*artigo publicado na revista ACTIVA de novembro de 2016
Nada preparou Luís C. para a pergunta que iria ouvir às 9h da manhã. A sua filha Catarina, de 9 anos, entrou na casa de banho, onde estava a fazer a barba, e disparou a bomba: ‘Pai, as meninas têm de pôr o pénis dos meninos na boca?’ Luís lembra-se de ter dito ‘o quê?’ porque aquela pergunta parecia não ter feito sentido na sua cabeça. Quando a filha repetiu, entrou em pânico e não conseguiu dizer nada durante uns segundos. Nenhum pai ou mãe está preparado para ouvir uma pergunta daquelas vinda de uma criança de 9 anos. Depois de quase cortar a jugular com o choque, Luís empurrou o assunto para mais tarde, para falarem com mais calma. Foi a única coisa que lhe veio à cabeça e passou o dia todo a pensar no que deveria dizer-lhe à noite. E nessa conversa ficou a saber que na escola que a filha frequentava havia miúdos mais velhos que levavam os telemóveis e um do 7.º ano andava a mostrar os vídeos pornográficos que tinha encontrado na net. Espantada? Não esteja, vários estudos feitos nos EUA, França e Inglaterra dizem que a média de idade a que os miúdos são expostos a conteúdos pornográficos pela primeira vez é aos 11 anos. Em Portugal, um estudo (2004) conduzido pelos psicólogos Nuno Nodin e Andreia Matias (para o qual entrevistaram jovens dos 20 aos 30 anos)revelava que para 40% deles o primeiro contacto com conteúdos pornográficos tinha sido aos 8-10 anos (TV e vídeos), 40% aos 11-13 anos e 20% entre os 14 e os 16 anos. Hoje, com o acesso à internet muito mais facilitado através do uso generalizado de computadores mas também de tablets e smartphones, podemos presumir que o primeiro contacto com conteúdo explícito possa ser ainda mais cedo.
A juntar às conversas que muitos pais temem ter com os filhos – como se fazem os bebés, os cuidados ao iniciarem a vida sexual – acrescente uma terceira: pornografia. E esta pode ter de acontecer mais cedo do que pensa, como sucedeu com Luís C.
Click, click, já está
A procura de pornografia pelos adolescentes não é nada de novo, acontece desde sempre, e conteúdos explícitos também (dos livros indianos com posições sexuais às revistas Playboy e Gina nos anos 70), o que mudou foi a facilidade com que se entra em contacto com as imagens pornográficas. E se há 30 anos os adolescentes tinham de perder a vergonha e ir aos quiosques comprar revistas à socapa ou espreitar as que o irmão mais velho tinha debaixo da cama, agora basta clicar num pop up do computador inadvertidamente ou fazer uma pesquisa com 2 ou 3 palavras-chave. Se não houver controlo parental ou filtros para conteúdos explícitos nos aparelhos é todo um mundo de vídeos que fica à disposição deles, quer estejam ou não preparados para os ver.
“Já nos anos 90, quando surgiu o canal 18, que dava pornografia à noite, havia muitas crianças que acabavam por dar de caras com aquelas imagens e os pais nem sonhavam que eles viam televisão àquela hora. Quando fazia sessões de educação sexual nas escolas, muitos professores contavam como as crianças reproduziam coisas que tinham visto em filmes pornográficos ou faziam perguntas que mostravam claramente que já tinham sido expostas àquele tipo de material”, recorda Nuno Nodin, psicólogo e professor na Universidade Royal Holloway, em Londres.
“Aos 9-10 anos, as crianças não compreendem muito os assuntos que têm a ver com a sexualidade, compreendem do ponto de vista lógico se tiverem uma aula sobre o aparelho reprodutor, mas não vai além disso porque não têm maturidade cognitiva ou emocional. A pornografia é vista como uma realidade agressiva e violenta. É importante proteger os mais pequenos do acesso visual destes conteúdos porque não traz benefícios nenhuns. Nós andamos preocupados se as crianças têm contacto com informação desajustada mas depois é isso que proporcionamos, permitindo que vejam televisão no quarto, oferecendo telemóveis, dando oportunidade para se isolarem e absorver toda a informação sozinhos. Apesar de todos os aparelhos já virem com opção de acesso restrito, muitos pais esquecem-se desse pormenor”, afirma a psicóloga Vera Barroso, da Oficina de Psicologia. “Se lhes damos um telemóvel para as mãos antes dos 14 anos, eles vão ter acesso a informação que não é para a idade deles. É a mesma coisa que levá-los a uma sex-shop e depois não querermos que eles vejam o que está exposto”, adianta a psicóloga.
“Vamos lá sentar e falar sobre sexo”
Muitas vezes, esta frase surge numa altura em que os pais se sentem mais à vontade para falar, mas os adolescentes já não querem ouvir, aos 15-16 anos. Mas não deixe de o fazer, é uma idade crítica, lembra Vera Barroso, “porque muitos começam a sua prática sexual com essa idade. Mas os pais devem insistir, até devido aos perigos associados a estas idades, como a gravidez não desejada ou as doenças sexualmente transmissíveis. Se os pais tiverem muitos constrangimentos, podem pedir a alguém da sua confiança que o faça”, diz a psicóloga. Para o professor Nuno Nodin, não há idade específica para falar de sexo, “essas conversas, desde as diferenças de género a relações emocionais e sexo, devem ser feitas desde sempre e com a naturalidade com que se fala de outro assunto, isto para que quando aparecer uma cena numa telenovela, num filme ou nas notícias, possam ter à vontade para abordar o tema”.
Apanhado em flagrante
E se de repente percebe que o seu filho está a ver pornografia, o que fazer? Depende, aconselha Vera Barroso, “se forem crianças pequenas, tire as imagens mas não de forma brusca, ‘ah, o que estás a ver? Sai já daqui!’ não é de todo o que deve fazer. O mal está feito, mas primeiro devemos perceber o que a criança entendeu” e só depois damos resposta, porque podemos complicar ainda mais o que se viu. Se forem adolescentes mais velhos, “o melhor é dar meia volta e fingir que não se viu. Nesta idade há muita curiosidade em relação ao assunto e isso não é negativo. Fale mais tarde. Se os pais se puserem ao lado do adolescente a perguntar o que está a ver é muito constrangedor para ele. Ver pornografia depois dos 14-15 anos é menos problemático, porque têm outro tipo de maturidade. Eles querem aprender a relacionar-se com os parceiros, com intimidade”. Mas não deixe de falar com os seus filhos sobre o assunto, porque senão a ideia que vão ter do sexo é somente aquilo que veem no ecrã.
Real vs ficção
“É verdade que aprendemos por imitação. Cheguei a ter adolescentes em consulta que tinham medo da 1.ª relação sexual porque não sabiam o que fazer. Eles ficam à toa mas depois veem pornografia e fazem igual. Essa imitação não é má, dá-lhes alguma segurança inicial, mas ao longo do tempo, e com as conversas com os pais, a sua postura perante a sexualidade também vai criar o seu estilo de envolvência”, refere a psicóloga.
Em 2015, o sexólogo dinamarquês Christian Graugaard defendeu que a pornografia devia ser dada nas escolas a alunos com mais de15-16 anos porque a sexualidade que é ensinada nas escolas é aborrecida e técnica e não vai muito além de ensinar a pôr um preservativo num pepino, enquanto isso os miúdos andam a ver pornografia sem filtro. A sua intenção era ajudar os adolescentes a serem consumidores críticos e que percebam a diferença entre pornografia e sexo real. Tanto Vera Barroso como Nuno Nodin concordam que os adolescentes devem perceber que a pornografia não é a realidade e que é fundamental ter uma postura crítica, mas não necessariamente em contexto escolar, sobretudo sem especialistas a fazer o acompanhamento. Até porque se não houver mais nenhuma outra fonte de informação, aquilo que os adolescentes vão aprender são os padrões estereotipados da pornografia. “Quando trabalhei na linha telefónica de ajuda Sexualidade em Linha, em 2001, recebíamos telefonemas de jovens com 10-12 anos a perguntar se tinha de haver sempre sexo oral e anal nas relações. Cá está, uma educação sexual precoce estereotipada e enviesada em relação à realidade. Além disso, as mulheres não são tratadas de forma muito positiva na pornografia. Hoje, por exemplo, há muito mais pressão para as raparigas terem sexo anal porque é norma na pornografia. E elas (e eles) têm de saber que ninguém deve fazer nada pressionado e que não queira”, lembra Nuno Nodin.
Sobretudo não faça como os pais à moda antiga, ou seja, davam um livro sobre educação sexual e fugiam a sete pés, esperando que os filhos não fizessem perguntas. “Os livros são um ótimo ponto de partida, mas são sobre generalidades e os miúdos precisam de casos específicos”,
diz a psicóloga Vera Barroso.
*Artigo originalmente publicado em 2016
• Ao contrário do que muitos pais possam pensar, não é por falar sobre sexo ou sobre o que representa a pornografia que eles vão ter sexo à primeira oportunidade que apareça. “Sabemos, através da nossa investigação, que as crianças e os adolescentes mais informados em relação à sexualidade são aqueles que tendem a adiar o início da sua vida sexual”, garantem ambos os psicólogos.
• Se tiver mais de 14 anos e nunca tiver tido uma conversa sobre sexo ou pornografia, cabe aos pais tomarem a iniciativa da conversa. Se se sentirem constrangidos, peçam a alguém da sua confiança. Lembre-se que a forma como aborda (ou não) a sexualidade
vai modelar a ideia que eles têm sobre sexo.
• Sempre que aparecer uma cena de um filme, telenovela ou uma notícia na televisão sobre o tema aproveite para perceber o que eles pensam sobre o assunto.
• Não mude de canal cada vez que aparece uma cena mais íntima na televisão. Se a sua atitude for essa, eles vão perceber que é um assunto em que não se sente à vontade, logo não vão ter consigo quando tiverem dúvidas.
• Quando são pequenos, deixe-os falar sobre o que têm dúvidas, tente não cortar o assunto abruptamente e responda de forma simples, sem explicações elaboradas que confundem mais do que esclarecem.