Na era das relações abertas e das amizades coloridas, a infidelidade parece perder terreno. Afinal, não podemos ser infiéis a compromissos que não existem. Porém, Portugal ainda é dos países da Europa onde mais se casa e, aí, o caso já muda de figura. Juramos ser fiéis no altar, num voto que se assume ser para toda a vida ou, pelo menos, até que o amor dure. E a infidelidade é, mesmo, uma causa válida para o divórcio. Por isso, o assunto torna-se relevante para muitas de nós, porque já vimos o adultério acontecer em casais que nos são próximos, ou porque nos sentimos atraídas por outra pessoa que não o nosso companheiro, ou até já convivemos com o fantasma da ‘outra’.
João, 32 anos, estava casado há pouco mais de um ano, quando, durante um jantar com a mulher ela própria lhe contou que já o tinha traído. João saiu de casa, mas reflectiu sobre o que se tinha passado e decidiu dar uma segunda oportunidade à relação. “A traição trouxe-me imenso sofrimento mas, pensando bem, serviu para esclarecer certas situações, tirar dúvidas e acabou por fortalecer a nossa relação, que não estava bem”, afirma. A mulher, Filipa, 28 anos, revela que tudo não passou de uma atracção física. “Era uma relação que, à partida, não teria qualquer futuro. Houve ali uma atracção física, um flirt mas, sobretudo, o meu casamento com o João não estava bem. Inconscientemente, estávamos em crise e eu estava emocionalmente confusa em relação a mim própria, à minha vida e ao nosso casamento. Mesmo assim, nada disto justifica uma traição, em circunstância alguma”.
Numa sociedade ainda pautada por valores tradicionais, a infidelidade feminina apresenta-se como mais rara, pelo menos são poucas as mulheres que a assumem. No entanto, há quem defenda que, actualmente, há cada vez mais mulheres casadas apenas à procura de sexo casual, “porque estão fartas, são negligenciadas ou porque, já não querem ser propriedade dos maridos, à semelhança das nossas avós”, revela Marta, 26 anos, que está prestes a casar.
“Foi um balde de água fria”
No caso de João e Filipa, ele perdoou-a e ambos têm consciência que estes acontecimentos acabaram por ser positivos para o seu casamento, apesar de toda a mágoa gerada. “É verdade que a infidelidade não traz nada de bom, mas no nosso caso houve uma espécie de abalo na relação, pela positiva. O nosso casamento estava, sem nos darmos conta, doente e, quando isto aconteceu, acabámos por fazer tudo para que as coisas se resolvessem”, assegura Filipa.
E João apressa-se em esclarecer: “Perdoei, mas não perdoaria mais nenhuma vez à mesma pessoa. Mas também não podemos dizer à distância o que faríamos numa situação destas. Depende das circunstâncias em que aconteceu e, fundamentalmente, da forma como interiormente reagimos a esta notícia. Há quem deixe automaticamente de amar quem traiu. Há quem continue a amar apesar de magoado, e isto é decisivo”. E continua: “A minha mulher não se apaixonou por outra pessoa, simplesmente sentiu-se atraída por outro homem, em grande medida pelas falhas que existiam na nossa relação. Na minha opinião a infidelidade física não é tão difícil de suportar, pois não passa disso mesmo, enquanto a traição dos sentimentos envolve algo mais profundo, como a auto-estima, a amizade, o carinho, o respeito, a vivência a dois, as memórias e toda a construção de uma vida.”
A psicóloga Sónia Parreira Duque explica que : “às vezes, a infidelidade é uma espécie de balde de água fria, em casamentos nos quais já se criou um fosso enorme entre as pessoas, em que estas praticamente já não partilham interesses. É o momento em que as pessoas acordam e vêem que têm de fazer algo pelo seu casamento, sob pena de nunca mais se aproximarem. E, nesse sentido, a infidelidade pode originar uma reaproximação”.
Luísa, 32 anos, vive uma relação estável há mais de um ano e não acredite numa reaproximação: “Se as coisas estão mal, o casal deve ter coragem para falar nisso, seja qual for o assunto. Se for o sexo, que se tornou rotineiro, sem interesse, têm de ter coragem de sugerir coisas novas, uma relação é como o tango, é preciso dançar a dois.”
Contar ou não contar?
A mentira é outra das facetas do adultério e muitas pessoas, mesmo arrependidas, balançam entre contar ou não contar tudo ao companheiro. Quanto a isto não há uma fórmula certa. “À partida, se me perguntarem enquanto técnica, respondo que o melhor é não contar, se não se quer pôr em causa o casamento. Se a pessoa se arrepende e a traição foi ocasional, e se o facto de contar implica o fim do casamento, não vejo qualquer necessidade de o fazer, enquanto psicóloga. O que teria de ser feito era compreender, com a pessoa, o que é que a levou a tomar essa atitude. Agora, obviamente que ao omitirmos esta situação não estamos a dar oportunidade de escolha à pessoa que foi traída, de decidir se quer, ou não, manter a relação”, afirma a psicóloga Sónia Parreira Duque.
João, que já viveu de perto esta situação, preferiu de longe ter sabido. “Quanto mais na ignorância a pessoa fica, mais traída e enganada se sente.” E se fosse ele o autor da infidelidade, não tem dúvidas: “Era inevitável contar. Se tal acontecesse, o peso de tal acto na minha consciência obrigar-me-ia a contar.” Filipa, a sua mulher, não hesitou em contar-lhe toda a verdade. “Como já me aconteceu, sei que não se consegue esconder esta situação do nosso companheiro, quando o amamos.”
As mulheres, para traírem, precisam de um motivo, os homens de um lugar
“Há uns tempos ouvi esta frase, pode não ser totalmente verdade, mas a nossa sociedade ainda estimula um pouco isto. À partida, se uma mulher é infiel, será porque tem problemas na vida a dois, caso contrário não trairia. No caso do homem, cada vez mais se caminha neste sentido, porém ainda se incentiva muito, no seu grupo de amigos, colegas… caso apareça uma oportunidade, a trair. Ou seja, por motivos culturais, a traição masculina pode ser mais frequente e tolerada”, analisa a psicóloga.
Quanto a reacções, os homens ainda parecem ter menos capacidade para ‘digerir’ o adultério. “Lembro-me de uma ou outra situação em que o homem perdoou a infidelidade da mulher. Mas penso que isto ainda é mais complicado de gerir, porque a própria sociedade não nos ensina a ver as coisas da mesma maneira. Um homem que é traído poderá ter tendência a sentir-se mais diminuído aos olhos dos outros, do que a mulher que foi alvo da mesma situação. Definitivamente, a sociedade, e até algumas pessoas que possam fazer parte do círculo do casal, vêem com pior olhar a traição feminina”, afirma a psicóloga Sónia Parreira Duque.
João ultrapassou a infidelidade da mulher, mas admite que o adultério ainda é pior considerado quando praticado no feminino. “Há a ideia feita de que os homens não conseguem tolerar, de forma alguma, a traição e de que as mulheres o admitem mais facilmente. Mas hoje em dia a mulher também já não aceita tudo como antes e o homem não é tão rígido como há décadas.” Filipa, a sua mulher, concorda que a diferenciação de papéis, que faz do homem um infiel em potência e da mulher uma sofredora, ainda é um modelo muito enraizado na nossa cultura. “As mulheres, principalmente as mais velhas, encaram a infidelidade como algo inevitável. Calam e sofrem. Nos homens é diferente. Como é menos habitual serem atingidos, receiam ser subestimados, quer perante eles próprios, quer perante a sociedade, onde o homem ainda governa.”
Desculpar ou nem por isso…
Para algumas pessoas a infidelidade passa pelos simples pensamentos eróticos com outra pessoa. Para outros, basta a consumação física. Há ainda quem acredite que a verdadeira traição só acontece quando o companheiro se apaixona por outra pessoa. “Há quem sinta da mesma forma a traição meramente física e a sentimental. Outras pessoas há que conseguem separar as águas e sentem como menos fortes os efeitos de uma relação apenas sexual”, admite João.
E se as fantasias com outras pessoas podem ser consideradas normais, estas podem, apesar disso, causar algum desconforto no casal. “O facto de se ter uma relação estável não implica que não se possa ter fantasias com outras pessoas. Esta situação pode provocar atritos, caso o homem ou mulher perceba que o companheiro está a pensar noutra pessoa. Mas o que pode levar à separação é a consumação física da traição”, diz a psicóloga Sónia Parreira Duque.
São sobretudo os homens quem mais se refugia na máxima de que o conta é o facto de haver ou não envolvimento emocional, no caso de serem eles os infiéis. “Muitos homens falam no prazer físico e não põem em causa o seu casamento. Têm a noção de que estão a enganar as mulheres, mas não pensam em divórcio, nem se sentem efectivamente a trair, porque não estão apaixonados”, revela a psicóloga. Mas há quem não acredite nisto. “Acho que na maioria das vezes, é uma grandiosa desculpa para andar a ter casos por fora e, ao mesmo tempo, manter alguém em casa, a tratar da roupa, a fazer esparguete à Bolonhesa para o jantar e a ir buscar os miúdos à escola”, diz Anabela, 34 anos, solteira.
Ao que tudo indica a maior parte das pessoas aceita mal qualquer tipo de infidelidade. “A infidelidade continua a ser mais mal vista do lado feminino e muitos homens não desculpariam o adultério. Do ponto de vista das mulheres, aquelas que são de uma geração mais recente, na faixa dos vinte e tal, trinta anos, isso é mal recebido na mesma. Cada vez há menos mulheres a compactuarem com estas situações”, afirma a psicóloga.
Algumas transformações sociais, como o casamento e a chegada dos filhos mais tardia ou a entrada da mulher no mundo do trabalho podem, também, explicar a menor disponibilidade das mulheres para aceitarem as infidelidades dos maridos. “Quando há filhos, é mais comum o perdão, sobretudo por parte das mulheres, apesar de conhecer alguns casos de homens que também desculparam o adultério. Em relação a um casal novo, sem filhos, mesmo no caso das mulheres, cada vez é mais complicado perdoar. Porque as mulheres já se valorizam mais, são mais independentes. Há uns anos, a mulher até poderia não querer perdoar, mas também não tinha grandes alternativas, porque não era independente do ponto de vista económico”, acrescenta Sónia Duque.