– A Carente
Desde que se separou do Fábio Luís que nunca mais foi a mesma pessoa, o sacana do Fábio Luís que lhe fugiu com o gato, o serviço Vista Alegre com uns lacinhos azuis e umas cordinhas, e a coleção de sininhos de prata (não se sabe para que é que o Fábio Lúis queria uma coleção de sininhos de prata, mas teme encontrar algum deles brevemente na Feira da Ladra). Quase toda a gente teve um Fábio Luís na sua vida, mais sininho menos sininho, mas há quem tenha encalhado no Fábio Luís e não consiga partir para outro, nem falar de outra coisa, nem sonhar com outro homem, de maneira que o melhor é mesmo resolver a questão dos sininhos antes de abrir o coração a outro candidato, que merece uma alma arrumada, mesmo que com um serviço Vista Alegre a menos.
– A Faladora
Acha que duas pessoas têm de saber tudo uma sobre a outra, que é uma maneira de dizer que o desgraçado tem de saber que você gosta de frango na Púcara mas detesta coelho à caçadora porque o seu tio tinha coelhinhos bebé e você brincava com eles e uma vez sonhou que comia um gato, que agora não tem nada a ver. Nem se dá conta de que começa a falar e não pára, nem se dá conta que já desbobinou tudo sobre o coelho à caçadora e os sininhos do Fábio Luís e todas as suas relações antes do Fábio Luís que também não deram certo porque os homens hoje são todos uns imaturos com papel daquele que se rebenta as bolhinhas no lugar do cérebro, e acabam o encontro sem que o desgraçado tenha oportunidade para dizer que o seu prato preferido é Bacalhau à Braz (sem azeitonas). Ele vai-se embora com um suspiro de alívio a pensar se ainda dará tempo para ver o Real Madrid- Panatinaikos, e ela vai-se embora a pensar que correu tudo muita bem, que ele tem ar de bom rapaz e só é pena ser um bocado calado. Três semanas depois, ele nunca mais lhe disse nada e ela volta à conclusão de que os homens são todos uns imaturos do pior e mais aquela coisa do papel das bolinhas, e entretanto o Real Madrid ganhou e pelo menos o Cristiano Ronaldo está feliz, mas esse não conta que já está noivo da Irina (essa aproveitadora).
– A Controladora
“Olha lá, ó Manel Tó, tu onde é que andaste a tarde toda? Não sabias ligar-me só para me dar um beijinho? Se calhar andavas lá tão entretido com a lambisgoia da Soraia Patrícia que nem te lembraste que eu existia, não foi? E que estava aqui a roer as unhas à espera de uma palavrinha tua, e tu népias, não foi? Mas quando és tu, gostas que eu te diga qualquer coisa. Olha e já te inscreveste no curso de ladrilhador? Já puseste aquele anúncio de emprego? Já respondeste ao Sr. João que disse que te arranjava qualquer coisinha na empresa dele? Olha que eu não sustento malandros. E tens é que ver se bebes menos cerveja que mais dia menos dia já estás em estado de concorrer ao ‘Peso Pesado’ e depois a Teresa Branco põe-te a brócolos com espinafres e aí é que vais ter saudades do meu esparguete à Bolonhesa. Ingrato.”
– A Picuinhas
Carne não come, que é contra as touradas, e também não come carne de frango mesmo não havendo frangadas. Peixe também não, que tem dioxinas, salmão é alérgica, atum só para gatos, hidratos de carbono nem vê-los embora diga que tem sempre pão em casa (e tem, mas é de Abril de 2004), açúcar é um veneno, álcool tem 9 calorias por grama, e obviamente que batatas fritas a última vez que as meteu à boca tinha 4 anos e não sabia o que fazia nem o que eram radicais livres. O lençol tem sempre de ter uma dobra, as almofadas têm de estar simétricas, as blusas são engomadas até à exaustão, a vida é toda planeada, e quando alguma coisa sai fora de controlo explode. Eles não gostam de levar com os cacos. Nem eles nem ninguém. Relaxe. Afinal, a vida são dois dias (até a Troika decidir que passamos muito bem só com um, desde que não seja feriado nem ponte).
– A Interesseira
Ele paga tudo até se aperceber de que cavalheirismo tem limites e que as coisas já começam a ir um bocado longe demais. Que se pague o primeiro e o segundo jantar, pronto, é de bom tom. Que se pague todos os jantares, e almoços, e brunches, e férias no Choupana Hills, já começa a ser um bocadinho demais. Claro que, para alguns homens, terem de pagar um cafezinho no bar da esquina já é serem financeiramente explorados principalmente agora que somos todos pobres aos olhos da Troika (e vamos ser ainda mais, se Deus quiser) mas ninguém gosta de sentir que estamos com ele pelo seu lindo BMW Série 5.