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Durante a Segunda Guerra, o poeta surrealista Robert Desnos, que era judeu, foi levado para um campo de concentração. Um dia, é empilhado com outros prisioneiros num camião que os vai levar para as câmaras de gás. Os homens vão desesperados, numa tristeza de inverno. Todos sabem o que os espera. Quando chegam ao destino, descem do camião. Os próprios guardas estão silenciosos. De repente, Desnos salta do meio dos outros, pega na mão de um deles e grita: ‘Olha! Consigo ler o teu futuro! Vejo aqui que vais ter uma vida longa e feliz, vais casar com uma loira que te vai dar quatro filhos, vais ser um pintor muito conhecido!’De repente, como num sonho, a atmosfera transforma-se. Todos os prisioneiros em fila para serem mortos estendem as mãos e gritam ‘Lê a minha mão, vê o meu futuro!’, todos riem, todos batem palmas. Para todos Desnos prevê um futuro de paz, prosperidade, felicidade. Os próprios guardas estão desorientados. Como matar um bando de gente tão feliz a quem foi previsto um futuro tão maravilhoso? Lentamente, tornam a arrebanhar os homens e levam-nos de volta para as barracas. Ninguém foi morto nesse dia.

A história é contada por outro poeta, e sacerdote zen, o americano Norman Fischer, no seu livro ‘The world could be otherwise’ (O mundo podia ser diferente) onde fala do poder da imaginação e da sua ligação com a espiritualidade. Ninguém sabe se a história é verdadeira ou não. Robert Desnos morreu de tifo poucos dias depois de a guerra acabar, e a história foi passada de boca em boca. Mas, afirma Norman Fischer, “Quando digo que é verdadeira não quero dizer que é verificável factualmente, mas que é verdadeira para nós, no nosso coração”.

As histórias que criam o mundo

A imaginação não é apenas aquilo que nos salva – real ou metaforicamente – de um mundo sem esperança. Também foi aquilo que, segundo o sociólogo israelita Yuval Harari, deu aos humanos a capacidade para… dominarem o universo. No livro ‘Sapiens’, Harari analisa o poder da imaginação para tornar o mundo numa ficção que todos partilhamos. Há animais que vivem em conjunto e cooperam: as formigas, os lobos, os macacos. Mas os humanos são os únicos que conseguem cooperar com estranhos em números enormes (um exército, um país). Como conseguimos isso? Harari tem a resposta: os Sapiens conquistaram o mundo… contando histórias.

Claro, tínhamos a linguagem para isso que faltava aos lobos e às formigas. “Só os Sapiens conseguem falar sobre entidades que nunca viram, tocaram ou cheiraram”, afirma Harari. “Lendas, mitos, deuses e religiões apareceram na Revolução Cognitiva. Muitos animais conseguiam indicar ‘Cuidado! Um leão!’, mas só os Sapiens conseguiam dizer ‘O leão é o espírito guardião da nossa tribo’. A capacidade de inventar ficções e falar delas é a mais especial da nossa linguagem. Nunca conseguiriam convencer um macaco a dar-vos uma banana prometendo-lhe um mundo ilimitado de bananas no céu dos macacos depois da sua morte.”

Ou seja, controlamo-nos uns aos outros – seja para construir uma catedral porque imensas pessoas acreditam na história de Jesus ou para ir para a guerra porque imensas pessoas acreditam que os Judeus são o alvo a abater – através da imaginação e de mitos que partilhamos.

Mudar de dentro para fora

Então mas se a imaginação nos permite controlar os outros e até salvá-los da morte, porque não a usamos mais vezes para mudar o mundo? “O mundo é o nosso reflexo. Antes de tentarmos mudar o que quer que seja, importa olhar para nós mesmos com honestidade”, defende Pedro Sena-Lino. Escritor e professor na Universidade de Gante, ensinou escrita criativa durante anos e é autor da mais recente biografia do Marquês de Pombal (‘De quase nada a quase rei’), um dos homens mais imaginativos da nossa História (para o bem e para o mal).

Mas nós, que não somos o Marquês, também temos o poder de mudar alguma coisa: a começar por nós. “A primeira coisa que mudava no mundo era a autoconsciência e a auto-honestidade”, nota Pedro Sena-Lino. “A auto-honestidade está ligada à criatividade. Durante muitos anos fui professor de escrita criativa e não há nada mais direto do que isto: uma pessoa com papel e caneta cria um espelho interior, para o presente e para o futuro. Portanto, a escrita é um triplo espelho. Uso-a para olhar para mim de maneira correta, sem arranjar desculpas, e perceber como é que a minha memória funciona e como posso mudar a minha maneira de pensar.”

A imaginação que muda alguma coisa não é uma imaginação de fuga: “A imaginação pode ser uma fuga que nos leva para um sítio maravilhoso, mas também um circuito completamente diferente que acontece no nosso cérebro ao criar um caminho novo, mais profundo.” Portanto, o Universo somos nós? “Claro. Se quiser exemplos práticos de como na verdade pode mudar o seu mundo, uma das coisas que faz falta, e isso ficou  óbvio na pandemia, é conversarmos, estarmos em conjunto, debatermos.”

A pandemia veio pôr as pessoas mais em contacto, nem que seja por Skype, como estamos a fazer os dois… “Tem razão, mas será que a relação entre as pessoas melhorou? Será que a qualidade das conversas aumentou, será que vamos mais fundo, será que nos conhecemos melhor e aos outros, será que ficámos mais frágeis? Não sei. O que passou a acontecer é que de repente pomos tudo em causa. Porque é que tenho de mandar este mail agora, porque tenho de me levantar a estas horas? Vamos aproveitar tudo isso para reimaginar o nosso mundo à nossa imagem.”

O poder de regressar a nós

Também podemos reimaginar o dia. E se descobríssemos que o dia tem 48 horas e não 24? “É como se tivéssemos um dia externo e um dia interno”, sugere Pedro Sena-Lino. “Por exemplo, eu adoro ler diários. E vê-se que a pessoa muitas vezes andou a pensar em entradas como pretexto de uma reflexão interior. E eu penso, quantas vezes o nosso dia não foi só o dia exterior e não vivemos o dia interior?”

Não o vivemos porque muitas vezes temos medo da imaginação. “Quando eu ensinava escrita criativa, havia uma coisa que todas temiam: a autobiografia. Nós começamos sempre a escrever na primeira pessoa. Depois, ou deixamos de escrever ou passamos do eu para um narrador externo. E as pessoas tinham medo de voltar a falar delas porque achavam que a autobiografia era uma espécie de voltar para trás e para dentro. Mas a imaginação é um bumerangue: vai para fora mas regressa sempre. E só é útil se partir das nossas experiências. Por exemplo, o que é que dá credibilidade aos mundos fantásticos da ficção científica: as coisas que nos são comuns, o cheiro, o toque, as imagens. Sem isto eu não posso acreditar. As pessoas o que temem na imaginação não é a fuga, mas o regresso a elas próprias.”

Aconselha por isso a recuperar a escrita de diários: “Se as pessoas experimentassem, veriam a diferença nas suas vidas. Podemos fazê-lo para fora – temos as redes sociais, o Facebook, que é tão propício a diários – ou apenas como uma forma de introspeção. Dá-nos sempre a ideia de procurar algo novo, de refletir sobre a nossa vida, de nos conhecermos melhor.”

30 dias para sermos diferentes

Ok, e estão vocês a dizer: ‘eu levanto-me de madrugada, vou deixar os putos à escola, trabalho, chego ao fim do dia estoirada, acha mesmo que me vou sentar a escrever o diário de mais um dia desgraçado ou pôr-me no Facebook a partilhar a fotografia do jantar?’

Mas há quem proponha mais ideias além do diário. Consultor, conferencista e autor de vários livros sobre liderança e felicidade, o alemão Marc Reklau esteve em Lisboa para apresentar ’30 dias para mudar de vida’ (Ed. Pergaminho). Claro que há países em que mudar de vida se calhar não é tão fácil como na Alemanha, mas podemos sempre ser a melhor versão de nós próprios. Para ajudar, o livro traz-nos 94 exercícios, dos mais simples aos mais complicados que vão fazer a diferença na sua vida. Pronto, desde que os ponha em prática.

“Quando comecei a estudar pessoas com sucesso, percebi que todas faziam as mesmas coisas”, conta à ACTIVA. “Definiam os objetivos, eram gratas pelo que tinham, eram racionais, sabiam o que queriam e onde queriam estar dali a 10 anos, por aí fora. E pensei, parece simples mas a maioria das pessoas não põe isto em prática. Tal como no ginásio, o problema é que a maioria das pessoas não faz os exercícios.”

E ele próprio começou a fazê-los. “Claro que não tem de os fazer a todos. O truque é, primeiro, fazer aqueles que lhe interessam, e segundo, começar por aquilo que lhe for mais fácil. Há coisas que continuo a fazer todos os dias: leio cinco páginas de um livro, estabeleço objetivos, faço meditação durante cinco minutos. O meu exercício preferido é a gratidão: todas as manhãs, escreva três coisas pelas quais está grata. Parece simples, mas quem é que o faz de facto? E é um exercício poderoso.”

Os planos podem falhar

Então quais são os exercícios mais efetivos para reimaginar a minha vida? “Somos todos diferentes, por isso o meu conselho é, comece com o que for mais fácil para si e desenvolva a sua confiança a partir daí”, explica Marc Reklau. Alguns hábitos são fáceis: se beber todos os dias um copo de água ao acordar, ninguém tem um problema com isso. Mas se lhe disser ‘tem de correr todos os dias meia hora ao acordar’, já vai ser mais complicado. “Comece com um ou dois hábitos a mudar. Perdoe-se. E tenha em atenção que os objetivos mudam ao longo dos anos.”

Às vezes, o nosso principal problema é não saber para onde queremos ir. “No meu caso, a principal mudança foi deixar de fazer coisas para agradar aos outros. Esse era o meu principal problema. E a partir daí tornei-me livre. Isso não significa que me tornei uma pessoa má ou eticamente reprovável. Apenas significa que tive de olhar para o mais profundo de mim próprio e perceber o que queria da vida, e não o que os outros queriam de mim. Isso foi bastante difícil de fazer.”

O que aprendeu de mais importante em todo este percurso: tomar a responsabilidade da sua vida. “Ninguém vai ajudá-lo. Só se tem a si próprio. Por isso ajude-se. Acredite em si. Eu costumo dizer que as únicas pessoas que acreditavam em mim era eu e a minha mãe, e quanto à minha mãe, não tenho a certeza. (risos).”

Uma coisa que percebeu foi que quando nós mudamos geralmente os outros à nossa volta também começam a mudar. “E para mim isso foi o mais interessante de verificar. Claro que aprendi muita coisa teórica nos cursos de aperfeiçoamento. Mas enquanto as coisas estão apenas no lado teórico, não as aprendemos verdadeiramente. Sonhar é importante, mas mais importante é agir, tomar responsabilidade, ser persistente.”

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