, e leva os filhos e a
mãe ao casamento e muda-se para Barcelos levando o LCD e o Antunes (o cão). Os
filhos vão lá passar férias. A Joaninha faz empadão de bacalhau. A ex já se
habituou (ou faz por isso). Tudo parece o melhor dos mundos. Um ano depois,
está farto de Barcelos. Larga o Antunes nos braços da Joaninha e volta para
casa da Ex porque lhe dá jeito, e ela aceita-o porque as mulheres têm um Grande
Coração e também por vingança. Meses depois, ele dá de caras com outra jeitosa.
E a história repete-se.
– O Honesto
Pronto, apaixonou-se. Acontece aos melhores. Ele nem soube
bem como é que aquilo aconteceu. Foi assim como um daqueles tsunamis que ao
longe só parecem uma ondulação sem nada de especial e depois levam tudo à
frente. Estavam os dois carentes, começaram a
tomar café os dois à saída do trabalho, primeiro era só à sexta feira,
depois passou a ser todos os dias, às tantas já lhe estava a servir cafezinho
na cama, e pimba: afogou-se. Como não gosta de andar a enganar ninguém, assim
que se descobre afogado, desculpem, apaixonado, abre o jogo com a mulher. Cena
do costume. Ele chora. Ela também. Acabam a chorar nos braços um do outro. Aqui
há dois finais: ou a segunda era mesmo a mulher da vida dele, ou, passado um
ano, ele está farto de Barcelos…
– O Pontual
Ama honestamente a mulher: e o mal aqui é o honestamente,
porque se é um amor que resiste ao tempo, geralmente já se tornaram mais irmãos
que outra coisa. Ele sempre lhe foi fiel mas um dia passa-lhe pela vista a prima
da vizinha do 5º esquerdo, ou a amiga gira e loura do colega de trabalho, e,
nem ele sabe bem como, um dia a coisa acontece. É uma vez sem exemplo, diz ele.
O pior é que as vezes sem exemplo têm uma terrível tendência para se repetirem
noutras vezes sem exemplo. Bem, não façamos previsões: aceitemos que foi uma
vez sem exemplo. Escusado será dizer que nunca conta nada à irmã. Desculpem, à
mulher. E para quê, de facto.
– O Profissional
Pela frente, tem a, digamos, D. Laura. Por trás (ai que mal
que isto soou) tem a Ritinha. Isto há anos. Pode ser que nenhuma delas saiba da
outra, pode ser que só saiba a Ritinha, pode ser que só saiba a D. Laura. A
coisa pode durar uma vida inteira, até que ele morre e as duas se encontram no
funeral. Não se sabe bem se ele engana a D. Laura com a Ritinha ou a Ritinha
com a D.Laura. às vezes ainda é capaz de enganar as duas com uma terceira.
Prognósticos: só acontece alguma coisa se a Ritinha ou a D. Laura se fartam e
resolvem partir a loiça (pouco provável). Por ele, dura para a vida.
– O Toca e Foge
Bate a pestana à esquerda e à direita mas não quer nada com
ninguém, só aquele frissonzinho de sentir que tem alguma mulher interessada
nele, não importa qual, nova ou velha, magra ou gorda, gira ou um clone do
Incredible Hulk, qualquer pestana para ele serve. É de pouco alimento: vive de
sonhos. Se ela por acaso estende a mãozita para o agarrar, ele foge a sete pés,
porque não quer chatices na vida, já basta a sua Luisinha fazer-lhe cenas por
dá cá aquela pestana. Aliás não quer nada com ninguém, que casou pela Santa
Madre Igreja e trair a Esposa é um Grande Pecado. É inofensivo se não arrastar
a asa durante muito tempo a ninguém, mas corre o risco de, qualquer dia, se
apaixonar a sério e depois não saber como se deixou apanhar nem como é que há
de escapar. Geralmente, não escapa. Nem tenta. Sofre horrores. Depois esquece.
A Luisinha nunca chega a saber.
– O Transparente
– O Desesperado
Casou-se porque ela quis, não que ele estivesse apaixonado
de caixão à cova. Mas ela insistiu e ele foi incapaz de lhe dizer que não,
porque por essa altura já ela lhe organizava a agenda, fazia o jantar, escolhia
os boxers que ele ia vestir e dizia-lhe o que ele havia de dizer. Portanto,
casou. Afinal, não era grave. As mulheres são todas iguais e ao menos aquela
era prestável e amava-o tanto que, achou ele, a única maneira de retribuir era
casar com ela. Por isso, casou por gratidão, coisa que ninguém lhe disse que
nunca se fazia (estas coisas nunca ninguém nos diz). Moral da história: uns
anos depois, ela continua a organizar-lhe a vida e a espiar-lhe cada movimento
e a pagar-lhe o telemóvel, que, obviamente, também fiscaliza. Entretanto, ele
acabou por descobrir que as mulheres não são todas iguais. Felizmente (para a
mulher) e infelizmente (para ele), apaixona-se sempre pelas inacessíveis. Leva
tampas a torto e a direito. Há de continuar casado até aos 98, quando conseguir
envenená-la com iogurte pró-biótico fora de prazo.
– O Mental
Não está interessado em trair a mulher com quem quer que
seja porque a adora, graças a Deus, sempre adorou e sempre há de adorar. Mas
claro que um homem não é de pau, e de vez em quando fogem-lhe os olhos e a
imaginação para outras paragens. Mas pronto. É só os olhos e a imaginação.
Sonhar nunca fez mal a ninguém.