Getty Images

Há anos que ouvimos dizer que as crianças leem pouco e, agora, com o domínio dos telemóveis, o pouco passou a quase nada. Mas será que está mesmo tudo perdido? Agora que está aí a Feira do Livro, perceba como os livros podem voltar à nossa vida.

1. Não dar a batalha como perdida – Falo com professoras e todas me dizem a mesma coisa: nada está a funcionar, os miúdos não leem, o mundo vai acabar. É verdade que todos nós, adultos e crianças, andamos a ler menos. O mundo mudou para todos. Mas também é verdade é que, quando encontramos um livro que nos entusiasma, a paixão regressa. Por isso, vamos à procura dele? A Feira do Livro está aí: investigue, fale com amigos, peça sugestões. Para que os livros voltem à vida das crianças, temos primeiro que os deixar voltar à nossa.

2. Perceber porque lemos – Primeira pergunta: afinal, lemos para quê? Porque é tão importante? Eu também não gosto de surf e ninguém me chateia para fazer surf. Porque hei de ler? Primeira resposta: lemos porque a ficção é o que distingue a nossa espécie (isso e rir de piadas parvas). Falo com a Cíntia Palmeira, formadora de educadoras e criadora das Bebetecas em casa, um projeto de literacia familiar para incentivar os pais a lerem aos filhos. Pergunto: para que serve ler? Ela devolve a pergunta: “Qual é a qualidade de vida de uma pessoa que não lê? Nenhuma. A pessoa que não lê não tem investimento simbólico. Sai, vai às compras, vive para consumir. Mas não é capaz de desfrutar um filme, um passeio ao ar livre, um bom livro. Porque o seu mundo interno não se desenvolveu, não tem psiquismo.” Isso é também o que sempre interessou a quem nos governa. Partilhamos ficções comuns, sim, mas não devemos ler tanto que resolvamos, por exemplo, pô-las em causa. “Desde o tempo da caverna de Platão que os homens do poder criam filmes onde as pessoas acorrentadas no fundo das cavernas veem apenas sombras e ficam presas a elas”, explica Cíntia. Era o tablet da altura? (risos) “Sim, era o tablet da altura. Não tenho nada contra redes sociais porque há coisas muito boas, aproximam as pessoas e permitem lançar projetos interessantes. Mas também há coisas muito tolas. Ser leitora permite escolher o que você quer ver, em vez de ficar perdida nos tik toks da vida.”

3. Mostrar-lhes que ler ensina a pensar – Sigo para a minha segunda guru, a professora e escritora Ana Cristina Silva, que há trinta anos ensina futuras professoras e investiga o processo de aprendizagem da leitura e da escrita. “Ler ensina a pensar”, resume. Ou seja, como nós pensamos com palavras, quanto mais palavras tivermos, melhor pensamos, é isto? “Claro. O livro constrói para nós um software mais sofisticado em termos de capacidades cognitivas. A minha capacidade para me pensar a mim e ao outro de uma forma complexa, a empatia, o facto de termos acesso a um registo emocional, ajuda-nos a construir um pensamento mais sólido sobre nós próprios e sobre os outros.” Os livros dão-nos uma riqueza que no dia a dia não temos: “Repara: no nosso quotidiano, temos uma comunicação com os outros relativamente superficial. ‘Vai buscar os miúdos, foste ao supermercado, trouxe uvas’, e é isto. Usamos poucas palavras, comunicamos sobre factos e não sobre emoções e não temos muitas vezes um espaço para refletir sobre as nossas emoções. Ora a boa literatura ajuda-nos a fazer isto.”

4. Perceber o que se passa no país – Segundo um famoso inquérito recente conduzido pela Gulbenkian e pelo Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, no último ano, 61% dos inquiridos não leu um único livro. Além disto, 71% afirma que na infância ou adolescência nunca foram levados a uma livraria, a uma biblioteca (77%) ou a uma feira do livro (75%). Quase metade nunca recebeu um livro e mais de metade nunca ouviu ler uma história em criança.  Quando vemos estes números, é preciso lembrar que um livro em Portugal custa 20 euros. Um quarto dos trabalhadores ganha o salário mínimo (e somos dos países da UE com o salário mínimo mais baixo), e em poder de compra estamos na 12.ª posição, atrás de países como a Roménia ou a Lituânia. Há quem diga ‘toda a gente se queixa do preço dos livros mas ninguém se queixa do preço dos bilhetes de futebol’. Mas isso é ser-se profundamente desempático e não perceber que pobreza factual gera pobreza cultural. Seria de esperar que a democratização do ensino significasse mais do que levar mais crianças à escola? “Sim. Mas o que nós vemos em Portugal é que a escola não está a ser um fator de ascensão social, acabando por deixar para trás muitos meninos que serão analfabetos funcionais. E depois tudo isto tem consequências no futuro. Não se pode fixar os bons cérebros, que apesar de tudo sobrevivem, com empregos precários de mil euros e casas com rendas de mil euros, portanto até os bons alunos nós vamos perder.”

5. Passar o entusiasmo pelos livros – É o mais importante mas é aí que, muitas vezes, em casa ou na escola, a missão emperra. “O entusiasmo é altamente contagiante. O problema é que muitas vezes os adultos não gostam de ler. E não podemos dar uma coisa que não temos”, explica Ana Cristina Silva.

6. Escolher bem – É preciso saber escolher livros cativantes para cada idade sem ficar demasiado preso aos clássicos. “A regra é, se os miúdos não estão motivados, temos de motivá-los. Mas eu tenho de gostar de ler para conseguir passar essa paixão! E só depois ir ao registo analítico e ao estudo! Isso atualmente não é pensado, diz-se mal mas não se faz nada para ir buscar os não leitores. Fazem-se muitos projetos mas tudo aquilo acaba por se perder no tempo, por não ser consistente nem integrado em nenhuma rotina.”

7 – Ler em voz alta – Quer os pais quer os professores: porque o ouvido treina-se antes dos olhos. Em vez de mandarem os miúdos fazer fichas, os professores podiam criar de forma sistemática a leitura em voz alta. “Isso aumenta a fluência leitora, o entusiasmo e a compreensão, e não acho muito complicado de pôr em prática. Outra ideia é formar clubes de leitura, que os miúdos também adoram.” Os pais podiam recuperar o momento da leitura ao ir para a cama. Se eu não gosto de ler, raramente pego num livro e o meu filho nunca me ouviu falar de um autor, é pouco provável que lhe passe qualquer tipo de vontade de ir ler. Mas mesmo que eu não seja dada à literatura, há uma coisa que todos os pais e mães podem fazer:  todos podem tirar dez minutos à noite para ler aos miúdos. “Eu sou adepta desses momentos antes de dormir, em que o livro une pais e filhos”, explica Ana Cristina Silva. “E essa ocasião de afeto e de intimidade deve continuar mesmo até aos 10 anos, porque leva tempo até que uma criança consiga ler bem. Isto cria leitores e cria laços. Os livros em casa devem ser separados da escola e dos trabalhos de casa, e devem ser vistos como um prazer e não como uma obrigação.”

8 – Frequentar as bibliotecas – Falámos há pouco no preço dos livros, mas para resolver o drama dos livros caros existem as bibliotecas. Problema: muitas pessoas simplesmente não têm por hábito frequentá-las. Por isso, sugere Ana Cristina Silva, se as pessoas não vão às bibliotecas, as bibliotecas deviam ir às pessoas. “Seria uma boa ideia saírem mais para a rua, irem atrás dos pais, estarem presentes nos mercados, por exemplo. Se as coisas que fizemos até agora não estão a funcionar, é preciso sair da caixa e pensar em alternativas. Mas como tudo isto sai da rotina burocrática, tudo continua como está.”

9 – Aceitar sugestões – Também é democrático que, em vez de a leitura ser uma caminho de sentido único, seja uma troca e uma partilha. Se partilhou com o seu filho um livro que gostou de ler, porque não pedir-lhe uma sugestão de volta? Depois claro: convém lê-la…

10 – Não abandonar a luta – E é só? “Repara, só falei em duas ou três medidas”, lembra Ana Cristina Silva. “Nada disto dá trabalho, não é revolucionário, e são coisas estudadas que têm impacto. Os professores devem começar a aula com 10 minutos de leitura em voz alta, pô-los a ler a mesma história depois, continuar a ler para os miúdos mais crescidos, e os pais podem ler para eles à noite. Sei que mesmo esta única medida para alguns pais é cansativo. Mas experimentem. E lembrem-se: não posso mudar tudo ao mesmo tempo, mas posso mudar pequenas coisas cuja probabilidade de sucesso é elevada.” Eu tenho outras ideias, como uma família que eu conheço onde todos os dias durante 20 minutos toda a gente pára o que está a fazer e cada um lê um livro à sua escolha. Não é uma boa ideia?

Silêncio.

“Não compliques.”

Palavras-chave

Mais no portal

Mais Notícias

Black Pavilion: Para comer de olhos bem abertos

Black Pavilion: Para comer de olhos bem abertos

Devem as empresas ajudar os colaboradores a desfrutar a vida?

Devem as empresas ajudar os colaboradores a desfrutar a vida?

JL 1371

JL 1371

Ricardo Raposo mostra-se apaixonado pela bailarina Fabiana de Sousa

Ricardo Raposo mostra-se apaixonado pela bailarina Fabiana de Sousa

Stellantis inaugura primeira gigafábrica de baterias da AAC em França

Stellantis inaugura primeira gigafábrica de baterias da AAC em França

A cumplicidade de Letizia e Felipe VI no Dia nacional das Forças Armadas

A cumplicidade de Letizia e Felipe VI no Dia nacional das Forças Armadas

Marinha portuguesa assina acordo com fundo dinamarquês

Marinha portuguesa assina acordo com fundo dinamarquês

Os lugares desta História, com Isabel Stilwell: O resgate do pequeno duque

Os lugares desta História, com Isabel Stilwell: O resgate do pequeno duque

Vincent Van Duysen e Zara Home numa nova parceria criativa

Vincent Van Duysen e Zara Home numa nova parceria criativa

Peugeot 3008 vai ter um ecrã curvo gigante

Peugeot 3008 vai ter um ecrã curvo gigante

Ministro do Ambiente destaca no parlamento apoios para floresta superiores a 450 ME

Ministro do Ambiente destaca no parlamento apoios para floresta superiores a 450 ME

Garante um verão repleto de diversão nos campos de férias disponíveis na Juvigo!

Garante um verão repleto de diversão nos campos de férias disponíveis na Juvigo!

Santa Maria recebe radar da LeoLabs para vigilância do espaço.

Santa Maria recebe radar da LeoLabs para vigilância do espaço. "Queremos ser bons vizinhos", diz CEO da empresa americana

O Gosto dos Outros: Frankie Chavez

O Gosto dos Outros: Frankie Chavez

A água no centro das políticas de desenvolvimento dos territórios

A água no centro das políticas de desenvolvimento dos territórios

Casa da Criatividade celebra 10 anos com 188.537 espectadores e

Casa da Criatividade celebra 10 anos com 188.537 espectadores e "oferta mais ajustada"

A La Redoute designa três tendências de mobiliário de exterior

A La Redoute designa três tendências de mobiliário de exterior

Quase 18.000 pedem medicamento inovador para cancro da mama, Infarmed analisa situação

Quase 18.000 pedem medicamento inovador para cancro da mama, Infarmed analisa situação

Álvaro Covões na capa da EXAME de Junho

Álvaro Covões na capa da EXAME de Junho

Peugeot 3008 vai ter um ecrã curvo gigante

Peugeot 3008 vai ter um ecrã curvo gigante

Conjuntos: 18 ideias para conjugar peças nos meses quentes

Conjuntos: 18 ideias para conjugar peças nos meses quentes

Ministério da Saúde admite contratar médicos no estrangeiro

Ministério da Saúde admite contratar médicos no estrangeiro

Em bons lençóis. Três marcas portuguesas apostam no têxtil de cama

Em bons lençóis. Três marcas portuguesas apostam no têxtil de cama

Descubra porque é que Kate altera os vestidos dos designers

Descubra porque é que Kate altera os vestidos dos designers

Georgina Rodríguez usa visual sensual no aniversário dos gémeos... e é criticada

Georgina Rodríguez usa visual sensual no aniversário dos gémeos... e é criticada

Pink Dolphin: morada de arte e objetos especiais no Poço dos Negros

Pink Dolphin: morada de arte e objetos especiais no Poço dos Negros

Rania elege vestido preto de alta costura para o casamento do filho

Rania elege vestido preto de alta costura para o casamento do filho

Boas ajudas para dominar a arte de grelhar

Boas ajudas para dominar a arte de grelhar

Costa Alentejana: Dez paragens gastronómicas

Costa Alentejana: Dez paragens gastronómicas

Portugal, 24 de abril: como era o País nas vésperas da revolução

Portugal, 24 de abril: como era o País nas vésperas da revolução

ATL para aventureiros

ATL para aventureiros

Em “Sangue Oculto”: Vanda compra o hospital e vinga-se de Beni

Em “Sangue Oculto”: Vanda compra o hospital e vinga-se de Beni

Galp de Sines é o maior poluidor do país segundo lista da associação Zero

Galp de Sines é o maior poluidor do país segundo lista da associação Zero

Letizia recicla vestido intemporal

Letizia recicla vestido intemporal

JL 1372

JL 1372

Jeep Avenger em teste: pequeno no formato, grande no espírito

Jeep Avenger em teste: pequeno no formato, grande no espírito

Hackers russos roubam dados de funcionários de empresas britânicas

Hackers russos roubam dados de funcionários de empresas britânicas

Mães e musas

Mães e musas

ATL para artistas

ATL para artistas

Sound Particles lança nova versão do SkyDust 3D

Sound Particles lança nova versão do SkyDust 3D

Os lugares desta História, com Isabel Stilwell: Se não for a bem, vai a mal

Os lugares desta História, com Isabel Stilwell: Se não for a bem, vai a mal

Jokha Alharthi:

Jokha Alharthi: "A globalização tem aspetos positivos, não se pode negar, mas será que nos aproximou uns dos outros?"

Rainhas e princesas adotam estilo

Rainhas e princesas adotam estilo "marinheiro"

Paulo Vintém faz promessa a Marta Melro

Paulo Vintém faz promessa a Marta Melro

‘Niksen’: a arte holandesa de não fazer nada para ter uma vida melhor e sem (tanto) stress

‘Niksen’: a arte holandesa de não fazer nada para ter uma vida melhor e sem (tanto) stress

Parceria TIN/Público

A Trust in News e o Público estabeleceram uma parceria para partilha de conteúdos informativos nos respetivos sites