O desabafo de Margarida Gomes da Silva, mãe de dois rapazes com 11 e 14 anos, podia ser o de todos os pais que detestam matemática: “Quando os meus filhos começaram a fazer contas de dividir com vírgulas, fiquei apreensiva. Depois eles perceberam que eu odiava matemática e começaram a gozar comigo: ‘Ó mãe, qual é a raiz quadrada de 1850?…’”
Se a situação lhe soa familiar, temos boas e más notícias. A boa é que não está sozinha: a crer num estudo britânico, cerca de 30% dos pais admite não confiar nas suas capacidades para ajudar os filhos na matemática. No estudo, feito a 2 mil pais com filhos em idade escolar, só 5% dos progenitores conseguiu responder bem a 10 perguntas elementares de matemática, indicadas para alunos do segundo e terceiro ciclo. Uma delas era esta: qual das seguintes frações não equivale a 1/4: 2/8; 10/40; 4/8 ou 5/20? A resposta certa é 4/8, mas 85% dos pais não conseguiu responder.
A má notícia é que a iliteracia matemática – ou inumeracia – é preocupante. Além de revelar uma incapacidade dos adultos para tarefas tão básicas como calcular trocos ou lidar com as finanças domésticas, pode estar a hipotecar o sucesso escolar e o futuro profissional das crianças. Os resultados nacionais dos últimos exames de matemática do 12.º ano, por exemplo, foram os piores de sempre: houve 61% de chumbos.
Crianças + pais que incentivam = mais sucesso escolar
Os pais têm um papel mais importante do que se possa pensar no sucesso escolar dos filhos. Aqueles que participam (não é fazer) nos TPC e falam sobre números com frequência tendem a incentivar melhores competências matemáticas nos filhos, garante um estudo de Susan Levine, professora de psicologia na Universidade de Chicago, nos EUA. Pelo contrário, os que respondem a uma pergunta do filho com “Oh, eu nunca fui bom a matemática” ou “Não sei, não tenho matemática há 20 anos” passam a imagem da disciplina como pouco apelativa ou até algo a temer. Como resultado, é provável que o rendimento escolar nesta disciplina seja pior. Provável não, garantido, a crer numa pesquisa das Universidades da Carolina do Norte, Califórnia e Brigham, nos EUA. No estudo, comparou-se o desempenho escolar de dois grupos de alunos: um tinha pais envolvidos nas atividades escolares dos filhos mas a qualidade de ensino na escola era fraca. O outro grupo tinha pais desinteressados mas boa qualidade de ensino. Curiosamente, o desempenho dos primeiros foi melhor. Apesar de terem uma qualidade de ensino mais débil, o facto de terem pais atentos aos TPC, que participavam nos eventos escolares e davam a entender que a escola era importante fez a diferença. Exagero? Então é melhor não dizermos que outro estudo britânico, do Instituto de Estudos Fiscais, sugere que crianças com boas habilidades matemáticas no fim dos primeiros 6 anos de escolaridade ganham mais em adultos do que os alunos medianos. Mais 2400 euros, em média, do que os outros. Dá que pensar.
Ainda vai a tempo de (re)aprender
Ron Aharoni escreveu um livro que pode ajudar os pais a enfrentar a aversão à matemática. Professor de matemática do Instituto de Tecnologia em Israel, aceitou um convite para ensinar no ensino básico que mudou a sua perspetiva sobre a forma de ensinar matemática às crianças. Em ‘Aritmética para Pais’ (Gradiva) explica como aprendemos, refresca de forma divertida as bases da matemática e garante que apesar da idade e do temor ainda vamos a tempo. “A aprendizagem da matemática é sequencial. Sem as bases é impossível apreender conceitos mais complexos. Nalguma altura lá atrás houve algo que não compreendeu porque não lho souberam explicar, agora tem essa oportunidade.”
Lurdes Caldeira, professora do 3.º ciclo no liceu Rainha D. Amélia, também desmistifica: “Até ao 3.º ciclo os pais poderão ultrapassar os seus ‘traumas’ facilmente, os livros de hoje são muito acessíveis. E se surgirem dúvidas podem usar a Internet. Por exemplo, colocando no motor de busca: 2/4 frações + ‘nome do capítulo que se encontra no manual da disciplina’ encontram exemplos que explicam e dão a solução do problema.” Mas mesmo sem saber matemática, diz Ron Aharoni, pode ajudar as crianças a gostar. Quem sabe no processo não descobre a magia e beleza de que tanto se fala acerca desta disciplina.
1.ª Lição: matemática à nossa volta
Ao contrário do que acontece com as línguas ou a história, em que as crianças podem aprender com a televisão, a ver exposições ou em viagens, a aprendizagem da matemática é muitas vezes relegada só para a sala de aula, o que é um erro. “A matemática é feita de verdades universais que têm de ser adquiridas muito cedo. Portanto, o esforço da parte do pai e do filho tem de começar quando a criança começa a falar”, lembra Ana Rodrigues. Professora de matemática na Universidade de Exeter, é uma ativista da matemática, convicta de que os números têm de ser pensados e brincados desde muito cedo. “Se quer fazer do seu filho um bom aluno, brinque com ele de forma a espevitar a curiosidade, a concentração, o pensamento abstrato. Abra os brinquedos, para ver como são, mostre-lhe as estrelas, habitue-o aos números desde pequenino”, sugere.
Na verdade, quando entram para a escola as crianças já têm uma noção intuitiva de alguns conceitos básicos, que no entanto terão de aprender de novo explicitamente. Os pais podem ajudar nesta fase, mesmo sem saber matemática, diz Ron Aharoni: direita/esquerda; em cima/em baixo; grande/pequeno; atrás/à frente; antes/depois… são conceitos que estão em todos os jogos infantis, basta chamar a atenção para eles. Mais exemplos: junte recipientes e pacotes que tenha no armário e peça à criança para os colocar por ordem: do mais alto para o mais baixo; depois, do que leva mais para o que leva menos, do mais cheio para o mais vazio, do mais pesado para o mais leve…
Números em todo o lado!
Para aprenderem o conceito abstrato de número as crianças devem começar por juntar, separar e comparar objetos. É que a aprendizagem da matemática começa sempre no concreto. Mostrar a uma criança três Chocapics quando se está a ensinar o número 3 é mais eficaz do que recitar uma fiada de números de memória. São os exemplos que levam à abstração. Não basta explicar que 2+2 são quatro, eles têm de experimentar para saber.
– Para a adição, faça-os juntar conjuntos de objetos uma e outra vez. Peça ajuda para contar objetos na casa toda. ‘Quantas cadeiras temos à volta da mesa? E na sala? E em casa?’ Contem janelas, interruptores, candeeiros, camas, tudo o que lhe ocorrer. Dê-lhe duas maçãs e depois mais duas, por exemplo. No fim, peça-lhe para contar as maçãs, mas comece em diferentes lugares do conjunto, como no meio da fila de maçãs em vez de no início. Assim, eles percebem que o resultado é igual, seja qual for o sítio em que se comece a contar.
– Para a divisão, peça-lhes para dividir um conjunto de objetos diversos em conjuntos iguais. Convém variar os objetos, senão o número 3 pode ficar associado só a maçãs.
– Explique o conceito de frações enquanto parte um bolo na cozinha. Para não usar só formas circulares, compare uma metade de uma toalha com um quarto de um cobertor. Pergunte: “Uma metade é sempre maior do que um quarto?”
– Fale de subtrações enquanto enche formas de queques: “Se enchermos 8 formas e houver 12 formas, quantas ficarão vazias?” Ou pegue em laranjas: “Destas 9 laranjas, se deres uma ao pai e à mãe, com quantas ficas?”
Contar o tempo
Aprender a associar a passagem do tempo a acontecimentos ajuda as crianças a compreender conceitos como ‘mais depressa’ e ‘mais devagar’, mais comprido e mais curto, primeiro e último, ou antes e depois, que são importantes na matemática. Fale-lhe da passagem do tempo, para ela começar a ter noções básicas. Pode dizer ‘demoramos 10 minutos a chegar a casa’ ou ‘falta uma hora para o jantar’. Também podem usar um relógio para contar o tempo que demoram a jantar ou a ir às compras.
Memorizar a tabuada
É das poucas coisas de se tem de memorizar, diz Ron Aharoni. Seja criativa: papéis no frigorífico, exercícios diários antes do jantar, jogos e cantilenas divertidas. Por exemplo: pais ‘1×6=6’, criança: ‘2×6=12’… ou ‘quem será o primeiro a encontrar uma conta de multiplicar cujo resultado seja 30? E uma conta com resultado 42?’ Sem exagero, pois alguns estudos sugerem que elas memorizam melhor quando as atividades duram 5 a 10 minutos. Depois começam a ficar distraídas.
Somar números negativos
“Para somar números negativos, sugiro que se façam contas com dinheiro”, sugere a professora Lurdes Caldeira. Por exemplo -2-1=-3. Explicamos que o sinal – está associado a dinheiro que nos devem. Se me pedem e2 e de seguida me pedem mais e1 , ficam a dever-me e3. Outro exemplo -2+1=-1 devem-me e2 e dão-me e1, logo ainda ficam a dever-me e1. “Os miúdos são muito sensíveis a dinheiro e não falham uma, se estiverem concentrados.”
AS dicas das ‘storas’
As professoras Ana Rodrigues e Lurdes Caldeira deixam outras ideias para os pais.
– É importante responsabilizar os filhos para tirarem as dúvidas com o professor e não terem vergonha de fazer perguntas, já que uma dúvida não esclarecida logo pode ter o efeito ‘bola de neve’.
– Convém os pais terem algum controlo sobre o caderno dos filhos. Se numa aula estiver registado somente o sumário, desenhos e pouco mais, deverão suspeitar de que ele pouco ou nada está a fazer na aula. Podem sempre pedir o caderno a um colega do seu filho e comparar.
– O domínio da língua portuguesa é outro problema, porque os alunos não conseguem interpretar as perguntas dos testes. É importante estimulá-los a ler desde cedo.
– É fundamental convencê-los de que ‘querer é poder’, e se quiserem conseguem. Dê um reforço positivo a pequenas subidas nas notas do teste e se não for o caso diga “se trabalhares e estiveres mais atento nas aulas de certeza que vais conseguir”.
– Se os filhos já têm mais de 10 anos não é viável esperar que pais avessos a matemática consigam ajudar nos exames. É possível ajudar motivando e dando as condições para eles se concentrarem. Muitos pais já não se lembram do silêncio que é preciso para estudar. Valorize o estudo e o esforço. Diga: “Estudaste tanto, vamos lá beber uma coca-cola.”
– Por fim, é importante perceber que há crianças mais dotadas para a matemática que outras. Um pai não tem de achar que não foi bom pai porque o filho é mau a matemática. Pode ser excelente em línguas, somos todos diferentes e isso é bom. O que o pai tem de fazer neste caso é ajudá-lo a encontrar um caminho alternativo e motivá-lo a estudar. Se não vier a ser um excelente matemático, pode vir a ser a próxima Maria Callas.
Livros e sites úteis
• Aritmética para Pais’, Editorial Gradiva
• www.Mathfour.com
• www.Bedtimemath.org
• www.suzannesutton.com
• videos.sapo.pt/khanacademy
• www.mathstart.net
• Programa ‘Isto é Matemática’, Sic Notícias, sábados, 20h45