Como todas as modas, também as educativas mudam à velocidade do som… ou enfim, de uma geração. O que é diferente? Muita coisa, às vezes muito pouco… De qualquer maneira, a controvérsia continua e esperam-se as cenas dos próximos capítulos…
Vou ter um filho. Que idade tenho?
A nossa avó – Entre 18 e 25.
A nossa mãe – A pílula deu-lhe a hipótese de controlo sobre a sua natalidade, mas se tinha o primeiro filho aos 25 já se achava mãe de risco.
Nós – As dificuldades de encontrar o primeiro (e segundo…) emprego, comprar casa e encontrar um homem disposto a partilhar as alegrias da paternidade, bem como a consciência da responsabilidade de ter uma criança, adiaram cada vez mais o primeiro filho. De 2003 para 2010 o número de grávidas entre os 35 e os 39 anos passou de 13,9 para 18% e o número de mães mulheres depois dos 40 passou de 1,9% para 3,4%.
Os especialistas – Por um lado, apontam os riscos de uma gravidez tardia, tanto para a mãe, que tem maiores probabilidades de sofrer aborto, ter diabetes gestacional, hipertensão e pré-eclâmpsia, como para o bebé, que tem maiores probabilidades de nascer com malformações e doenças genéticas. Por outro lado, parece que uma vez ultrapassados estes perigos estatísticos, os bebés nascidos de mulheres com mais de 40 anos são mais saudáveis e inteligentes do que a média, segundo um estudo feito pelo Instituto de Saúde Infantil das universidades de Londres e Birkbeck. A maior disponibilidade psicológica para os filhos pode fazer toda a diferença no que toca à educação das crianças.
E agora? Amamento ou não?
A nossa avó – Que remédio… E até bem tarde.
A nossa mãe – A mulher tem direito ao próprio corpo e além disso amamentar traz imensos micróbios ao bebé, pelo que é melhor dar-lhe a novíssima e fantástica fórmula de substituição.
Nós – Somos consideradas péssimas mães se não amamentarmos, mas a verdade é que as diretrizes para as recém-mães continuam irrealistas e poucas mulheres têm vida para amamentar o seu bebé para além dos 4 meses. Claro que há extremos: a capa da Time (e da Visão) com uma mãe a amamentar o seu ‘bebé’ de três anos causou polémica…
Os especialistas – “Recomendo o aleitamento, preferencialmente em regime exclusivo, até aos 6 meses de idade”, defende a pediatra Ariane Brand, diretora da clínica Familiaritas, em ‘O Guia da Amamentação’, ressalvando no entanto que ‘infelizmente, tal não é possível para a maioria das mães’.
Estamos no restaurante. A criança atravessa-se à frente dos empregados, causa o desabamento de travessas e não pára de gritar.
A nossa avó: Pega na criança e dá-lhe dois pares de estalos antidemocráticos mas bem aplicados, após o que a leva para a casa de banho, onde a criança pode berrar sem que o mundo acabe.
A nossa mãe: Leva a criança até lá fora, onde lhe explica que as sociedades democraticamente evoluídas não se constroem com cidadãos que gritam. A criança não percebe nada mas pára de gritar porque tem frio no nariz.
Nós: Dizemos ‘Ó Bernardo Maria, pára lá quieto’, que entre por um ouvido do Bernardo Maria e sai pelo outro. Deixamos que o Bernardo Maria continue a gritar porque dá imenso trabalho fazê-lo parar e além disso ele coitadinho é hiperativo, coisa que ninguém entende.
Os especialistas: “Precisamos de encontrar formas de assumir o comando em vez de ceder à fadiga da batalha, sujeita à tarefa difícil de equilibrar o quotidiano e a paternidade”, explica a psiquiatra Diane Ehrensaft, no livro ‘Pais que Mimam Demais’. “Mas a nossa falta de vontade em fazer com que os nossos filhos passem de vez em quando um mau bocado e a terrível aversão a invocar a nossa vontade podem fazer com que o tiro nos saia pela culatra”.
A criança não quer comer tudo o que tem no prato
A nossa avó – Alternava com a outra avó para nos dar uma colherada alternadamente enquanto nos contava a terrível história da Piriquinha assassinada pela Madrasta.
A nossa mãe – Mantém a criança à mesa enquanto o bife gela e a canja esfria. Há de comer nem que seja a última coisa que faz na vida.
Nós – Espetamos-lhe um écran qualquer à frente (tv, smartphone, tablet) e esperamos que o miúdo coma qualquer coisa enquanto está entretido.
Os especialistas – Não quer, não come, sem dramas nem represálias. É um mantra repetido há séculos mas que não convence mãe de nenhuma geração, porque por elas a criança há de sempre correr o risco de morrer à fome, mesmo que se viva na era da obesidade infantil. “Apesar de decidirem o quê e que quantidade de comida dão aos filhos, os pais não os podem forçar a ingeri-la”, afirma o pediatra B. Brazelton. “Essa é uma decisão da criança.” Ah, e as batatas fritas e refrigerantes não são proibidos, mas ele não precisa deles todos os dias…
Que fazem com as crianças no tempo livre?
A nossa avó – Tempo livre é coisa que não existe para uma mulher, e as crianças entretêm-se sozinhas a brincar na rua.
A nossa mãe – Tempo livre é para ela, obrigada, e as crianças ficam na avó.
Nós – Andamos esfalfadas a levar as crianças ao parque, às incontáveis festas de anos, aos ATLs, matamo-nos a descobrir coisas divertidas para fazer com eles, compramos-lhes ipads e androides desde que nascem e enchemo-las de gadgets para serem mais espertas que os outros meninos, e se têm um momento de descanso achamos que vão morrer traumatizadas de aborrecimento e burrice.
Os especialistas – Recomendam calma… O movimento ‘Slow Parenting’ tem cada vez mais adeptos entre pais e mães que estão a descobrir a alegria de ter filhos sem stresse… Enfim, sonhar não custa.
A criança grita ‘Não gosto de ti!’.
A nossa avó – “Diz isso outra vez e vais ver que vais gostar ainda menos”.
A nossa mãe – “Eu também não gosto de ti, tem graça.”
Nós – Ficamos para morrer e levamo-la ao psicólogo.
Os especialistas – Os pais atuais precisam do amor dos filhos como dantes os filhos precisavam do amor dos pais. “Os pais interpretam uma contra-reação da criança como perda de amor, algo que não conseguem suportar devido à sua própria carência. O adulto atual está dependente da criança. A criança serve de instrumento para medir quão bom eu sou, e existe para que eu possa ser amado”, afirma o psiquiatra Michael Winterhoff no livro ‘Porque é que os nossos filhos se tornam tiranos?’
A criança vai descalça para a cozinha
A nossa avó – Gritava-lhe do fundo do corredor ‘Carlos Manuel vai-te calçar que te constipas e apanhas uma corrente de ar e depois cais à cama com gripe e morres”, seguido de “é sempre a mesma coisa!”
A nossa mãe – Gritava-lhe do fundo do corredor ‘Paulo Jorge vai-te calçar que te constipas e apanhas uma corrente de ar e depois cais à cama com gripe e morres”, seguido de “é sempre a mesma coisa.”
Nós – Gritamos do fundo do corredor ‘Bernardo Maria vai-te calçar que te constipas e apanhas uma corrente de ar e depois cais à cama com gripe e morres”, seguido de “é sempre a mesma coisa!”.
Os especialistas – Esse é apenas mais um dos mitos maternos que se propagam através de tempos imemoriais. Já a mãe pré-histórica devia uivar “Tonk não pises o chão da caverna que te constipas” e etc. Mas segundo os pediatras, o mito é apenas isso: mito. “Pisar o chão frio com os pés descalços não provoca resfriado. O resfriado, conhecido como causador de infeção urinária, garganta inflamada, gripes e constipações não tem nenhuma relação com o ato de pisar sobre qualquer superfície fria”, jura o site boaspraticasfarmaceuticas.blogspot.com
A criança não quer fazer os trabalhos de casa.
A nossa avó – Não sabia de nada nem achava que devia saber. Se a professora mandava uma nota para casa a dizer que éramos estúpidos e preguiçosos e nunca íamos ser ninguém na vida ela dava com o chinelo ou dizia ao pai para ele nos dar com o chinelo e também dizia que eramos estúpidos e preguiçosos e nunca íamos ser ninguém na vida. Se tínhamos más notas íamos trabalhar para as obras ou levávamos com o dito chinelo ou ambas.
A nossa mãe – Não controlava. Quando precisávamos de ajuda pedíamos. Se ela sabia ajudava, se não, dizia ‘Perguntem ao professor que eu já fiz a quarta classe há muito tempo e não me lembro de nada’.
Nós – Sentamo-nos de chicote em punho a fazer os trabalhos de casa com ele, quando não por ele, e a coisa descamba em discussão porque ele é teimoso e faz tudo mal, coisa que não nos cansamos de lhe dizer e que curiosamente não surte qualquer efeito. Obviamente, fazemo-lo para que ele tenha sucesso na vida e não dê em trolha como o Ti Manel.
Os especialistas – As teorias mais recentes estão do lado das crianças contra a ‘opressão’. “Os estudantes portugueses trabalham horas demais e nenhum sindicato deixaria passar tamanho atropelo aos direitos das crianças e jovens,” defende o pediatra Mário Cordeiro no livro ‘1333 Perguntas Para fazer ao seu pediatra. “No limite, tal como são entendidos por muitos professores e pais, os TPC são uma agressão aos adolescentes e aos seus direitos. Tudo o que se sabe sobre desenvolvimento infantil e sobre técnicas pedagógicas mostra que esta prática não tem, em pleno século XXI, razão para existir nos moldes em que é feita.”
A adolescente prepara-se para ir para a escola. Como é que vai?
A nossa avó – A pé, que tem boas pernas, graças a Deus, e já é uma sorte poder ir à escola quando meio país é analfabeto.
A nossa mãe – A pé ou de autocarro, assim que tiver idade para isso. Em dias de chuva, pode ser que tenha a sorte de uma boleia.
Nós – Não vai nada a pé, que pode ser raptada por um pedófilo ou ser atropelada ou entrar numa loja dos trezentos e acordar três dias depois em Reikjavik sem um rim.
Os especialistas – Acham que não lhes faria mal nenhum ir a pé. “As crianças de hoje não são livres”, defendeu a pedopsicóloga Tanya Byron, na ‘North of England Education Conference’. “Estão a ser criadas em cativeiro devido à paranóia com a saúde e a segurança. Já não podem sujar-se de terra ou dar uma queda, e ainda são levadas à escola de carro aos 12 anos. Hoje não há mais predadores nas ruas do que na altura em que eu cresci, nos anos 70, pelo contrário, essas pessoas são muito mais eficazmente apanhadas.” Em resultado, estamos a criar adolescentes mal preparados, inseguros e domésticos. Portanto, ensine lá a criança a apanhar o autocarro.
“Mamã, vou ser estilista!”
A nossa avó: “Vais vais. Espera até o teu pai chegar a casa.”
A nossa mãe: “Não me parece uma profissão muito útil à humanidade, mas se é o que tu queres…”
Nós: “Fantástico, meu filho! Arranjas-me bilhetes para a Moda Lisboa?”
Os especialistas: Dizem que cada um deve seguir a sua vocação, mas se possível dentro dos limites do realismo (não o mágico). O problema pode ser descobri-la, à vocação…